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Desafios temáticos da Paisagem Modelo Pantanal: caminhos para a sustentabilidade e conservação

22 minutos de leitura
André Nunes, coordenador da Paisagem Modelo Pantanal

Na Paisagem Modelo Pantanal, atuamos em quatro missões centrais — promover a sustentabilidade em áreas rurais, conservar a biodiversidade, fomentar negócios sustentáveis e implementar soluções baseadas na natureza — e enfrenta oito desafios temáticos: sistemas agroflorestais, agricultura e sustentabilidade, conservação da biodiversidade, sociobiodiversidade, brigadas comunitárias voluntárias, gestão integrada da paisagem e colaboração na formação de estudantes de pós-graduação. Além disso, lida com um grande desafio, as mudanças climáticas, e um desafio transversal, a gestão integrada da paisagem por meio da governança, dentro da Paisagem Modelo Pantanal.

O que é Paisagem Modelo?

A Paisagem Modelo Pantanal é uma iniciativa que busca integrar conservação ambiental, sustentabilidade e desenvolvimento socioeconômico na borda oeste do bioma, abrangendo 76.000 hectares nos municípios de Corumbá e Ladário, em Mato Grosso do Sul.

Desafios temáticos

1. Agrofloresta

Os sistemas agroflorestais (SAFs) são uma prática agrícola que busca integrar o cultivo de espécies florestais com culturas agrícolas e, às vezes, criação de animais. A principal característica dos SAFs é a diversidade de cultivos. Neles, as espécies florestais, como árvores frutíferas e madeireiras, são combinadas com culturas agrícolas como grãos, hortaliças, raízes e tubérculos.  Isso favorece um sistema mais equilibrado e resiliente, onde a diversidade de espécies atua em sinergia, promovendo controle biológico natural, regeneração do solo e maior estabilidade ecológica. Essa interação reduz a vulnerabilidade a surtos populacionais de organismos indesejados e doenças, fortalecendo a biodiversidade e minimizando impactos adversos. Além disso, as árvores desempenham papéis fundamentais, como a proteção do solo, a oferta de sombra, a melhoria da fertilidade através da ciclagem de nutrientes e o aumento da biodiversidade.

Para os pequenos produtores rurais, os sistemas agroflorestais oferecem vantagens significativas. Em primeiro lugar, proporcionam maior resiliência às propriedades rurais, o que é especialmente importante em tempos de mudanças climáticas e variações de mercado. Com a diversificação das atividades agrícolas e florestais, o produtor consegue reduzir riscos, já que diferentes produtos podem ser comercializados em diferentes épocas do ano, o que garante uma produção constante e mais segura. Além disso, a diversificação de fontes de renda é uma das grandes vantagens dos SAFs. Ao incluir tanto produtos agrícolas quanto florestais, como madeira e frutos, o produtor pode aumentar sua renda e reduzir a dependência de um único produto.

Nosso objetivo é, em parceria com as famílias de produtores rurais da reforma agrária, promover maior segurança alimentar, sustentabilidade e novas fontes de renda, ao mesmo tempo em que contribuímos para a conservação da biodiversidade no Pantanal. Ao diversificar as fontes de renda, os SAFs ajudam os pequenos produtores a reduzir a dependência de um único cultivo, aumentando a segurança econômica e a resiliência das propriedades frente às mudanças climáticas e às flutuações do mercado.

2. Agricultura e sustentabilidade

A recuperação de pastagens em propriedades de pequenos produtores rurais é uma estratégia essencial para melhorar a produtividade e a sustentabilidade das atividades agropecuárias, além de representar uma contribuição significativa no combate às mudanças climáticas. Em diversas propriedades da região, as pastagens estão degradadas em função do uso inadequado do solo e do pastoreio intensivo. Como resultado, essas áreas enfrentam queda na fertilidade do solo, aumento da erosão e diminuição da biodiversidade, comprometendo a produtividade e a sustentabilidade das atividades agropecuárias. Nesse contexto, a recuperação dessas áreas envolve práticas como o plantio de espécies forrageiras adequadas, a adoção de rotação de pastagem e o controle da pressão de pastoreio. Essas ações ajudam a restaurar a fertilidade do solo, aumentar a cobertura vegetal e melhorar a capacidade de retenção de água, o que resulta em pastagens mais produtivas e resilientes.

A restauração de pastagens também é fundamental para reduzir conflitos entre a produção agropecuária e a conservação dos grandes felinos, como a onça-pintada (Panthera onca). Com a recuperação das pastagens e práticas adequadas de manejo, é possível manter o gado nas propriedades, evitando conflitos com áreas protegidas, contribuindo para a proteção dos grandes felinos, que estão ameaçados de extinção e são essenciais para o equilíbrio ecológico local.

O objetivo desse tema é recuperar pastagens para trazer uma melhoria nas condições de produção de forma a aumentar a produtividade do gado, reduzir custos com suplementação alimentar e melhorar a saúde animal. Isso, por sua vez, leva a uma maior rentabilidade e à estabilidade da produção, além de possibilitar uma exploração agropecuária mais eficiente e de baixo impacto ambiental.

3. Conservação da biodiversidade

A biodiversidade é um dos pilares fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas. O Pantanal, com sua rica diversidade de flora e fauna, além de seus complexos regimes hidrológicos, depende de um equilíbrio dinâmico que sustenta os processos naturais e garante a resiliência dos sistemas ambientais. Sem uma biodiversidade conservada e equilibrada, esses sistemas entram em colapso, o que pode acarretar impactos negativos não apenas para plantas e animais, mas também para as comunidades que dependem dos recursos naturais para sua subsistência e para as atividades agrícolas da região.

Assim, monitorar o status de conservação da biodiversidade local é essencial para compreender a saúde dos ecossistemas e identificar áreas de vulnerabilidade. Ao acompanhar de perto as mudanças na fauna e na flora, podemos propor Soluções Baseadas na Natureza (NbS) mais eficazes, que promovam a coexistência entre a conservação das espécies, seus habitats e o uso sustentável da terra. O monitoramento contínuo nos permite ajustar práticas de manejo, criar zonas de refúgio e implementar técnicas e soluções que favoreçam a harmonia entre a produção agropecuária e a conservação da biodiversidade.

Em um cenário de crescentes pressões ambientais, como o aumento de incêndios, alterações climáticas e o uso intensivo de recursos naturais, adotar abordagens NbS torna-se fundamental. Portanto, integrar o conhecimento sobre a biodiversidade à gestão dos territórios produtivos é uma estratégia que alia conservação e sustentabilidade, ao mesmo tempo em que contribui para a resiliência ecológica e o desenvolvimento social e econômico das regiões.

Nosso objetivo é promover a conservação da biodiversidade por meio do monitoramento contínuo da fauna e flora locais, permitindo a identificação de vulnerabilidades dos ecossistemas e a implementação de NbS que conciliem a conservação dos habitats e o uso sustentável da terra. Busca-se, assim, garantir o equilíbrio dinâmico dos processos ecológicos que sustentam o bioma, fortalecendo a resiliência ambiental diante de pressões como incêndios, mudanças climáticas e o uso intensivo de recursos naturais, além de contribuir para o desenvolvimento sustentável das comunidades e das atividades agropecuárias da região.

4. Economia da sociobiodiversidade

A economia da sociobiodiversidade se baseia na valorização dos saberes e práticas de populações que gerenciam seus territórios de maneira sustentável, preservando a biodiversidade local e gerando produtos que atendem às necessidades da comunidade e do mercado. A região tem investido em pesquisas e ações para aprimorar as práticas socioambientais, com ênfase no fortalecimento da economia local de povos e comunidades tradicionais, especialmente por meio da participação das mulheres. Elas encontram no extrativismo de frutos e fibras uma alternativa para conquistar maior autonomia.

A cadeia produtiva da bocaiúva (Acrocomia aculeata) é um exemplo significativo desse modelo sustentável, com a participação ativa das mulheres. Nativa das regiões tropicais, essa palmeira tem sido uma fonte essencial de recursos para diversas comunidades. As mulheres desempenham um papel fundamental nesse processo, que vai desde a coleta dos frutos, exigindo conhecimento tradicional sobre o manejo da palmeira, até o processamento, que inclui a extração do óleo e a produção de produtos alimentícios ou cosméticos. Esses itens são então comercializados no mercado local. Além de gerar uma fonte de renda, o extrativismo sustentável da bocaiúva contribui para a conservação das áreas de vegetação nativa, evitando o desmatamento. O cultivo e manejo da palmeira ajudam a manter o equilíbrio ecológico da região, ao mesmo tempo que proporcionam uma alternativa econômica para as famílias, com destaque para as mulheres, que se tornam protagonistas dessa cadeia produtiva.

O objetivo é criar um modelo de desenvolvimento socioeconômico que combine conservação ambiental com geração de trabalho e renda, fortalecendo a resiliência das comunidades frente aos desafios econômicos e ambientais. Isso envolve o reordenamento das cadeias produtivas, a melhoria das condições de trabalho e acesso a mercados, além de fomentar o protagonismo das populações tradicionais na gestão e conservação dos recursos naturais. A participação das mulheres nesse processo não só fortalece sua autonomia financeira, mas também contribui para o empoderamento feminino e para a valorização do trabalho local, promovendo uma integração mais justa e equilibrada nas comunidades.

5. Produção de mudas como modelo de negócio sustentável

A implementação de um viveiro florestal é uma estratégia fundamental para fortalecer a agricultura familiar e promover a recuperação ambiental. Esse espaço permite a produção de mudas nativas, hortaliças, frutíferas e de espécies de interesse agroecológico, garantindo autonomia para os agricultores e reduzindo custos com a aquisição de plantas. Além disso, o viveiro fortalece a segurança alimentar e a geração de renda, incentivando práticas sustentáveis no manejo da terra. Além de fornecer mudas para a restauração das áreas nativas e manutenção dos sistemas agroflorestais, as mudas produzidas no viveiro também contribuem para a conservação do solo e da água, reduzindo impactos ambientais e aumentando a resiliência da produção agrícola diante das mudanças climáticas.

O viveiro, que o primeiro no Pantanal do Mato Grosso do Sul, tem como objetivo assegurar a disponibilidade de mudas para restauração desse bioma, a produção agroecológica e o fortalecimento da economia local. Além disso, capacitar as famílias em modelos de restauro e negócios sustentáveis, fundamentados na natureza, na ciência e no conhecimento tradicional, tornando-se uma estratégia essencial para impulsionar a sustentabilidade, fortalecer a autonomia dos agricultores e restaurar paisagens degradadas.

6. Brigadas comunitárias voluntárias

As brigadas comunitárias voluntárias são grupos organizados por moradores locais que atuam na prevenção e no combate a incêndios, desastres naturais e outras emergências. Formadas por voluntários treinados, essas brigadas desempenham um papel fundamental na proteção do Pantanal e na segurança das comunidades, especialmente em regiões vulneráveis a incêndios florestais e eventos climáticos extremos. Por meio do trabalho coletivo as brigadas fortalecem o senso de pertencimento e a resiliência local, promovendo soluções eficazes para reduzir riscos e impactos ambientais.

O objetivo é monitorar os incêndios florestais e fortalecer a capacidade de resposta das brigadas comunitárias voluntárias diante de desafios ambientais e sociais. Dessa forma, buscamos garantir maior proteção às pessoas, às comunidades e ao Pantanal, contribuindo para a construção de territórios mais seguros e resilientes diante de emergências.

7. Gestão integrada da Paisagem Modelo

A Gestão Integrada da Paisagem (GIP) é uma abordagem que busca lidar com desafios ambientais, sociais e econômicos complexos, gerenciando as paisagens como um todo, em vez de focar em setores ou questões isoladas. Ela reconhece que as paisagens são sistemas dinâmicos e interconectados, onde as atividades humanas, a biodiversidade, os ecossistemas e o clima interagem. A GIP incentiva a colaboração entre múltiplos stakeholders, incluindo comunidades locais, governos, setores privados e ONGs, para garantir o uso sustentável da terra e a gestão dos recursos. Ao considerar tanto os aspectos ecológicos quanto socioeconômicos das paisagens, a GIP visa criar sinergias que apoiem a sustentabilidade a longo prazo, enquanto reduzem conflitos e trade-offs.

A importância dessa gestão reside em sua capacidade de enfrentar as crescentes pressões sobre os recursos terrestres. Ao adotar uma abordagem holística, a GIP pode ajudar a restaurar terras degradadas, conservar a biodiversidade e melhorar os serviços ecossistêmicos, ao mesmo tempo em que promove a segurança alimentar e econômica, os meios de subsistência e a resiliência climática. Ela incentiva a gestão adaptativa e estruturas de governança que sejam flexíveis e inclusivas, garantindo que as necessidades de diferentes setores e comunidades sejam atendidas. Em última instância, a GIP contribui para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, promovendo um relacionamento equilibrado entre as atividades humanas e o meio ambiente natural. Dessa forma, o objetivo é criar uma visão e estratégias de paisagem compartilhadas entre os diferentes stakeholders, que possuem perspectivas tanto divergentes quanto semelhantes sobre o território, por meio de um comitê gestor.

8. Colaboração na formação de estudantes de pós-graduação 

A colaboração na formação de estudantes de pós-graduação é essencial para proporcionar uma experiência acadêmica rica e abrangente. Por meio desta colaboração, os estudantes têm a oportunidade de trabalhar com diferentes especialistas em atividades de campo na Paisagem Modelo Pantanal, ampliando seu conhecimento em várias áreas e desenvolvendo habilidades interdisciplinares. Essa troca de experiências com o grupo de pesquisadores da Paisagem Modelo fortalece o processo de aprendizagem, permitindo que os alunos se envolvam em projetos desafiadores e comecem a formar uma rede de contatos que será valiosa em sua carreira futura.

Além disso, essa colaboração promove um ambiente de pesquisa mais dinâmico, onde a diversidade de pensamentos e abordagens pode levar à inovação e ao desenvolvimento de soluções criativas para problemas complexos. Ao interagir com pessoas de diferentes origens e disciplinas, os estudantes se expõem a novas perspectivas que podem enriquecer seu trabalho acadêmico e prepará-los melhor para os desafios do mundo profissional. Essa colaboração também é fundamental para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, trabalho em equipe e resolução de problemas, que são essenciais no ambiente acadêmico e no mercado de trabalho.

O objetivo da colaboração na formação de estudantes de pós-graduação é preparar profissionais altamente qualificados, capazes de atuar de maneira crítica e inovadora em suas áreas de atuação, além de facilitar o desenvolvimento de suas atividades de coleta de dados em campo. Atualmente, temos estabelecido parcerias com estudantes de quatro instituições de ensino e pesquisa, tanto do Brasil quanto do exterior:

University College London (UCL)

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Centro de Investigación Agrícola Tropical y Educación Superior (CATIE)

Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (ESCAS)

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