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Dizer que hidrelétrica causa menos emissões é ‘estratégia de avestruz’

7 minutos de leitura

Texto originalmente publicado em: 08/10/09

Hidrelétricas emitem metano, um gás de efeito estufa com 25 vezes mais impacto sobre o aquecimento global por tonelada de gás do que o gás carbônico, de acordo com as atuais conversões do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC).  O EIA-RIMA (estudo e relatório de impacto ambiental) da Usina de Belo Monte afirma que “uma das conclusões principais dos estudos realizados até o momento indica que, em geral, as UHEs [Usinas Hidrelétricas] apresentam menores taxas de emissão de GEE [Gases de Efeito Estufa] do que as Usinas Termelétricas (UTEs) com a mesma potência” (1).  Infelizmente, pelo menos para a época dos inventários nacionais sob a Convenção de Clima (1990), todas as “grandes” hidrelétricas na Amazônia brasileira (Tucuruí, Samuel, Curuá-Una e Balbina) tinham emissões bem maiores do que a geração da mesma energia com termelétricas (2).  O EIA-RIMA afirma que “o trabalho realizado no Rio Xingu, na área do futuro reservatório do AHE [Aproveitamento Hidrelétrica] Belo Monte, aponta para a estimativa de emissão de metano de 48 kg/km2/dia, da mesma ordem de grandeza que os reservatórios de Xingó e Miranda” (3).  Xingó e Miranda são duas hidrelétricas não amazônicas que os autores calculam ter um impacto bem menor do que uma termoelétrica do tipo mais eficiente (4).

Os autores calculam essas baixas emissões de metano das hidrelétricas por ignorar duas das principais rotas para emissão desse gás: a água que passa pelas turbinas e pelos vertedouros.  Essa água é tirada de uma profundidade suficiente para ser isolada da camada superficial do reservatório, e tem uma alta concentração de metano dissolvido.  Quando a pressão é subidamente reduzida ao sair das turbinas ou dos vertedouros, muito desse metano é liberado para a atmosfera, como tem sido medido em hidrelétricas como Balbina, no Amazonas (5) e Petit Saut, na Guyana Francesa (6).  O EIA-RIMA considera apenas o metano emitido na superfície do próprio lago, e nem menciona as emissões das turbinas e vertedouros.

A revisão da literatura incluída nos EIA-RIMA sobre emissões de gases por hidrelétricas está restrita aos estudos dos grupos ELETROBRAS e FURNAS, como se o resto do mundo não existisse (7).  A revisão é tão seletiva que não há a menor chance de ser explicado por omissões aleatórias.  Apenas são mencionados trabalhos que não desmentem a crença dos autores do EIA-RIMA, de que as emissões de hidrelétricas são muito pequenas.  Não é mencionado o corpo volumoso de pesquisa na hidrelétrica de Petit Saut, na Guyana Francesa, onde há uma série de monitoramento de metano bem mais completa do que em qualquer barragem brasileira (8).  Também não são mencionados os trabalhos do grupo que estuda o assunto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE (9), nem os estudos do grupo na Universidade de Quebec, no Canadá, que também estudou barragens amazônicas (10), nem os estudos do laboratório de Bruce Forsberg, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA (11), e, tampouco, as minha próprias contribuições a essa área, também no INPA (12).  Os resultados de todos esses grupos contradizem, de forma esmagadora, o teor do EIA-RIMA em sugerir que hidrelétricas têm pequenas emissões de metano.

Desacreditada

A conclusão do grupo que assina a parte do EIA-RIMA sobre emissões supostamente modestas de metano pelas hidrelétricas tem sido desacreditada por observadores independentes no meio acadêmico, devido às obvias omissões da emissão pelas turbinas e vertedouros (13).  As Organizações Não Governamentais (ONGs) vão mais longe, com acusações explícitas de conflito de interesse (14).

A essa altura, o grupo que assina a parte do EIA-RIMA sobre emissões não tem a menor desculpa para omitir as emissões das turbinas e vertedouros, sendo que o primeiro autor dessa parte do EIA-RIMA tem sido presente em múltiplas reuniões onde resultados que contradizem as suas conclusões foram apresentados, incluindo o evento da UNESCO em dezembro de 2007, ocorrido em Foz de Iguaçu, que é mencionando no EIA (15).  Ele até tem o seu nome incluído na lista de autores de um trabalho sobre as emissões em Petit Saut no qual os dados desmentem frontalmente as conclusões dos grupos da ELETROBRÁS e FURNAS (16).

Fingir que emissões apenas ocorrem pela superfície do lago, sem considerar a água passando pelas turbinas e vertedouros, é uma distorção ainda mais grave no caso de Belo Monte do que para outras barragens, uma vez que a área do reservatório de Belo Monte é relativamente pequena, porém, com grande volume de água passando pelas turbinas.  No caso de Belo Monte junto com Babaquara/Altamira, as emissões das turbinas são enormes, especialmente nos primeiros anos, e esse conjunto de barragens levaria 41 anos para começar a ter um saldo positivo em termos do efeito estufa (17).  Concentrar as análises de emissões das hidrelétricas apenas na superfície dos reservatórios, como foi feito no EIA-RIMA, é igual a não observar um elefante no meio de uma pequena sala, por fixar os olhos em um dos cantos da sala.

Referências (clique aqui para lista completa)

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