Rio de Janeiro – Após 20 anos, os termos ‘racionamento’ e ‘apagão’ voltaram a assombrar os brasileiros. O motivo é a pior crise hídrica enfrentada pelo Brasil em 91 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Além do risco de desabastecimento energético, a seca dos reservatórios que abastecem as usinas hidrelétricas também representa alta no custo da energia. O governo federal trabalha em medidas de contenção da crise, como a criação de um comitê específico e a realização de campanhas de conscientização para o uso racional da energia elétrica. Ainda assim, no início deste mês de julho, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reajustou o valor da Bandeira Vermelha Patamar 2, o mais alto do sistema tarifário, em 52%. O aumento é reflexo do custo do acionamento de usinas termelétricas para suprir a demanda de consumo, e a previsão é de novas altas na cobrança nos próximos meses. Soma-se a isso, a já instalada crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19 no país, que impactou na renda de grande parte da população, e também no comércio, nos serviços e na indústria. Diante desse cenário, é crescente a preocupação dos consumidores com a alta da conta de luz, que vem pesando cada vez mais nos orçamentos das famílias e das empresas.
Para discutir o assunto e orientar sobre as estratégias que podem ser adotadas nesse momento, o Procel Info conversou com o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), Frederico Araújo (Foto). De acordo com o representante da associação, o caminho para reverter esse quadro é investir em ações que contribuam para que o país se torne energeticamente eficiente. Dessa forma, a solução para o problema enfrentado no país estaria na redução de perdas energéticas e no uso racional do recurso já disponível atualmente.
Ele destaca que, apesar do enorme potencial, o Brasil ainda precisa avançar muito nesse sentido. Araújo cita um ranking de eficiência energética de 2018 do Conselho Americano para Economia Eficiente de Energia (CEEE) que mostra o Brasil na 20ª posição entre 25 países e um levantamento da própria Abesco, que apontou que, entre 2015 e 2017, o país teve um desperdício energético de cerca de R$ 61, 7 bilhões.
“A Carbon Trust tem uma pesquisa intitulada ‘Transformative Investiment for Energy Efficiency and Renewable Energy’, publicada em 2017, que estima um mercado de eficiência energética no Brasil de R$ 18 bilhões. Isso em 2017. Esse mercado é atualizado a cada momento e, se esses investimentos não são feitos, esse mercado acaba expandindo ainda mais. Somente as ESCOs no Brasil acabam captando cerca de R$ 500 milhões anualmente. Ou seja, temos um mercado gigantesco a ser explorado”, revela ele sobre a informação da organização ambiental inglesa.
‘Políticas estruturantes são fundamentais para mudar a cultura de desperdício no país’
O presidente da Abesco chama a atenção para a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas estruturantes voltadas ao uso consciente da energia. Ele afirma que, dessa forma, poderiam ser definidos indicadores para nortear a operação dos setores de comércio, serviços e indústria. Frederico Araújo recomenda ainda a adoção em larga escala da norma de gestão energética ISO 50.001, para favorecer o controle do consumo por parte das empresas. Além disso, ele defende o estabelecimento de regras e até mesmo penalidades, para garantir que a prática da eficiência seja efetivamente estabelecida no país.
“Se temos padrões mínimos a serem seguidos e esses padrões evoluem com o passar dos anos, a gente expande o mercado de eficiência no Brasil e acaba invertendo o quadro de desperdício. Mas o ponto-chave dessa questão é que nós temos que desenvolver a cultura nas pessoas. Todo um processo educativo através da educação direta e de normas seria fundamental”, afirma.
Modernização de sistemas e novos hábitos podem auxiliar na redução de consumo de energia
Em segundo lugar, o presidente da Abesco afirma que é preciso readequar os usos finais da energia em diversos setores para que sejam eliminadas possíveis causas de perdas energéticas que levam ao aumento da demanda de geração e, consequentemente, encarecem o valor da conta de energia, sobretudo neste período de escassez hídrica.
Ele destaca o grande potencial de economia energética da área industrial no país, que em 2018 tinha uma estimativa de R$ 4 bilhões por ano, ou cerca de 18% da geração de Itaipu. No entanto, Araújo afirma que, para que essa redução de consumo de energia se concretize, é essencial que o parque industrial brasileiro seja modernizado.
“Um dado bastante interessante e que abre os nossos olhos sobre a eficiência energética na indústria é que hoje nós temos cerca de 20,8 milhões de motores instalados no parque industrial brasileiro, sendo que, aproximadamente 11,6 milhões desses motores têm idade maior ou igual a 19 anos. Isso reforça o fato que o nosso parque industrial é antigo, obsoleto e consome bastante energia. Para se ter uma ideia, desses 11,6 milhões de motores, 4,45 milhões, que têm potência entre 0,16 cavalos e 500 cavalos têm um ROI, o Retorno sobre Investimento, menor ou igual a dois anos. Ou seja, esse é um mercado com extremo potencial de investimento, isso só olhando para motores elétricos”, avalia.
Além da substituição dos motores antigos por modelos com maior rendimento e utilização de inversores para controlar a utilização desses equipamentos, ele indica outras medidas podem ser associadas para a redução da demanda energética das indústrias. Araújo recomenda fazer a substituição de lâmpadas tradicionais pela tecnologia LED, utilizar outras fontes energéticas como opção à energia elétrica, otimizar sistemas de refrigeração, adequar processos de automação dos equipamentos, verificar linhas de distribuição de ar comprimido para identificar possíveis vazamentos, substituir aparelhos como maquinários antigos, fornos e compressores por equipamentos mais novos e eficientes.
Para as empresas de comércio e serviços, as orientações do presidente da Abesco são substituir equipamentos por modelos com tecnologias mais eficientes, como aparelhos de ar-condicionado e refrigeradores, otimizar sistemas de refrigeração, além de substituir as lâmpadas fluorescentes e incandescentes por iluminação de LED. Segundo o representante da associação, assim como a indústria, o comércio também apresenta possiblidade significativa de economia, cerca de R$ 2,4 bilhões, ou 16,6% da Usina de Belo Monte, segundo estimativa de 2018.
Outro setor que pode ter redução de consumo energético é o residencial. Atualmente, com as moradias tendo constante ocupação devido à pandemia de Covid-19, ações de uso racional da energia são ainda mais necessárias. De acordo com Frederico Araújo, assim como na indústria e no comércio, optar pela iluminação de LED é sempre uma boa estratégia. Além disso, ele indica que alguns comportamentos devem ser adotados para evitar o gasto excessivo de energia em casa, como vedar bem as saídas de ar em ambientes onde são utilizados aparelhos de ar-condicionado, não deixar a porta da geladeira aberta, usar ventilação natural quando possível, tomar banho com o chuveiro na posição ‘verão’ nas épocas mais quentes e acumular roupas para lavar e passar. Araújo também recomenda que, ao adquirir um eletrodoméstico, os consumidores devem dar preferência aos modelos que tenham o Selo Procel de Economia de Energia. No caso dos condicionadores de ar, também é importante adquirir os que contam com a tecnologia inverter, que tem consumo reduzido de energia quando comparados aos modelos convencionais.
Além das áreas citadas, o presidente da associação aponta ainda o setor de Iluminação Pública como mais um segmento que oferece uma boa possibilidade de economia de energia para o sistema elétrico do país.
“Nós somos um país tropical e o ar-condicionado, a refrigeração dos ambientes, de alimentos têm um grande potencial de eficiência energética. Temos que ter foco nesses usos finais. Quando você olha para as cidades, a área de iluminação pública, quanto ainda há de se fazer com a troca das luminárias de vapor de sódio, de mercúrio, que ainda são danosas para o meio ambiente, por luminárias LED, eficientes, que trazem uma economia de até 70% para o parque instalado? Isso é economia, é reserva de energia para ser utilizada em uma crise no Brasil”, salienta.
Uso racional do recurso energético pode ajudar a evitar novos episódios de escassez no futuro
Considerando as dificuldades econômicas vivenciadas por muitas empresas brasileiras após mais um ano de pandemia, além do peso elevado que a energia tem na manutenção dos negócios, Frederico Araújo afirma que a eficiência energética será fundamental para uma retomada econômica no país. O presidente da Abesco aponta que, com menor custo de operação propiciado pela redução do consumo de energia, é possível melhorar não só a questão financeira, mas também a competitividade das organizações. Outras vantagens da adoção da eficiência energética, segundo Araújo, seriam o rápido retorno dos investimentos e a fácil implementação de medidas, sem que sejam necessárias, na grande maioria dos casos, licenças ambientais por exemplo.
A adoção de ações de uso consciente da energia também pode ser uma alternativa para que os consumidores possam contornar os aumentos das bandeiras tarifárias de energia, evitando maiores prejuízos ao orçamento. Entretanto, na opinião do presidente da Abesco, o ideal é que essas medidas não sejam adotadas apenas em momentos de crise, mas se tornem uma prática permanente, evitando assim, a necessidade de aumento da demanda de geração de energia do sistema elétrico.
“Quando eu coloco bandeiras tarifárias e aumento o custo de energia eu estou falando: quanto mais você consumir, nesse momento de crise, mais você paga por essa energia. Essa é uma ideia para fazer as pessoas consumirem menos. Mas nós deveríamos criar indicadores mínimos de eficiência e criar a cultura da eficiência no dia a dia das pessoas, porque assim conseguiríamos fazer mais com menos, ser mais competitivos e usar menos energia para isso, nessa ordem”, recomenda.
Assim, Araújo reitera que, a partir da eliminação de desperdícios nos diversos setores econômicos e com a disseminação da prática de uso racional da energia, seria possível evitarmos novas crises energéticas como a que o Brasil enfrenta no momento. Além disso, ao alcançar um patamar de eficiência, o país diminuiria a dependência das usinas termelétricas, evitando o aumento da cobrança aos consumidores. Por isso ele reforça que, além dos investimentos em geração de energia renovável, que já vêm sendo feitos atualmente, é necessário que o país aposte também na eficiência energética.
“Nós temos na eficiência energética no Brasil o maior reservatório de energia que se pode ter com o prazo mais rápido de implantação. Temos a maior bateria existente hoje no país, que é evitar o desperdício de energia. E essa é a principal forma de termos sobra de energia no Brasil, com baixo investimento, rápido payback e zero burocracia”, analisa.