Por José Carlos Oliveira, Agência Câmara de Notícias.
A seca rigorosa que já provoca quedas históricas nos níveis dos rios do Pantanal traz risco de devastação ainda mais grave no bioma do que a registrada no ano passado. O alerta partiu de vários especialistas ouvidos no dia 15 de julho pela Comissão Externa da Câmara sobre Queimadas nos Biomas Brasileiros. Alguns órgãos públicos já monitoram a situação por meio de “salas de crise”.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) constata uma “anomalia de precipitação” na região do Pantanal com déficit de chuva em torno de 40% desde outubro de 2020. Superintendente de operações e eventos críticos da Agência Nacional de Águas (ANA), Ana Fioreze mostrou os efeitos práticos dessa estiagem nos rios pantaneiros e fez um alerta sobre a crise hídrica na região. Segundo ela, a situação de 2021 é mais crítica do que foi no ano passado e tende a piorar nos próximos meses.
“A gente percebe os reflexos nas vazões: quase todas as estações de monitoramento estão próximas aos níveis mínimos históricos. Há um potencial risco para captações, principalmente para o abastecimento quando elas estão localizadas muito próximas às margens do rio e são captações fixas. Pode acontecer de haver necessidade de levar essas captações mais para dentro do rio”, explicou.
Entre os impactos sociais, já se notam a redução na oferta de peixes e o encalhe das “chalanas”, embarcações típicas do Pantanal. O coordenador de Ciências da Terra do Inpe, Gilvan de Oliveira, apresentou o histórico das secas cada vez mais intensas e frequentes no bioma.
“Desde o fim da década de 1990, o período seco tem ficado mais seco e também o período chuvoso tem ficado mais seco. Vejam que, de 2010 em diante, temos um predomínio de chuva abaixo da média. Então, algo realmente está acontecendo no Pantanal e obviamente chama a atenção o período 2020-2021. Neste ano, não é possível somente fazer orientação ou informativos: têm que ocorrer ações efetivas”, disse.
Focos de queimada
Com a seca também vem o temor de queimadas mais intensas nos próximos meses. Do início do ano até agora, o Inpe registrou 693 focos de fogo ativo na região pantaneira da bacia do rio Paraguai, o mais importante do bioma. O Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (Imasul) também registrou aumento considerável nos focos de queimadas nas últimas duas semanas. Não há previsão de chuva volumosa e a tendência é de que as precipitações só voltem em meados de outubro.
O gerente de recursos hídricos do Imasul, Leonardo Costa, anunciou que será pedida ao governo federal a inclusão do estado na operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que já beneficia o vizinho Mato Grosso mas ainda está restrita à Amazônia Legal.
“Para que as Forças Armadas possam atuar juntamente com o Corpo de Bombeiros do Mato Grosso do Sul nas ações de combate e, em especial, no transporte das tropas e de equipamentos para as áreas mais longínquas e de difícil acesso durante os trabalhos”, observou.
Costa informou que o Mato Grosso do Sul investiu R$ 56 milhões em equipamentos e treinamentos de brigadistas desde as queimadas do ano passado. Uma sala de crise será instalada no estado na próxima semana.
A comandante do Batalhão de Emergências Ambientais do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso, Juscieli Marques, também relatou uma série de ações de prevenção em curso desde o início do ano, como a instalação de salas de crise descentralizadas e a aplicação de R$ 36 milhões em multas por infrações ambientais.
Ausência do governo
A coordenadora da Comissão Externa sobre Queimadas nos Biomas Brasileiros, deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), voltou a reclamar da ausência reiterada de representantes do Ibama e do ICMBio nas audiências e cobrou ações efetivas também por parte dos Ministérios da Defesa e do Meio Ambiente.
“A gente ainda não chegou aos meses mais propícios a queimadas: agosto e setembro. Então, é o momento em que o Parlamento tem que se dirigir aos órgãos responsáveis para que apoiem os nossos estados e que a gente não tenha a repetição da tragédia do ano anterior”, disse.
O deputado Vander Loubet (PT-MS) ressaltou a necessidade de apoio orçamentário às ações de prevenção e controle das queimadas, enquanto o deputado Dr. Leonardo (Solidariedade-MT) citou o posicionamento da Frente Parlamentar da Agropecuária “contra o desmatamento e os incêndios ilegais”.
Pandemia e orçamento
O coordenador de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), José Morengo, afirmou que a “anomalia de precipitação” ainda é um fenômeno natural, mas reconheceu que as queimadas são iniciadas pela atividade humana.
“Não podemos dizer que é mudança climática. É apenas uma amostra do que poderia passar no futuro se o clima continuar aquecendo e se o ser humano não tomar conta dos recursos naturais, não reduzir o desmatamento e não assumir os compromissos do Acordo de Paris e da Cúpula do Clima”, disse.
Segundo Morengo, a pandemia de Covid-19, os cortes no orçamento e o controle insuficiente contribuíram para o aumento na frequência e na intensidade das queimadas no Pantanal.
Navegação
Bióloga da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e da Embrapa Pantanal, Débora Calheiros avalia que o rio Paraguai é navegável, mas não comporta uma hidrovia de grande porte. Ela apresentou o impacto na hidrodinâmica do sul do Pantanal em caso de concretização dos portos e vários pontos de dragagem do chamado “tramo norte” da hidrovia, entre Cáceres (MT) e Corumbá (MS).
A professora e pesquisadora Solange Castrillon, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), mostrou os reflexos das mudanças climáticas nas nascentes dos rios pantaneiros e na vida dos ribeirinhos.
Foto de capa: rio Paraguai. Ronivon Barros.