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Estudo mapeia desafios e aponta diretrizes para a restauração do Cerrado

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Foto: greenpeace

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP

-Pesquisadores da Unicamp e colaboradores analisaram dados de 82 áreas, distribuídas por cinco Estados e o Distrito Federal. Resultados indicam que, para recuperar a grande biodiversidade do bioma, é preciso combinar várias técnicas restaurativas, além de preservar o que ainda não foi destruído.

O Cerrado já perdeu cerca de 70% da sua cobertura original. Savana mais biodiversa do mundo, detentora de 33% de toda a biodiversidade brasileira, berço das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, o Cerrado é hoje também o bioma mais ameaçado do Brasil. Salvar o que resta, por meio de ações de preservação, é necessário e urgente. Mas não é suficiente. É preciso também restaurar.

O grande problema é que o Cerrado é muito difícil de ser restaurado. Nas últimas décadas, várias alternativas de restauração foram testadas. Mas nenhuma se mostrou totalmente efetiva. Para entender o potencial de cada uma delas e a possibilidade de serem consorciadas em uma estratégia de conjunto, uma pesquisa apoiada pela FAPESP compilou um amplo conjunto de dados de 82 áreas distintas, distribuídas por cinco Estados e pelo Distrito Federal. Os resultados do estudo foram divulgados no Journal of Applied Ecology.

“Comparamos o quanto essas áreas em restauração estavam similares às áreas conservadas, preservando as fisionomias de campos e savanas predominantes no bioma. E, em cada área, avaliamos a eficácia das técnicas de restauração passiva [regeneração natural] e ativa [semeadura, plantio de mudas de árvores, transplante de plantas, raízes e solo]”, conta Natashi Pilon, professora do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e primeira autora da pesquisa.

O estudo investigou 712 espécies, típicas do Cerrado bem preservado. Dessas, 338 (47%) não foram encontradas em nenhum dos locais em restauração. Como se isso não bastasse, de 520 espécies registradas exclusivamente em locais de restauração, 70% não eram típicas do Cerrado. Em outras palavras, espécies que deveriam estar presentes nas áreas restauradas não estão, e espécies que não deveriam estar presentes estão.

“Nos projetos de restauração, espécies que não são características do Cerrado estão sendo introduzidas. É o caso das ruderais [que crescem espontaneamente em terrenos baldios]. Embora nativas do Brasil, essas espécies não são características de nenhum bioma específico. E comprometem a estabilidade do ecossistema em restauração a longo prazo”, sublinha Pilon.

Os limites da regeneração natural

O Cerrado é muito diversificado. Um dos objetivos do estudo foi entender como cada tipo de planta responde às diferentes técnicas de restauração, considerando capins nativos, ervas, subarbustos (plantas que se assemelham a ervas, mas possuem lenho abaixo do solo), arbustos, trepadeiras e árvores.

“Verificamos que, em áreas onde somente a regeneração natural foi adotada, a quantidade de espécies típicas não aumentou com o tempo. Esse resultado mostra que muitas espécies possuem limitações para colonizar áreas degradadas. E que simplesmente deixar que o Cerrado se recomponha por si mesmo não permitirá recuperar a biodiversidade perdida”, conta Pilon.

A Figura 2 (ver abaixo), derivada do estudo, apresenta, graficamente, a eficácia de cada técnica de restauração em relação ao tipo de planta. Note-se que a restauração passiva permite a conservação de um número limitado de espécies típicas – geralmente árvores e arbustos que apresentam alta capacidade de rebrota. Ainda assim, a recuperação dessas espécies lenhosas depende de quanto o solo foi modificado e se ainda existem raízes capazes de rebrotar. Quanto às técnicas de restauração ativa, a figura mostra que a semeadura e o transplante de plantas e solo conseguem recuperar maior diversidade de espécies típicas, cada técnica sendo favorável para um tipo específico de planta.

Síntese das principais formas de crescimento do Cerrado que cada técnica de restauração é capaz de recuperar (imagem: Natashi Pilon/Unicamp).

“Cada componente desses ecossistemas complexos desempenha um papel importante para sua resiliência e funcionamento. Assim, uma restauração efetiva precisa considerar todos esses fatores. Por exemplo, capins nativos alimentam as queimadas e controlam a densidade de espécies lenhosas, processo natural em ecossistemas savânicos. A diversidade de ervas regula a dinâmica de polinizadores, mantendo suas populações na paisagem e fornecendo recursos para as abelhas se alimentarem durante todo o ano. Subarbustos e arbustos rebrotam e colonizam depressa a área após perturbações naturais e são altamente resilientes a perturbações antrópicas. Além disso, armazenam grande quantidade de carbono abaixo do solo por meio de suas estruturas subterrâneas bem desenvolvidas. Assim, uma restauração bem-sucedida, com o objetivo de recuperar a biodiversidade e/ou os serviços ecossistêmicos, deve considerar a reintrodução de todas as formas vegetais encontradas em áreas conservadas do Cerrado”, resume a pesquisadora.

Considerando as diferentes técnicas de restauração ativa e os diversos tipos de plantas, o estudo mostrou que, para capins nativos, a semeadura direta, a transposição de solo superficial e o transplante de material vegetal permitiram aproximar-se da proporção encontrada no ecossistema conservado, de 18%. Para ervas típicas, proporções aproximadas à encontrada em ecossistema conservado, também de 18%, foram obtidas apenas por meio de transposição de solo superficial ou transplante de material vegetal. Em áreas onde a restauração foi feita pelo plantio de árvores, não foram registradas gramíneas nativas típicas, sendo esta a pior técnica de restauração avaliada.

Para subarbustos, apenas a técnica de transplante recuperou espécies típicas em proporções próximas à encontrada em ecossistemas conservados, de 24%. Para arbustos, a proporção foi semelhante à referência, de 14%, na maioria das técnicas analisadas, exceto a transposição de solo superficial e o plantio de árvores, que apresentaram valores muito inferiores. Já a proporção de árvores mostrou-se maior do que nos ecossistemas conservados na maioria das intervenções de restauração analisadas.

“Com base nesses resultados, podemos concluir que, para uma restauração efetiva do Cerrado, não existe uma panaceia. Uma única técnica de restauração isolada não será capaz de trazer todos os componentes que garantam a resiliência e o funcionamento do bioma. Além disso, as técnicas com melhores resultados – semeadura e transplante – são altamente dependentes de áreas conservadas para aquisição de sementes e material vegetal [plantas inteiras e raízes]. Assim, políticas e estratégias que promovam a conservação são tão ou mais urgentes do que a restauração propriamente dita”, sintetiza Pilon.

E acrescenta: “Quando se fala em Floresta Amazônica, o discurso é ‘vamos preservar’. Mas, em relação ao Cerrado, o discurso muda para ‘vamos restaurar’. Nosso estudo mostrou que, embora imprescindível, a restauração não é fácil. E depende da preservação. Apesar de toda a destruição, ainda existe muito Cerrado a preservar, principalmente na faixa norte, na área do Matopiba [acrônimo que denomina a região que se estende por porções dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. O desafio é que essa área está sendo fortemente impactada pela expansão agrícola, a exemplo do que já ocorreu em Goiás e no Mato Grosso”.

O estudo em pauta recolheu dados dessa área, bem como de outras partes do Cerrado. A pesquisa de campo foi realizada em propriedades particulares e em várias unidades de conservação, como a Estação Ecológica Santa Bárbara, a Floresta Estadual de Assis, a Estação Ecológica e Experimental de Itirapina e a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Itararé, no Estado de São Paulo; o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e o Parque Nacional de Emas, em Goiás; o Parque Municipal do Pombo, no Mato Grosso do Sul; e o Parque Estadual do Guartelá, no Paraná. O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de três projetos

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