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Futuro da água depende de diversificação de fontes e da redução de perdas

11 minutos de leitura

Via Agência FAPESP 
Por Maria Fernanda Ziegler

Em tempos de eventos extremos e de aumento da demanda por água, a escassez hídrica se tornou um tema essencial para qualquer cidade. Nesse cenário, ampliar a diversificação de fontes de água e incentivar o uso de novas tecnologias para melhorar o sistema e reduzir perdas fazem parte da agenda para a segurança hídrica.

Essa foi a opinião levantada por pesquisadores participantes do evento “O Futuro da Água”, realizado em 12 de março pela FAPESP com o Instituto do Legislativo Paulista (ILP), o quarto do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, do qual participaram a deputada Célia Leão, Vinicius Schurgelies, diretor-presidente do ILP, e Carlos Américo Pachedo, presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP. “A gente nunca lembra da água, só quando chove muito ou quando abre uma torneira e não tem água. De qualquer forma, água é um tema absolutamente necessário e é preciso ter um olhar severo nessa questão”, disse a deputada Célia Leão.

Na avaliação de José Carlos Mierzwa, diretor técnico do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), “quando pensamos em gestão de recursos hídricos em regiões metropolitanas, todas as opções de abastecimento precisam ser consideradas, inclusive o reúso”.

De acordo com Mierzwa, o reúso é uma opção para minimizar a demanda por recursos hídricos, sobretudo de atividades industriais e urbanas, que permitem a utilização de água com qualidade inferior à potável.

“A Região Metropolitana de São Paulo tem problema de escassez natural e a principal ação tem sido trazer água de cada vez mais longe. Isso torna a água mais cara, além de aumentar a intensidade de poluição. Sem contar que o reúso não planejado já é uma realidade em várias cidades brasileiras”, disse.

Mierzwa refere-se ao fato de que os mananciais são contaminados por esgoto sem que seja feito tratamento. Basicamente, o reúso não planejado ocorre quando uma cidade descarrega o esgoto no manancial que é novamente utilizado diluído, rio abaixo, de maneira não intencional ou controlada.

“À medida que esgotos tratados ou não são lançados no meio ambiente, também são disseminados diversos contaminantes químicos não afetados pelo sistema de tratamento. Em vários países já se discute a presença desses componentes nas estações de abastecimento”, disse.

Mierzwa ressalta que hoje já existe tecnologia suficiente para garantir que essa água seja efetivamente segura. “O que precisamos mudar talvez sejam os parâmetros para o monitoramento dessa água. Muitas vezes os padrões utilizados não identificam determinados contaminantes ou a ação combinada deles. Essa é uma preocupação tanto para o sistema de abastecimento, quanto para a água de reúso”, disse.

Alternância de fontes

O melhor aproveitamento da diversidade de fontes de água também foi o tema da apresentação de Ricardo Hirata, do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas), do Instituto de Geociências da USP.

“Para que as cidades se tornem mais resilientes, é preciso pesquisar os recursos hídricos disponíveis. O que ocorre é que muitas águas que poderiam ser utilizadas não são por puro desconhecimento. Isso acontece não só com a população em geral, mas também com aqueles com poder de decisão”, disse.

Hirata apresentou os resultados de um estudo que mostram que o ideal para a Região Metropolitana de São Paulo seria dosar, durante o ano, o uso de águas superficiais (rios e reservatórios) com o de águas subterrâneas (aquíferos). “Dessa forma seria possível garantir água o ano inteiro, inclusive nos períodos de seca, sem sobrecarregar os aquíferos quando os rios e os reservatórios estão com o nível baixo”, disse.

Madri, na Espanha, por exemplo, tem seguido essa alternância programada de fontes. De acordo com Hirata, no período de cheias o excedente das águas superficiais é injetado no aquíferos para aumentar a disponibilidade de água, meses depois, no período de seca. “Isso poderia ser feito aqui em São Paulo também. Na verdade, já estamos fazendo isso, porém de forma totalmente individual”, disse.

Em sua apresentação, Hirata destacou uma realidade pouco conhecida dos moradores da Grande São Paulo. “Nossos estudos mostraram que na Região Metropolitana de São Paulo, em vez de 1% da produção de água ser proveniente de águas subterrâneas, ela é responsável por 20%”, disse.

Para ele, o dado mostra a falta de regulamentação do setor, no qual 1% é operado pela empresa de abastecimento e os outros 19% representam iniciativas individuais, muitas vezes não autorizadas.

“São soluções individuais e não regulamentadas. Se somados, os poços respondem por mais de 10 mil litros de água por segundo. Ou seja, esse é o quarto maior produtor de água dessa bacia. É uma solução integrada, mas não organizada e regulada, o que torna o modelo problemático”, disse Hirata.

Para o professor Ademar Romeiro, do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso incluir a preservação no custo da água. “A conta de água deveria incluir também o preço da água, ou seja, o custo de manter a disponibilidade do recurso em quantidade e qualidade adequadas”, disse.

Segundo Romeiro, o preço da água – hoje calculado a partir do custo da distribuição da água e do tratamento do esgoto – deveria incluir o custo da gestão de produção da água de qualidade, pela natureza, com o custo de manter a infiltração da água da chuva.

Romeiro citou um estudo realizado pelo Instituto de Economia na Serra da Cantareira, onde está o maior manancial da Grande São Paulo. Foi verificado que 40% da região é constituída por pastagem degradada, que não contribui para a recarga dos aquíferos.

“Para uma gestão mais adequada é preciso incluir o que chamamos de custo de oportunidade. Verificamos que, no caso da Cantareira, seriam necessários R$ 150 milhões por ano para melhorar essas pastagens, pagando o produtor rural para investir em floresta. Não é um custo elevado – não seria necessário subir o valor da tarifa – e teríamos o benefício de aumentar a capacidade de produção de água”, disse.

Há ainda mais um grande problema em relação à escassez hídrica: em média perde-se 40% da água tratada no Brasil. São problemas principalmente relacionados a vazamentos nas tubulações (60% dos casos de perda).

Estima-se que só as perdas gerem um prejuízo de R$ 8 bilhões por ano. “Se 20% desse volume não fosse perdido, daria para abastecer toda a população brasileira que não tem acesso à água atualmente”, disse Marília Lara, diretora executiva da Stattus4, startup que desenvolveu com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) a tecnologia Fluid.

O equipamento detecta automaticamente o vazamento de água em redes e ramais de distribuição. A empresa desenvolveu um sistema de inteligência artificial que, por meio das amostras captadas pelo coletor móvel, consegue analisar os dados e classificá-los.

O objetivo do ciclo ILP-FAPESP é divulgar estudos de relevante impacto social e econômico realizados por pesquisadores do Estado de São Paulo e que possam dar origem a políticas públicas que beneficiem a sociedade.

“A FAPESP financiou nestes últimos anos cerca de 1.100 projetos, entre auxílios e bolsas, no tema recursos hídricos. Além disso, há um crescimento no número de pequenas empresas inovativas trabalhando em soluções relacionadas a melhorar a eficiência da gestão em recursos hídricos. Hoje o programa PIPE tem dezenas de empresas inovativas financiadas pela FAPESP trabalhando em soluções nessa área”, disse o diretor-presidente do CTA da FAPESP, na abertura do evento.

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