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Gênero e conservação no Cerrado: formação reúne mulheres para fortalecer ações e promover equidade

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  • Experiência formativa reúne mulheres de organizações da sociedade civil e propõe reflexão crítica sobre desigualdades de gênero nas estruturas institucionais e nos projetos de conservação.

Nos dias 12 e 13 de junho, mulheres de dez organizações da sociedade civil que atuam em projetos de conservação no Cerrado — inclusive eu! — participaram, em Brasília, de uma oficina formativa sobre gênero promovida pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e pelo Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF). A proposta era apoiar as organizações na construção de seus Planos de Gênero institucionais.

Nathalia Ziolkowski, presidenta da Ecoa e Luana Campos (Núcleo de Comunicação) na formação de gênero do CEPF/IEB.

Desde o início, o ambiente de confiança e escuta entre as participantes gerou espaço para partilhas genuínas e acolhimento, onde pudemos nos reconhecer umas nas outras. Na roda de abertura, ao apresentar nossas expectativas e “superpoderes”, surgiram metáforas que diziam muito sobre nossas vivências: o poder polvo, a mulher elástica, o dom da escuta, a força da coletividade. Tão simbólicos quanto reveladores dos desafios que enfrentamos como mulheres que atuam na linha de frente — seja nos territórios, nas organizações de base e de apoio aos territórios ou em suas comunidades e famílias.

No primeiro dia, a base teórica nos ajudou a entender conceitos como gênero, os debates trazidos pelos feminismos, interseccionalidade, diversidade x inclusão, igualdade x equidade, justiça social, transversalização e política de gênero. Também debatemos de forma intensa como estruturas sociais nos atravessam e limitam: o racismo estrutural, os pactos da branquitude e da masculinidade, os sexismos e as violências de gênero.

Essa etapa nos ajudou a dar nome aos incômodos que muitas vezes sentimos na pele – mas não conseguimos reconhecer ou expressar – e como eles operam.

No segundo dia, a prática era o convite de olharmos como nossas organizações estão estruturadas. Quem ocupa os espaços de decisão? Quem faz o trabalho técnico, administrativo, de campo, de cuidado? Essas atividades são igualmente remuneradas? Como o cuidado e a maternidade são reconhecidos internamente? Foram muitas as reflexões, com o entendimento mútuo de que a transformação começa por dentro.

A partir desse olhar interno, seguimos para a formulação de sonhos coletivos: o que queremos para nossas organizações? Quais barreiras precisam ser superadas? Que medidas práticas devem ser tomadas? Dividimos essas ações em prazos de um, três e cinco anos, conscientes de que esse é um processo contínuo e que precisa ser acompanhado com seriedade e compromisso.

Como disse Aryanne Amaral, do IEB, durante a abertura da oficina, o plano é um documento que vai ajudar a promover um movimento de transformação. Fala essa que traduz bem o sentimento final do encontro: o de que é necessário, possível e urgente sair do papel para a ação.

“A gente trabalha conservação e gênero, em um caminho unificado, então a gente une nossas forças e aproveita esse momento para trazer o tema para dentro dos nossos projetos, para dentro das nossas organizações, para dentro das nossas vidas, e como uma força para a gente promover um movimento de mudança”.

As reflexões despertadas na oficina ultrapassaram os limites institucionais. Tiveram um caráter político e, ao mesmo tempo, profundamente pessoal. Ficou evidente que muitas de nós enfrentam os mesmos desafios, em maior ou menor grau. Como disse Nathalia Ziolkowski, presidenta da Ecoa:

“Nós rompemos barreiras para estar fora do espaço doméstico, nos inserindo no espaço público de diferentes maneiras, mas as estruturas sociais não nos acompanharam e o que muitas de nós encontramos foi a sobreposição de tarefas e, sobrecarregadas, temos a missão de transformar o espaço público para ser mais inclusivo e; modificar a lógica do espaço privado, para que seja mais equitativo, tudo isso buscado a garantia de sermos vistas, reconhecidas e respeitadas no importante trabalho de conservação que desempenhamos.”

Outra participante da oficina, de uma organização do Cerrado que também passou pelo processo formativo, resumiu assim sua experiência:

“A oficina trouxe reflexões e desconfortos. Algumas instituições perceberam que sua hierarquia ainda é dominada por homens, que as decisões seguem concentradas neles. E os editais, muitas vezes, continuam excluindo as mulheres. Foi um choque perceber o quanto esse é um desafio comum a todas nós.”

Para mim, como mulher, mãe, comunicadora e ativista, a experiência foi também uma convocação: a mudança precisa começar de dentro para fora — das nossas casas às nossas instituições. Ensinar os meninos a cuidar, valorizar o trabalho invisível, criar ambientes mais justos para todas — isso é também trabalho de conservação. Afinal, o Cerrado precisa das mulheres. E as mulheres precisam de estruturas onde possam existir com liberdade, dignidade e plenitude.

Fazer esse debate com outras companheiras que enfrentam os mesmos desafios foi um passo histórico. Que ele seja só o começo.

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