Elton Alisson | Agência FAPESP
*A Ecoa acrescenta que a mesma discussão é válida para o restante do Brasil, especialmente para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai.
Apesar de representarem apenas 3,5% do total de mais de 340 mil imóveis rurais cadastrados em São Paulo, as grandes propriedades agrícolas – com mais de 15 módulos fiscais – respondem por 54% do déficit ambiental do Estado, ou seja, da perda de áreas de reserva natural.
A estimativa foi feita por pesquisadores participantes de um projeto apoiado pela FAPESP, com o objetivo de fornecer subsídios científicos para a implementação do Programa de Regularização Ambiental no Estado de São Paulo nos próximos 20 anos, seguindo as regras do novo Código Florestal (leia mais em agencia.fapesp.br/27232/).
Alguns resultados do estudo, desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA-FAPESP), foram apresentados em um encontro on-line realizado em novembro.
“Constatamos que os 50% maiores déficits de área de preservação permanente no Estado de São Paulo estão concentrados em propriedades grandes, com mais de 15 módulos fiscais [unidade de medida, em hectares, da área de uma propriedade fiscal com condições para exploração econômica]”, disse Kaline de Mello, pós-doutoranda no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com Bolsa da FAPESP e participante do projeto.
“O mesmo padrão se repete em relação ao déficit de reserva legal [área que deve ser mantida com vegetação nativa]”, afirmou Mello.
A fim de estimar o déficit ambiental das propriedades rurais em São Paulo à luz do novo Código Florestal, os pesquisadores fizeram uma modelagem detalhada da malha fundiária do Estado. Para isso, reuniram dados de propriedades rurais registradas até 2019 no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar-SP), de cobertura de vegetação nativa, fitofisionomias, biomas, uso do solo e de hidrografia, obtidos de diversas bases, como a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Projeto Radam Brasil (Ministério de Minas e Energia) e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), além do tamanho dos módulos fiscais dos municípios paulistas, fixados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Por meio do cruzamento dessas camadas de dados com a modelagem de exigências e isenções estabelecidas pelo novo Código Florestal, foi possível estimar os déficits de áreas de preservação permanente e de reservas legais, além dos excedentes de vegetação nativa para cada propriedade rural no Estado de São Paulo, situados em sua maior parte na Mata Atlântica, na região costeira.
“São Paulo é o único Estado do país que tem uma modelagem detalhada do Código Florestal com essa precisão e na escala de propriedades rurais”, disse Mello.
A modelagem da malha fundiária paulista indicou que, das 340,6 mil propriedades rurais no Estado de São Paulo, 237,1 mil possuem déficits de área de preservação permanente que totalizam 768,7 mil hectares, sendo 656,7 mil hectares na Mata Atlântica e quase 112 mil hectares em áreas do Cerrado.
Cerca de 85% do déficit de área de preservação permanente está localizado em grandes e médias propriedades rurais. Apesar de representarem a maioria dos imóveis rurais cadastrados no Estado de São Paulo, as propriedades menores – com menos de quatro módulos fiscais – são responsáveis por apenas 15,5% do déficit de área de preservação permanente no Estado.
As grandes propriedades também respondem pela maior parte do déficit de reserva legal. Apenas 1,2 mil propriedades – equivalentes a 0,4% dos imóveis rurais cadastrados em São Paulo – detêm os 50% maiores déficits de reserva legal no Estado, apontou o estudo, sendo 98% desses imóveis maiores que 15 módulos fiscais.
“Os resultados do projeto mostram que é preciso empregar diferentes estratégias para promover a regularização ambiental no Estado de São Paulo, que favoreça a coletividade e não um pequeno grupo de proprietários rurais. Não se pode embutir nos pequenos proprietários a responsabilidade pelo déficit ambiental de São Paulo”, avaliou Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Esalq-USP e participante do projeto.
As propriedades rurais que apresentam os maiores déficits de áreas de preservação permanente e de reserva legal estão concentradas no Oeste paulista e são voltadas à produção de cana-de-açúcar (39%), pastagem (36%), cultivo de outras culturas (17%), silvicultura (7%) e lavouras de soja (2%).
Os dados por município podem ser consultados em uma plataforma de acesso aberto desenvolvida pelos pesquisadores para auxiliar as cidades paulistas a implementar o novo Código Florestal.
“Qualquer usuário pode acessar a plataforma. Além disso, estamos trabalhando com uma modelagem refinada para implementação do novo Código Florestal em escala municipal”, disse Mello.
Mecanismos de compensação
Diferentemente das áreas de preservação permanente, que devem ser totalmente restauradas, o novo Código Florestal estabeleceu que o déficit de reserva legal pode ser restaurado na própria propriedade rural ou compensado por meio de áreas de vegetação excedente e de reserva legal disponíveis nos imóveis rurais com até quatro módulos fiscais.
Os pesquisadores estimaram que há 941 mil hectares de área de excedentes de vegetação nativa e de reserva legal nessas pequenas propriedades rurais que podem ser utilizadas para compensar o déficit de 367,4 mil hectares de área de reserva legal no Estado de São Paulo por meio desse mecanismo, chamado Cota de Reserva Ambiental (CRA).
Além disso, há 117 mil hectares de pastagens com baixa aptidão agrícola nas propriedades rurais com déficit de reserva legal que poderiam ser utilizados para restauração.
“Cerca de 32% do déficit total de reserva legal no Estado de São Paulo poderia ser abatido apenas por meio da restauração dessas pastagens de baixa aptidão agrícola, que não dão um bom retorno econômico com a criação de gado e não são interessantes para agricultura porque são muito declivosas ou rochosas, onde não é possível a tecnificação”, explicou Mello.
O novo Código Florestal também permite que o déficit de áreas de reserva legal possa ser restaurado incluindo espécies exóticas. O déficit de áreas de preservação permanente das pequenas propriedades também pode ser restaurado por meio do plantio intercalado de espécies nativas e exóticas, de interesse comercial.
Essa forma de restauração, chamada multifuncional, permitiria regularizar 43% – quase 487 mil hectares – do total de 1,14 milhão de hectares do déficit total de reserva legal e de áreas de preservação permanente no Estado de São Paulo, calcularam os pesquisadores.
Além disso, geraria oportunidades de aumento de renda dos produtores, uma vez que 50% das áreas recuperadas de forma multifuncional podem ser exploradas economicamente.
“Há um enorme potencial de regularização ambiental em São Paulo sem um custo demasiadamente alto para os proprietários rurais, conciliando a manutenção da atividade agrícola, que é extremamente importante para o Estado, com o interesse ambiental”, avaliou Jean Paul Metzger, professor do IB-USP e participante do projeto.
A fim de auxiliar os proprietários rurais na tomada de decisão de alternativas para compensação de reserva legal, os pesquisadores desenvolveram uma ferramenta dinâmica, que pode ser acessada pela internet.
“É preciso vontade política para utilizar agora essa enorme base de dados e conhecimento para tomar decisões sólidas para a implementação do novo Código Florestal no Estado de São Paulo”, disse Carlos Joly, membro da coordenação do BIOTA-FAPESP.
Na avaliação de Gerd Sparovek, professor da Esalq-USP e coordenador do projeto, o Código Florestal é de suma importância para o desenvolvimento sustentável do Brasil porque 54% da vegetação natural remanescente no país está em áreas privadas e, portanto, deve seguir o Código Florestal. No Estado de São Paulo esse número é maior, atingindo 78%.