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Guardiãs do berço das águas: Mulheres do Cerrado ocupam a Tribuna da Mulher e levam suas demandas ao Congresso Nacional

11 minutos de leitura
Deputada Dandara Tonantzin (PT/MG), presidenta da Comissão da Amazônia, Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS)

Um marco político para a defesa do bioma mais ameaçado do país

No dia 10 de setembro, a Tribuna da Mulher, espaço oficial da Comissão da Mulher na Câmara dos Deputados, foi presidida pela deputada Dandara Tonantzin (PT/MG), presidenta da Comissão da Amazônia, Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS). A sessão com o título “Mulheres Líderes pela Conservação do Cerrado” foi uma iniciativa da Ecoa e reuniu uma comitiva de 50 mulheres de diferentes territórios do Cerrado, que apresentaram suas vozes e demandas em defesa do bioma e das comunidades que nele resistem.

As deputadas Sâmia Bomfim (PSOL/SP), Talíria Petrone (PSOL/RJ), Gisela Simona (União/MT) e Erika Kokay (PT/DF) também participaram da sessão, reafirmando apoio às pautas apresentadas.

Casca grossa, raiz forte: a voz das mulheres do Cerrado no parlamento

A comitiva entregou a Carta das Mulheres do Cerrado, documento construído coletivamente durante o encontro presencial do Curso de Formação em Liderança para Mulheres na Conservação do Cerrado. O texto reafirma a centralidade das mulheres na conservação, denuncia a invisibilidade política do bioma e reivindica políticas públicas para garantir a justiça socioambiental, a segurança dos territórios e a valorização dos saberes tradicionais.

LEIA A CARTA NA ÍNTEGRA

A leitura da carta foi conduzida por Dielen Costa, indígena da etnia Kinikinau e cursista do programa, que relatou a força coletiva da experiência:

“Esse encontro foi um sopro de força. Estar entre tantas mulheres líderes me mostrou que não estamos sozinhas. Cada fala trouxe coragem e esperança. Que daqui pra frente a nossa luta seja mais ouvida, que a sociedade reconheça que cuidar do Cerrado é também cuidar da vida. Espero que nossas vozes ecoem muito além dessas paredes. E na minha fala, na hora de ler a carta eu não falei só por mim, mas por todas as mulheres e povos que carregam a responsabilidade de defender a terra. Foi emocionante ocupar aquele espaço e mostrar que nossa palavra tem poder, e nunca estaremos sozinhas.” – Dielen Costa

Dielen Costa, indígena do povo kinikinau e aluna do ‘Curso de Formação em Liderança para Mulheres na Conservação do Cerrado’

Defender o Cerrado é também defender os corpos e as comunidades

Durante a sessão, a raizeira quilombola Lucely Pio, vice-coordenadora da Rede Cerrado e reconhecida nacionalmente por seus conhecimentos sobre plantas medicinais, emocionou ao lembrar que a defesa do bioma está diretamente ligada à continuidade das medicinas tradicionais. “Cada dia nossas espécies medicinais estão indo embora, e se não cuidarmos agora, em breve não teremos mais a nossa farmácia viva”, afirmou.

Para Lucely, o avanço do desmatamento ameaça não apenas a biodiversidade, mas também os saberes transmitidos por gerações. Ela defendeu a criação de uma legislação específica para proteger a medicina tradicional — hoje regulada pelas mesmas normas dos grandes laboratórios — e cobrou a regularização fundiária das comunidades quilombolas e indígenas. Sem a garantia da terra, ressaltou, não há como manter vivas a cultura, a saúde e a resistência do Cerrado.

Na sequência, a liderança Terena Évelin Pereira (Évelin Hekeré) falou em nome das 116 mil mulheres indígenas de Mato Grosso do Sul. Ela lembrou que a defesa do Cerrado vai além da sobrevivência dos povos originários: “O Cerrado é o berço das águas, de onde nascem os grandes rios que abastecem cidades, plantações e regiões inteiras”.

Évelin ressaltou que proteger o bioma é também proteger a vida, a cultura e a espiritualidade de suas comunidades. Denunciou ainda os impactos já sentidos no dia a dia — a degradação ambiental, a escassez de água e a perda de territórios — e cobrou ações urgentes do Estado, como o fortalecimento da legislação, a ampliação de unidades de conservação, o incentivo à agroecologia e o enfrentamento ao avanço predatório do agronegócio e do desmatamento ilegal.

As demandas também ecoaram na voz das participantes da formação de mulheres líderes pelo Cerrado. Juciely Santos, uma das cursistas, destacou a necessidade de aprovação do Projeto de Lei de autoria da deputada Célia Xakriabá, que regulamenta a profissão de brigadistas ambientais. Ela reforçou a importância de garantir direitos, segurança e reconhecimento para quem arrisca a vida no combate aos incêndios florestais, cada vez mais frequentes.

Compromisso político no Congresso

“Estamos aqui hoje para dizer que não aceitaremos que o Cerrado seja tratado como um bioma menor. Não aceitaremos a invisibilização nas políticas públicas, nem a violência contra mulheres lideranças, nem a normalização do silenciamento. Quando tentam calar a voz da mulher também tentam silenciar o nosso território, mas nós não iremos nos calar”, afirmou Dandara Tonantzin.

A deputada também ressaltou a centralidade das mulheres no fortalecimento da sociobiodiversidade e lembrou que elas representam 69% das fornecedoras do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “Precisamos priorizar a compra de alimentos em que as mulheres são chefes, coordenadoras e lideranças de cooperativas e associações”, reforçou.

Reconhecimento e homenagens

Durante a sessão, três mulheres foram agraciadas com o Certificado de Sustentabilidade, concedido por excelência em práticas sustentáveis e compromisso com a preservação do Cerrado: Lucely Pio, Maria de Jesus Bringelo (Dona Dijé) e Florentina Pereira dos Santos (Dona Flor do Moinho).

Um processo formativo que ecoa no Parlamento

A Tribuna “Mulheres Líderes pela Conservação do Cerrado” é parte do Curso de Formação em Liderança para Mulheres na Conservação do Cerrado, programa realizado pela Ecoa com apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF) e do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

Para a coordenadora do projeto e presidenta da Ecoa, Nathalia Ziowkowski:

“A ocupação deste espaço, no Congresso Nacional, permitiu-nos compreender melhor a relevância da liderança das mulheres e o significado de sua atuação nas instâncias do poder público. Foi um exercício de aproximação e entendimento sobre o funcionamento do poder legislativo e sobre o impacto direto que a presença das mulheres no Congresso Nacional brasileiro exerce em nossas pautas e em nossas vidas. Fortalecer a participação política das mulheres em nossa sociedade é uma necessidade urgente”.

A iniciativa faz parte de um esforço internacional para fortalecer a igualdade de gênero em regiões de biodiversidade crítica — como os Andes Tropicais, o Cerrado e a Indo-Birmânia —, onde o avanço da conservação ambiental está diretamente ligado ao protagonismo das mulheres.

Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, da União Europeia, da Fundação Hans Wilsdorf, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do Governo do Canadá, do Governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.

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