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Hidrelétricas no Pantanal – Autorizações continuam suspensas

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Foto: Arquivo do jornal A Gazeta

Via jornal A Gazeta

Por Josana Salles

Foto: Arquivo do jornal A Gazeta.

A possibilidade de construção de 135 centrais hidrelétricas de pequeno e grande porte na Bacia do Rio Paraguai ameaça o Pantanal e as inúmeras espécies de peixes deste bioma, afirmam especialistas.

Atualmente, estão em operação 45 empreendimentos hidrelétricos. Resolução da Agência Nacional de Águas (ANA), de setembro de 2018, suspende até maio de 2020 a emissão de autorizações para implantar novas hidrelétricas nos rios da bacia hidrográfica do Alto Paraguai.

Os impactos socioeconômicos e ambientais das hidrelétricas são avaliados em estudo realizado por especialistas da ANA. Os estudos são realizados desde 2016 em parceria com universidades e órgãos estaduais. Os pesquisadores fizeram coleta e análise de amostras do rio Paraguai para investigar se o barramento das águas pode gerar consequências a outros usos que não sejam geração hidrelétrica.

Cientistas da área de hidroecologia, ecologia de áreas úmidas, impactos ambientais, políticas públicas em recursos hídricos, produção pesqueira, biologia de peixes e conservação socioambiental do Pantanal fazem um alerta quanto a argumentos das autoridades governamentais embasados no que “eles consideram como desenvolvimento social e econômico”.

Bióloga e pesquisadora de ecologia de rios e áreas de inundação da Embrapa Pantanal/ UFMT, Débora F. Calheiros lembra que o Pantanal é considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal e Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco. “Nós, como cidadãos brasileiros, temos o dever de conservar seus processos ecológicos, no caso hidroecológicos. É uma das maiores áreas úmidas do mundo”.

De acordo com a Lei das Águas (Lei 9.433/1997), a gestão dos recursos hídricos no país deve seguir o princípio dos Usos Múltiplos, ou seja, todos têm igual direito de acesso à água, em quantidade e qualidade e nenhum setor da sociedade pode ser privilegiado em detrimento dos demais. A Lei das Águas, assim como a Política Nacional de Meio Ambiente, por meio de Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente 01/1986, determina que a bacia hidrográfica seja a unidade territorial para, respectivamente, a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e para a avaliação dos impactos ambientais de empreendimentos, como as hidrelétricas. “Nos rios formadores do Pantanal, a unidade territorial a ser considerada deve ser a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP), envolvendo os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, explica o pesquisador doutor da UFMT, Jeater M. Santos.

A polêmica começou em 2009, após publicação técnica sobre Conservação de Áreas Úmidas. Foi demonstrado aos tomadores de decisão o elevado risco de se alterar a dinâmica das águas (cheias e secas anuais) de cada rio formador do Pantanal pela implantação de hidrelétricas, em sua maioria PCHs, com vários barramentos previstos para um mesmo rio. “O processo de licenciamento de PCHs é altamente facilitado, ao contrário do que afirmam os defensores de hidrelétricas, ocorre em nível estadual e cada empreendimento é licenciado individualmente, sem considerar a bacia hidrográfica como um todo e sem o adequado planejamento e avaliação dos impactos conjuntos”, comenta Débora Calheiros.

Por exemplo, o rio Cuiabá teve a dinâmica de suas águas alterada severamente pelo barramento do seu afluente, o rio Manso, onde as chuvas têm suas águas em boa parte retidas num grande reservatório e o nível do rio, na seca, fica em geral um metro mais elevado, afetando negativamente a produção agropecuária e a produção pesqueira no médio Cuiabá nos últimos 20 anos”, explicam Débora e Cleverson R. de Jesuz. Se todos os empreendimentos forem instalados, haverá um acréscimo de 580% em número de projetos sem planejamento integrado e que considere os impactos sociais, ambientais e econômicos.

Em 2002, eram 31 projetos hidrelétricos no total, com 9 em operação, incluindo as Usinas Hidrelétricas, que são as que possuem grandes reservatórios e elevada capacidade de produção de energia. Em 2008, já eram 29 em operação, num total de 115 projetos para toda bacia. Atualmente, estão previstos 180 empreendimentos no total, sendo que 45 já estão em operação.

Preocupações

É importante citar que, ao se barrar um rio, seja ele com um pequeno reservatório (PCH) ou grande (UHE), os peixes não conseguem fazer a migração rio acima para a reprodução (Piracema) e o ecossistema passa a perder gradativamente em número de indivíduos e em tipos de peixes (biodiversidade), diminuindo a produção pesqueira principalmente dos peixes migradores, os mais importantes comercialmente. “Mas se colocarmos 3, 5, 18 hidrelétricas num mesmo rio, como previsto, sem manter quaisquer afluentes livres como rota de migração alternativa, a produção pesqueira cai vertiginosamente. E nem adianta propor peixamento ou escada, elevador, corredeira para peixe, pois simplesmente não são nada eficientes, nem economicamente nem ecologicamente”, comenta a pesquisadora e professora da UFMT, Lucia Mateus.

Especialistas analisam impacto conjunto da instalação de todos empreendimentos e estudo estará pronto em 2020.

Em 2013, pesquisadores e sociedade civil conseguiram a anuência do Conselho Nacional de Recursos Hídricos para a elaboração do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai (PRH Paraguai) para, finalmente, realizar um planejamento integrado sobre os empreendimentos hidrelétricos na bacia, com base na ciência e na legislação e que considere a correlação entre os aspectos sociais, ambientais e econômicos, que estão intrinsecamente ligados. “Todo este processo tem sido acompanhado de forma participativa pelo Grupo de Acompanhamento do Plano, considerado como um Pré-Comitê Federal da Bacia Hidrográfica, ou seja, com representação tripartite entre usuários da água, poder público estadual e federal e sociedade civil”, conta Débora.

Conseguiu-se ainda a possibilidade de realização de um grande projeto científico para embasar tecnicamente ainda mais o planejamento, com a participação de quase 50 pesquisadores de grupos de excelência em pesquisa científica de todo o país nas áreas de hidrologia, limnologia (transporte de nutrientes e material em suspensão), ictiologia (estudos de produção pesqueira, biologia da reprodução e dinâmica do ictioplâncton – estudo de ovos e larvas de peixes) e socioeconomia em nível de bacia hidrográfica.

“Este projeto tem prazo até maio de 2020 para ser finalizado, com o objetivo de fornecer indicadores para a tomada de decisão sobre onde os empreendimentos hidrelétricos previstos poderão ou não ainda ser construídos”, conforme a pesquisadora Débora.

Extinção da pesca

Pesquisadores afirmam que, com base nos estudos já existentes, se forem construídas as 6 PCHs previstas para o rio Cuiabá, entre Rosário Oeste e Cuiabá-Várzea Grande, impedindo a desova dos peixes, principalmente no rio Cuiabazinho, a pesca profissional-artesanal e turística no médio Cuiabá e em parte do Pantanal, já afetada pelo barramento do rio Manso, terá alto potencial de se tornar lembrança do passado.

Nos trechos alto e médio do rio Cuiabá haverá uma queda significativa de produção de peixes de importância comercial, que são os migradores, como já observado nos rios barrados da bacia como o Jauru (MT), onde foram instaladas 6 barragens.

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