– O ITTI, o instituto da Universidade responsável pelo projeto, apresenta narrativas grandiosas que justifiquem o seu contrato e as conclusões desejadas pelos defensores do empreendimento.
– A Universidade Federal do Paraná foi contratada 2013 para fazer um estudo e saiu a campo para ‘proporcionar uma hidrovia para 30 anos’.
– Existem alternativas para o transporte de grãos muito mais viáveis que a Hidrovia Paraná Paraguai, como a Ferronorte, paralela ao Pantanal.
A Universidade Federal do Paraná foi contratada Pelo Ministério dos Transportes, em 2013, através do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), para fazer um “estudo” sobre a viabilidade técnica da Hidrovia Paraná Paraguai, o megaprojeto que rasgará o Pantanal de norte a sul, caso seja levado a cabo.
O ponto de partida do ITTI não foi exatamente o esperado de uma instituição universitária contratada para um estudo. Os engenheiros saíram a campo previamente embalados pela certeza da viabilidade do empreendimento, como pode-se concluir dos textos iniciais de apresentação do acordo firmado com o Ministério dos Transportes: “O objetivo do estudo é proporcionar uma hidrovia ambientalmente viável, segura e confiável, capaz de transportar cargas que serão identificadas segundo as projeções de demanda, para um cenário de 30 anos”.
Se o objetivo é “proporcionar uma hidrovia” por que realizar um “estudo de viabilidade”? Estudar implicaria, obviamente, em trabalhar também em direção ao cenário da inviabilidade nos termos propostos pelos contratantes – o Ministério dos Transportes.
– Hidrovia Paraná Paraguai: O Megaprojeto Rearticulado
O ITTI em seus textos de divulgação avança ainda em uma estratégia muito conhecida quando se trata de megaprojetos: apresentar narrativas grandiosas que justifiquem o seu contrato e as conclusões desejadas pelos defensores do empreendimento. Uma dessas narrativas é agigantar a importância da Hidrovia como um eixo de integração regional, o que vem traduzido de muitos escritos anteriores à chegada do Instituto no Pantanal, os quais, marcadamente, tratam de atrair recursos públicos para dragagens e outras obras. Solenemente escrevem que é “um dos mais extensos eixos continentais de integração política, social e econômica”. Não o é e dificilmente o será na direção dos propósitos desejados por eles.
Dentre as muitas razões que impossibilitam que a Hidrovia se torne um grande eixo de “integração” no modelo ITTI está o fato de que pretendem uma obra para que transforme o rio em um canal transportando cargas 24 horas por dia, os 365 dias do ano, atravessando o Pantanal e o Sistema Paraguai Paraná de Áreas Úmidas. Neste Sistema, fundamental para a vida de milhões de pessoas, as dinâmicas ambientais – particulares e especiais – impossibilitam totalmente tal pretensão.
Mesmo com seis meses navegáveis durante o ano, como informa o próprio Ministério dos Transportes, a dinâmica econômica até aqui determinou que a Hidrovia no Pantanal se preste apenas para o transporte de minério de ferro a partir de Corumbá (MS) e mais alguma soja. Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), citada na revista Portos e Navios de abril de 2016, cerca de sete milhões de toneladas foram transportadas no trecho brasileiro da hidrovia em 2014. Já em 2015 ocorreu uma queda, alcançando apenas 4,5 milhões de toneladas. 98,7% foi de minérios.
Vale lembrar que são mais de 3.400 quilômetros a serem percorridos desde Cáceres, MT, até alcançar Nueva Palmira no Uruguai e daí o Atlântico, o que implica um tempo de navegação maior que 15 dias.
Para transportar a soja produzida no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul muito mais rapidamente, de maneira eficiente e mais barata que caminhões, existem ferrovias e uma delas, a Ferronorte, tem seu traçado em paralelo ao da Hidrovia, atravessando exatamente a Bacia do rio Paraguai, onde está o Pantanal.
Em 2014 a Ferronorte transportou 12 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho e em 2015, quase 15 milhões (Globo Rural)
Para justificar o empreendimento escreve-se qualquer coisa que dê suporte para a proposta como uma iniciativa salvadora, geradora de riquezas incomensuráveis e que ainda não foi implementado porque ‘interesses obscuros o impedem’ ou falta de ‘decisão política’. A narrativa é martelada diuturnamente e conta com o desconhecimento cientifico da população sobre a complexidade dos ambientes impactados. Produzem memes que se propagam e terminam por estabelecer verdades e desejos.
Matéria do Diário de Cuiabá, de abril de 2015, apresenta o Sudoeste do Estado de Mato Grosso como a nova grande fronteira agrícola, a qual, para sua consolidação, necessitaria da construção da Hidrovia Paraná Paraguai e uma rodovia federal associada, de Cáceres (MT) até uma região no Pantanal chamada Santo Antônio das Lendas. Segundo pessoas citadas no texto “as perspectivas de crescimento da produção passariam dos atuais 16 milhões de toneladas de grãos/ano, num raio de 400 quilômetros, para 42 milhões de toneladas”. E para aumentar o ganho oferece a conversão de 5 milhões de hectares de pastagens para a produção de grãos.
Mas a narrativa precisa de consultorias e recursos. Surge então uma empresa para garantir que o investimento feito para instalação do porto de Santo Antônio das Lendas terá o retorno em um ano. O vice-governador de Mato Grosso, Carlos Fávaro, assegura que o investimento virá : “Não temos dúvida nenhuma sobre as potencialidades da integração lavoura-pecuária e que essa região é a nova fronteira do desenvolvimento de Mato Grosso”, fechando com os clássicos ”preservando o meio ambiente e cuidando do nosso Pantanal”.
O Ministério dos Transportes vai na mesma direção de criação de narrativas para justificar o empreendimento. Em seu sitio web afirma que a bacia do rio da Prata (formada pelas sub-bacias do Paraguai, do Paraná e do Uruguai) “do ponto de vista econômico, como via de transporte e comunicação, tem sido fator decisivo para o desenvolvimento dos países que estão em sua área de influência. Seus cursos de água são responsáveis pelos excelentes índices de fertilidade de extensas áreas agricultáveis, constituindo-se num recurso natural capaz de gerar energia abundante”. Aqui é necessário ter atenção para a generalização.
O que afirmam não se aplica para muitas regiões da bacia do rio da Prata, particularmente a bacia do rio Paraguai. Este rio atravessa a planície pantaneira, que, de modo algum, é agricultável nos seus mais de 190 mil km2. Afora essa desinformação sobre terras agricultáveis o texto trás outro dobramento da verdade. O rio Paraguai é um rio de planície e com baixa declividade em todo o seu percurso, não sendo, portanto, suscetível de barramento para geração de energia a partir de potencial hidráulico.
O rio Paraguai em território brasileiro, boliviano e paraguaio, provoca muitas riquezas, mas definitivamente a fertilização de solos e geração de energia não estão entre elas.
Quando trata da navegação o Ministério afirma que no “Trecho Corumbá / foz do rio Apa (604 km), a navegação se desenvolve sem maiores obstáculos, excetuando-se apenas o desmembramento sistemático do comboio na Ponte Barão do Rio Branco (km 2.630) [Eurico Dutra], que pela sua posição diagonal em relação ao canal de navegação, obriga a tal procedimento”.
Aqui a pergunta que surge é a seguinte: se a navegação se desenvolve sem maiores obstáculos, por que o Ministério contratou o ITTI da Universidade Federal do Paraná para fazer um projeto de grande dragagem na localidade denominada Passo do Jacaré, próximo da comunidade de Porto Esperança, junto da ponte citada no texto?
– Hidrovia Paraná Paraguai: quem paga a conta?
A pergunta anterior é apenas uma de um mar de outras sobre a que objetivos atende o novo megaprojeto da Hidrovia.
Na apresentação sobre o novo projeto Tobias Bleninger, do ITTI e coordenador de Estudos Hidráulicos do EVTEA, mostra definitivamente a que vieram na revista Portos e Navios, citada anteriormente. Na trilha de criar a narrativa favorável, afirma que a HPP é “uma das hidrovias que oferece as melhores condições de navegação no país” (!), ressaltando que é “importante que se realize intervenções para melhoria da navegabilidade nos principais passos críticos para eliminar o risco de encalhe dos comboios, o que prejudica a segurança e a eficiência do transporte de cargas pela hidrovia”.
Alcides Faria