A jornada dela é relativamente longa e o destino não se vê estampado em revistas de turismo. Como coordenadora da “Expedição da Cidadania”, a juíza federal de Mato Grosso do Sul, Raquel Domingues, percorre locais isolados, onde vivem pessoas em situação de extrema pobreza.
Na bagagem, ela leva a “concretização de direitos”, mas sempre acaba deixando esses “pacotes” com os nativos, sejam eles quilombolas, indígenas ou ribeirinhos. Quando retorna, ela e os outros passageiros, voluntários dos mais diversos órgãos, trazem consigo muito aprendizado.
“A cada edição há uma experiência diferente. Conhecemos novas realidades, pessoas com diferentes visões de mundo e necessidades”, conta Raquel, afirmando que o projeto está evoluindo desde 2008, quando foi realizada a primeira ação em MS.
Durante a expedição mais recente, realizada em março deste ano, foi até uma comunidade carente do Pantanal. Além dos serviços de emissão de documentos, foram ofertadas desde oficinas de artesanato até consultas médicas especializadas em ginecologia, psiquiatria e oftalmologia.
E foi entre um serviço e outro, que a juíza afirma que teve sua fé no ser humano renovada.
Em uma das viagens, ela conheceu Dona Joana.”Essa mulher me lembrava uma árvore acolhedora, de galhos longos, raízes profundas, firme e generosa”, lembra.
Na primeira conversa, Raquel soube que Joana trabalhava em uma escola municipal, às margens do Rio Paraguai, invadida pelas enchentes todos os anos. O filho caçula desta senhora, Jean, tinha sido abandonado pelos pais biológicos depois de ser diagnosticado com síndrome de Down.
“O maior receio de dona Joana era perder o filho. Há muito tempo já havia entrado com a ação de guarda em Corumbá, mas a distância, aproximadamente 300 km rio acima, impedia-a de ir até o Fórum saber do resultado do processo”, conta.
Depois da expedição, Joana conseguiu ter a guarda do Jean assegurada e fez um discurso de agradecimento durante 15 minutos. “Dona Joana ganhou a esperada guarda de Jean, o benefício assistencial de que precisavam tanto e eu ganhei algo que precisava mais ainda: aprender sobre o amor incondicional com aquela mulher”, declara a juíza.
INÍCIO DO PROJETO
Questionada sobre como o projeto teve início, Raquel conta que a ideia surgiu em 2007, em uma palestra da desembargadora Selene Almeida.
“Ela proferiu uma palestra motivando os juízes federais. Doutora Selene é a precursora dos juizados itinerantes no norte do Brasil”, explica.
Depois de conversarem, Raquel teve a ideia de agregar outros serviços de cidadania aos Juizados Itinerantes. “O processo de concretização foi rápido, fiz o projeto apresentei ao presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), ele gostou e me deu carta branca.”
Com a autorização em mãos, Raquel começou a procurar parceiros: “INSS, Receita Federal, Caixa Econômica Federal, Justiça Federal, governo do Estado, prefeituras dos municípios envolvidos, bem como os voluntários. Não tive dificuldades. Eu cuido de todos os detalhes da Expedição da Cidadania, desde o contato para as parcerias até a alimentação e treinamento dos voluntários. Eles sempre são muito proativos e se envolvem de coração no projeto”.
Sobre visitar locais de difícil acesso, a juíza conta não se sentir intimidada. “Fui criada no interior, passei a maior parte da minha infância morando na fazenda. Morei na região de Tangará da Serra (MT), Cáceres (MT) e em Rondônia. Depois morei muitos anos no Rio de Janeiro. Convivo muito bem com a realidade do mato e da metrópole. Sinto tão à vontade no meio do Pantanal quanto na Avenida Paulista (em São Paulo). Não tenho medo de nada”.
RECONHECIMENTO
Desde que foi lançada, a Expedição da Cidadania já realizou mais de 5,1 mil prestações de serviços só referentes a documentação, fazendo com que Raquel fosse indicada ao Prêmio Claudia, da editora Abril. Ela atua como juíza presidente da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do MS.
(*) Outras histórias como essa você acompanha no blog Mulheres Inspiradoras.
Fonte: Maressa Mendonça – Correio do Estado