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Livro reúne artigos que desvendam passado e traçam cenários para o Pantanal

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O livro foi lançado em janeiro e traz 12 estudos sobre o Pantanal (Foto: Ana Maio)

Ana Maio/Embrapa Pantanal

Foi lançado em janeiro pela editora suíça Springer o livro Dynamics of the Pantanal Wetland in South America (Dinâmicas do Pantanal na América do Sul), uma coletânea editada pelos pesquisadores Ivan Bergier, da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), e Mario Luis Assine, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro-SP. Disponível em versões online e impressa, a obra em inglês reúne trabalhos científicos de diversos pesquisadores do Pantanal.

“Nossa expectativa é de que as contribuições apresentadas nos diferentes capítulos sejam importantes para a comunidade científica, pois apresentam não só sínteses do conhecimento adquirido ao longo de vários anos do trabalho de muitos pesquisadores, mas também dados e concepções novas sobre vários aspectos da dinâmica que regem o funcionamento dos sistemas naturais do Pantanal”, explica Mario Assine.

Além disso, “espera-se também que tenha impacto importante na comunidade pantaneira, mostrando de forma didática como sistemas naturais complexos devem ser gerenciados de forma adequada, embasada em conhecimentos científicos, para que interferências antrópicas sejam feitas respeitando-se a dinâmica hidrossedimentar e ecológica da planície“, complementa o pesquisador.

Da Embrapa Pantanal outros pesquisadores e funcionários participam: Carlos Padovani, em artigo sobre hidrologia; Suzana Salis, em um estudo sobre a vegetação; e Hernandes Monteiro, pelo seu apoio em pesquisas envolvendo as emissões de gases de efeito estufa durante o fenômeno de “decoada” no rio Paraguai. O livro pode ser adquirido diretamente no site da editora (http://www.springer.com/br/book/9783319187341) e em outras livrarias, como a Amazon e a Cultura. Uma cópia foi disponibilizada na biblioteca da Embrapa Pantanal.

O livro foi lançado em janeiro e traz 12 estudos sobre o Pantanal (Foto: Ana Maio)
O livro foi lançado em janeiro e traz 12 estudos sobre o Pantanal (Foto: Ana Maio)

Ivan Bergier conta que o livro nasceu de um projeto da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) que está em fase de apropriação pela Embrapa. Mario Assine reuniu na equipe deste projeto um grupo de cientistas que acumula um vasto conhecimento sobre o Pantanal. Eles representam instituições como a Embrapa Pantanal, a Unesp, a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e a Universidade de Kentucky.

“A proposta do livro é entender o Pantanal como uma formação dinâmica, que surge de um fenômeno geológico chamado subsidência [movimento da superfície que consiste em um deslocamento para baixo]. Isso aconteceu há milhões de anos, mas o processo de subsidência continua ocorrendo no Pantanal”, afirma o pesquisador.

Mudanças naturais

O primeiro capítulo do livro, de autoria de Lucas Warren e colaboradores, trata exatamente dessas descobertas. Estudos geológicos da região mostram a existência de rochas muito antigas, de idade pré-cambriana (mais velhas que 540 milhões de anos atrás). Metazoários como a Corumbella e a Cloudina, fossilizados em rochas existentes nos arredores de Corumbá, representam as primeiras formas multicelulares de vida. “O Pantanal tem registro da evolução do planeta. Ele foi formado por movimentos tectônicos e pela disposição de sedimentos que vêm dos planaltos existentes no seu entorno”, comenta Ivan.

O geólogo Mario Assine também publica um estudo sobre geologia e geomorfologia, em que apresenta subdivisão do Pantanal em termos dos seus sistemas naturais de sedimentação. Neste capítulo são discutidas os diferentes sistemas e as áreas fonte de sedimentos, bem como o papel da planície do Pantanal como rio-tronco coletor das águas de todo o sistema hidrográfico.

Mario Assine – com a colaboração do próprio Ivan Bergier, de Hudson Azevedo Macedo, José Cândido Stevaux, Carlos Padovani e Aguinaldo Silva – escreveu um capítulo sobre as avulsões em rios do Pantanal, fenômeno popularmente chamado de arrombamento em sua fase final e que se refere ao rompimento da margem, podendo levar à mudança de trajeto dos leitos dos rios. Ivan explica que esse é um processo natural na planície, embora possa ser acelerado por ações humanas.

O capítulo aborda os arrombados de rios como Taquari, São Lourenço e Paraguai. “O estudo mostra a evolução geomorfológica, ou seja, como o rio era e como está mudando em função de alterações naturais, do clima e, mais recentemente, também do homem”, explica o editor. A partir da década de 1970, o aumento das chuvas de verão, associado a uma política de ocupação do entorno do Pantanal, no Cerrado, contribuiu para acelerar algumas dessas mudanças naturais.

Os autores resgatam a classificação das sub-regiões que compõem o Pantanal, elaborada em 2010 por Carlos Padovani. Até então, catalogações anteriores apresentavam 11 sub-regiões do Pantanal. Padovani detalha essa análise e propõe 25. Explica que sua classificação leva em conta a dinâmica de inundações durante um longo período e se baseia em imagens mais precisas, considerando o Pantanal como um todo, independente de fronteiras políticas. A própria nomenclatura adotada pelo pesquisador associa as sub-regiões à origem das águas responsáveis por aquela inundação.

O mesmo texto traz informações bastante didáticas sobre os chamados gargalos geológicos: barreiras naturais que controlam as cheias no Pantanal, modulando a área inundada e o fluxo das águas de chuvas de norte para o sul. Essas informações são importantes para a compreensão da dinâmica de inundação da planície.

Padovani explica algumas características da hidrologia da região relacionadas justamente a esses gargalos. Um deles, denominado gargalo Paraguai-Amolar, se localiza na foz do rio São Lourenço, quando este deságua no rio Paraguai. “Esse gargalo geológico funciona como um funil: ocorre uma constrição e a água não flui tão bem. O nível de água aumenta e uma grande área da planície apresenta inundações frequentes”, explica.

O segundo gargalo abordado no capítulo é o Urucum e reflete um estreitamento do rio Paraguai na planície, próximo à foz do rio Miranda, forçado pelas áreas altas do Maciço do Urucum. Essas barreiras naturais causam um certo represamento da água, influindo na dinâmica de inundações do Pantanal.

Vegetação, lagos e decoada

Os pesquisadores Arnildo Pott e João Santos Vila da Silva são autores de um texto de síntese, fartamente ilustrado, sobre a vegetação e o desmatamento no Pantanal, que constitui uma importante fonte de referência sobre o tema. Em seguida, Ivan, Suzana Salis e Patrícia Mattos aplicam a perspectiva da Teoria Metabólica da Ecologia (que estuda a distribuição de energia e materiais em sistemas vivos do ponto de vista da Física) para avaliar a adaptação de árvores no Pantanal da Nhecolândia.

Os autores perceberam que, independente da espécie, as árvores seguem a regra geral de alocação de biomassa total da planta (raízes, tronco, galhos e folhas) em função do diâmetro do tronco. Porém, algumas regras dessa teoria não são seguidas como a proporção entre a biomassa de raízes e a biomassa de troncos, galhos e folhas porque houve uma adaptação das plantas ao ecossistema.

“Isso aconteceu porque o lençol freático na região é alto. A raiz tende a ser mais superficial e espalhada para, ao mesmo tempo, fugir da água e melhor se ancorar. As árvores, quanto maiores, têm mais biomassa de galhos que de troncos para evapotranspirar mais, isto é, lidar melhor com o excesso de água subterrânea. Essas são hipóteses que levantamos nesse estudo”, conta Ivan.

Essa adaptação foi necessária para que árvores originalmente do Cerrado pudessem sobreviver na Nhecolândia. Suzana Salis afirma que os dados utilizados nesse artigo foram obtidos em sua tese de doutorado e em projetos de pesquisa desenvolvidos na fazenda Nhumirim, da Embrapa Pantanal, envolvendo espécies de cerrado e cerradão. Ela disse ainda que esse comportamento observado na pesquisa é mais comum em plantas de mata, com raízes não muito profundas em decorrência de melhores condições de acesso à água.

Outro estudo, publicado por Ivan, Alex Krusche e Frédéric Guérin, aborda modelos dinâmicos dos lagos da Nhecolândia, com foco na dinâmica biogeoquímica e espacial. O trabalho revela como os lagos evoluíram em tipos biogeoquímicos, em área e em número de 1984 a 1998; em geral, constatou-se uma queda da área e do número dos lagos, talvez associada a redução da média do nível de chuva no mesmo período.

Como a Nhecolândia não sofre muita influência de rios, as interferências ocorrem no chamado ciclo de “água verde”, regulado pela evapotranspiração das árvores que retorna umidade para o ar. Por sua vez, essa umidade se transforma em chuva. Com a redução da área coberta por vegetação, especialmente no entorno do Pantanal, no planalto, esse ciclo pode ter sido impactado e os efeitos podem ser observados nos lagos. “Esse estudo reforça a importância da interligação existente entre o que se faz no planalto e seus efeitos na planície. Por isso também é importante recuperar as matas nas áreas altas”, disse Ivan.

Um grupo de estudiosos assina outro capítulo, que trata da emissão de gases de efeito estufa durante o fenômeno conhecido como decoada. A pesquisa, desenvolvida entre 2011 e 2014, mostra o funcionamento da emissão de metano e dióxido de carbono nos rios, cuja dinâmica de emissão, que muda bruscamente durante o fenômeno, está relacionada aos gargalos geológicos mencionados anteriormente. Além disso, a matéria orgânica em decomposição vai subtraindo o oxigênio da água, o que causa a mortandade de peixes. Trata-se de um fenômeno natural e que ocorre anualmente, entre março e abril.

“Uma das constatações mais interessantes desse estudo é que em algumas áreas as águas com e sem decoada não se misturam. Esses locais confinados onde a decoada não acontece com tanta intensidade podem servir de refúgio para peixes e outros organismos. São áreas superimportantes porque mantêm a qualidade da água para diversas espécies aquáticas suportarem a passagem do fenômeno”, afirma Ivan.

Uso, ocupação e perspectivas

A pesquisadora Eliana Carvalho Dores, da UFMT, é autora de um trabalho que avalia a incidência de pesticidas no Pantanal. Em outro artigo, Luz Selene Buller e coautores abordam a mudança no uso e ocupação da terra em São Gabriel do Oeste (MS). A essa altura, o livro aborda com mais detalhe a influência humana no Antropoceno, era em que as atividades humanas têm sido mais relevantes no meio ambiente.

São Gabriel tem como principal atividade econômica a produção de grãos, pecuária e suinocultura. Selene e outros estudiosos avaliam a vulnerabilidade ambiental do município numa perspectiva dos últimos 30 anos. Há mapas que mostram o avanço do desmatamento. O desenvolvimento econômico tem sido tão intenso que o município registrou um salto no PIB (Produto Interno Bruto) de 100 milhões de dólares em 1999 para pouco mais de 300 milhões de dólares em 2011. A soma de riquezas per capita é maior que o PIB per capita estadual ou nacional. O texto é um alerta sobre o custo socioambiental desse desenvolvimento.

Há ainda um estudo de pesquisadores da UFMS sobre o uso turístico da estrada-parque no Pantanal. Eles criaram um mapa da vulnerabilidade e, apesar de constatar que atualmente a situação não é crítica, pode haver piora dependendo do uso e ocupação daquele trajeto, que requer uma legislação adequada.

Por fim, um trabalho escrito por José Marengo, Gilvan Oliveira e Lincoln Alves, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), aborda cenários das mudanças climáticas no Pantanal. As perspectivas são preocupantes. De acordo com a pesquisa, utilizando o modelo do IPCC (Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas), a temperatura na região do Pantanal poderá se elevar em até 7º C em 2100.

Os pesquisadores avaliaram também a incidência de chuvas na região. Não há previsão de mudanças durante o verão, mas no inverno, apesar de uma incerteza ainda muito grande, há indícios de que ela possa diminuir, o que poderia piorar as situações de seca. “Aumento de temperatura e de seca não significam, necessariamente, mudanças das cheias porque são também reguladas pela presença ou ausência de vegetação nativa no planalto”, explica Ivan.

“Espera-se que o conhecimento apresentado no livro, muito mais do que contribuir para a realização de pesquisas focadas na solução de questões ainda não devidamente compreendidas, deva contribuir para a necessária mudança de perspectiva com que a sociedade percebe e interage com o Pantanal”, finaliza Mario Assine.

O livro – que começa com estudos de tempos anteriores à formação do Pantanal, há milhões de anos, e termina com perspectivas para o futuro – revela o perfil dinâmico do Pantanal e mostra que a ciência está desvendando as constantes mudanças com vista ao melhor aproveitamento pelo homem dessa riqueza. O e-book na editora é vendido a US$ 239 e a versão impressa a US$ 309. Ivan avisa que interessados em ter acesso a algum capítulo podem entrar em contato diretamente com os autores e solicitar os arquivos de capítulos específicos em formato PDF.

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