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Mulheres do Cerrado: Tecendo redes de sustentabilidade e autonomia

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Rosana Claudina (CEPPEC) foi uma das facilitadoras do encontro. Foto: Luana Campos/Ecoa

Nos dias 20 e 21 de fevereiro, mulheres assentadas e extrativistas do Cerrado se reuniram na sede do Ceppec (Centro de Produção Pesquisa e Capacitação do Cerrado), em Nioaque (MS), para a primeira oficina do projeto “Despertando o Viver no Cerrado: Mulheres Articulando em Rede”. O encontro, promovido pela Ecoa e pela Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal – Cerrapan, não foi apenas um espaço de aprendizado técnico sobre negócios comunitários e bioeconomia. Foi, acima de tudo, um momento de escuta, troca e fortalecimento.

Os desafios da terra e da vida

Entre dinâmicas e rodas de conversa, histórias de vida, trabalho e conexões com a natureza foram compartilhadas, dando espaço e visibilidade a temas vividos no dia a dia, mas muitas vezes pouco discutidos, como os desafios para geração de renda, como estão sentindo os impactos das mudanças climáticas, o avanço do agronegócio sobre seus territórios e as dificuldades burocráticas de acesso a políticas públicas.

Nilza Zwicker, pescadora e apicultora, fez um relato de como as cabeceiras dos rios Miranda e Aquidauana, que nascem no Cerrado e desaguam no Pantanal, área de transição onde ela vive, estão sendo degradados nos últimos anos devido ao agronegócio:

“Nas cabeceiras dos rios que a gente pesca e que a gente vive, há décadas a mata era preservada, porque os antigos donos só criavam umas cabeças de gado para ter um leite, uma carne. Com o passar dos anos, lá por 2019 para cá, na nossa região das nascentes do rio Miranda e do rio Aquidauana, o que tem acontecido é que a soja está tomando conta de tudo. Eles desmataram tudo para plantar a soja, só que não fizeram curva de nível. Aí quando chove todo aquele resíduo de agrotóxico que foi necessário passar nas plantas vai para o rio. Aquela terra não traz só os defensivos químicos das lavouras, ela também está soterrando nosso rio. Está muito complicado, as nascentes dos rios estão sendo destruídas.” – Nilza Bandeira Zwicker, pescadora e apicultora

O tema do adoecimento físico e mental também foi recorrente. “Quando uma mulher adoece, todo um ecossistema adoece com ela”, resumiu a facilitadora Denise Silva (BRUACA), sobre o peso que recai sobre os ombros das mulheres: cuidar da terra, da família e da própria sobrevivência, muitas vezes sem o reconhecimento devido.

Construindo caminhos: autonomia e mercados sustentáveis

A partir dessas reflexões, a oficina trouxe caminhos práticos. Denise Silva (BRUACA) e Rosana Claudina (CEPPEC) conduziram atividades sobre autocuidado, fortalecimento da identidade, precificação de produtos, boas práticas de manipulação de frutos nativos e a comercialização com preço justo. A bioeconomia também foi apresentada como uma alternativa sustentável para agregar valor aos produtos, aliando geração de renda, conservação ambiental e protagonismo das mulheres, diante de uma cadeia produtiva que, muitas vezes, apaga sua história e identidade.

Em uma conversa virtual Tayane Oliveira, da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), detalhou o funcionamento dos programas PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) como opção de acesso a mercados mais justos. Tayane ainda destacou a necessidade da organização coletiva e a importância do fortalecimento das associações locais para garantir mais autonomia na comercialização dos produtos.

Semear novos futuros

O encontro encerrou com a certeza de que fortalecer redes entre mulheres é o caminho para resistir às dificuldades e impulsionar mudanças positivas não só para elas e suas famílias, mas para toda a comunidade e ambiente. Mais do que vender um produto, trata-se de contar suas histórias, valorizar seus saberes e garantir que o Cerrado continue vivo através do trabalho e da luta dessas mulheres. A oficina foi apenas o primeiro passo de uma jornada maior, que seguirá promovendo encontros e oportunidades para fortalecer suas vozes e transformar realidades.

O projeto “Despertando o Viver no Cerrado: Mulheres Articulando em Rede” é realizado com apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF) e Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, União Europeia, da Fundação Hans Wilsdorf, da Gestão Ambiental Global, do Governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.

 

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