Texto originalmente publicado em 07/06/2011
Por Alcides Faria
A história ambiental de Mato Grosso do Sul ainda está por ser desvendada na sua totalidade – se é que quando tratamos de história podemos ter a ousadia de pretender chegar a tanto –, mas é evidente que as fronteiras estabelecidas a partir da criação do Estado na década de 70 definiram um território no qual os bens naturais e as características de suas unidades ambientais foram – e ainda são – o suporte fundamental para a história humana desde as eras pré-coloniais e também para todo o processo de construção econômica moderno.
Evidenciado que a história e a economia de MS foram construídas com base na extração e uso dos bens naturais distribuídos por seu território em diferentes e conectados processos, que, passou a uma condição de intensivo nos últimos 60 anos, a pergunta a ser respondida para que se possa olhar o futuro situa-se no campo dos resultados ambientais, econômicos e sociais.
Dos 36 milhões de hectares do Estado, 16 milhões (!) foram transformados em pastagens cultivadas e outros 6,1 milhões (IBGE- Censo Agropecuário) são de pastagens naturais. Assim mais de 60% do território terminou destinado à pecuária, principalmente a de corte.
O que surge por primeiro é que o modelo de construção econômica não seguiu a dinâmica dos vizinhos do Sudeste (São Paulo, Paraná) e de Goiás no que tange ao desenvolvimento populacional. O Censo 2010 do IBGE apontou uma população em MS de apenas 2.450 mil pessoas distribuídas pelos 36 milhões de hectares do Estado, com uma densidade de 6,86 habitantes por km². O índice de urbanização é de 85,6%. Com relação ao Censo 2000, onze municípios tiveram redução da população, apesar de o Estado ter aumentado 17,8% seus habitantes no mesmo período. Esses são números que merecem melhor entendimento.
Quase 32% da população vive na capital (786.797), Campo Grande – cidade que alcança o impressionante índice de urbanização de 97,22%. Este último número evidencia um dos resultados do modelo e ajuda a começar a responder a pergunta anterior: a construção de uma cidade bem estruturada, mas que, na verdade, tornou-se uma ilha, com 800 mil pessoas, cercada de bois por todos os lados. A área do município é de 8.092 mil km² .
Assim, a partir do olhar sobre Campo Grande e analisando a densidade populacional do Estado, é possível entender que no MS o boi e as políticas que o seguem deram as cores mais fortes na pintura ambiental do território.
Resultados sobre o ambiente
Neste ponto é fundamental trazer a discussão para os resultados sobre o ambiente e as pessoas. O uso intensivo dos bens naturais oferecidos pelo imenso território de MS através da extração, do assentamento da pecuária e da produção de grãos nos últimos 60 anos nos conduziu a que ponto da história ambiental? Nos marcos deste artigo é impossível tratar da questão em sua totalidade, mas podemos fazer uma aproximação de algumas unidades ambientais para avaliar o que aconteceu e assim estabelecer as bases para entender o todo.
As florestas foram rapidamente devastadas nas décadas de 60 e 70 para atender a voracidade de São Paulo por madeira; criar capital primário e abrir caminho para o gado. Não há muito mais a contar. O Cerrado ainda tem alguma presença de continuidade em áreas da bacia do Paraguai, nas partes baixas e onde ele é Pantanal.
Na bacia do Paraná suas tristes manchas esparsas trazem a informação de que mais de 90% foram devorados para o carvão das siderúrgicas e depois pastagens. Onde o Pantanal é Chaco, nas linhas divisórias com o Paraguai, estão, talvez, os maiores indicies de desmatamento da atualidade. O Pantanal sofre há muito com os desmatamentos na parte alta de sua bacia e nas partes não inundáveis ou inundação eventual; com os agrotóxicos e sedimentos carreados a partir das lavouras de grãos e as imensas extensões de brachiaria. Sua resistência é mostrada, apesar de tudo, quando dá sustentabilidade a uma atividade geradora de trabalho e renda como a pesca.
Para muitos as constatações acima poderiam ser creditadas aos “exageros” ecológicos ou até mesmo a posturas anti-desenvolvimento – como se fosse possível “desenvolver” sem água e solo conservado – o que não é verdadeiro. Tratar do ambiente no território onde a economia está assentada é cuidar para que processos de decadência não surjam no horizonte.
O caso da pecuária, particularmente a de corte, deve estar na frente da agenda econômica e ambiental por ser esta a atividade que mais “gasta” os bens naturais solo e água no Estado, além de ser o agente principal de desmatamento. Mais de 70% das pastagens estão degradadas, com média de ocupação de menos de uma cabeça por hectare. Sim, menos de uma cabeça de gado em 10 mil metros quadrados.
Tomando uma sub-bacia como unidade para entender melhor
A aproximação em menor escala de uma unidade ambiental que está no centro da economia de MS, a sub-bacia do rio Ivinhema, pode nos ajudar a entender melhor a imbricação entre economia e ambiente. Além de ser importante economicamente a escolha está relacionada com o fato de eu ter chegado à região no ano de 1960 quando quase tudo era cerrado e floresta; acompanhado o processo de ocupação e, mais recentemente, a ter estudado com profundidade para entender a expansão da cana no Brasil.
A sub-bacia tem uma área total de 4,64 milhões de hectares. Dados de 2007 davam conta de que cerca de 2,5 milhões estavam destinados para a pecuária e cerca de 920 mil para a safra de grãos. A cana tomava 175 mil hectares. Se acima tratei da saúde humana pela contaminação, apresento os números sobre a bacia para, especificamente, trazer o debate sobre o a pecuária e seus resultados. Ela, como disse anteriormente, é a atividade que mais “gasta” os bens naturais solo e água no Estado, além de ser o agente principal de desmatamento. Na sub-bacia do Ivinhema chama a atenção a extensa área ocupada pela pecuária (mais de 50%) e seu resultado econômico. Alinha-se ao que regularmente é divulgado sobre essa economia: baixa
Com relação ao tipo de agricultura da região volto a dois textos que escrevi. O primeiro de 2010: “Fátima do Sul, uma pequena cidade de Mato Grosso do Sul às margens do Dourados, um dos rios da bacia do Ivinhema, foi notícia na Folha de São Paulo de 17 de julho de 2010 por uma razão trágica: o envenenamento de seus agricultores por biocidas agrícolas. A jovem jornalista Marcelle Souza mostrou na matéria que náuseas e depressão são comuns e que em membros de muitas famílias dos pequenos proprietários são levados ao suicídio.”
O segundo de 2006: “Ontem, 15 de novembro, no final da tarde, uma nuvem pairava próximo ao povoado de Aroeira – atravessado pela BR-163 – no município de Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul. À distancia parecia poeira…..Ao atravessá-la o cheiro forte incomodou e pareceu o de algum biocida de lavoura. Coincidentemente, minutos antes, com o sol se pondo no horizonte, um avião agrícola cruzou a estrada…”. Duas histórias que registradas dentre as inúmeras que circulam e que indicam o ponto onde estamos.
Na foto de capa, Alcides Faria, biólogo e diretor institucional da ECOA. Crédito: Iasmim Amiden