Observatório do Clima
O Brasil atrasou, mas fez o dever de casa e enviou às Nações Unidas sua Terceira Comunicação Nacional, que contém o novo inventário brasileiro de gases de efeito estufa.
O inventário, realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, será lançado nesta sexta-feira em Brasília. Ele dá o número oficial de emissões do Brasil em 2010 – 1,2 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, excluindo da conta cerca de 390 milhões de toneladas que o governo considera serem “removidas” anualmente por florestas em unidades de conservação e terras indígenas – e reajusta as emissões de 2005, ano em que o Brasil mais emitiu, para 2,73 bilhões de toneladas.
O número lança um alerta vermelho sobre a INDC, o plano climático que o Brasil entregou para o Acordo de Paris e que estabelece um corte de 37% nas emissões em 2025 em relação aos níveis de 2005. Ocorre que a INDC foi calculada com base na estimativa do segundo inventário brasileiro, desatualizada, segundo a qual o país emitiu 2,1 bilhões de toneladas em 2005.
“O novo inventário, feito à luz da melhor ciência disponível, aumenta nossa conta com o clima e impõe ao Brasil a necessidade de reajustar a meta apresentada para o acordo do clima”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. Um corte de 37% em relação a 2,7 bilhões de toneladas resultaria em emissões em 2025 praticamente iguais às de hoje, sem esforço adicional de redução. “Ou o Brasil revê para cima o percentual de corte, ou desde já mantém os números absolutos citados na INDC – 1,3 GtCO2e em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030, assumindo o compromisso de rever seu nível de ambição antes de 2020.”
“A publicação do novo inventário é fundamental para balizar o tamanho do esforço brasileiro para reduzir suas emissões nos próximos anos”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa) do OC. “A pergunta que fica, diante dos dados de 2005, é qual será efetivamente a meta absoluta de redução do Brasil.”
Para André Ferretti, gerente de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e coordenador geral do OC, a discussão que o inventário deve abrir sobre a INDC oferece a oportunidade de o Brasil rediscutir o grau de ambição de sua meta. “O país precisa aproveitar o inventário recém-lançado e o clima político positivo entre os países visto durante a assinatura do Acordo de Paris para propor que uma revisão da INDC aconteça em 2018 e então aumentar a meta a ser atingida. O Brasil tem condições técnicas e conhecimento para agir e terá vantagens econômicas ao fazê-lo.”
SEEG
Os dados do inventário atestam a acurácia do SEEG, que traz estimativas de emissões do Brasil ano a ano desde 1970 até 2014 (o inventário é um trabalho de complexidade maior e só traz dados até 2010). “A diferença com o SEEG é muito pequena nos valores finais”, diz Marina Piatto, da Iniciativa de Clima e Agropecuária do Imaflora, que coordena as estimativas de agropecuária do SEEG e participou como revisora da Terceira Comunicação Nacional.
Ela elogia o novo inventário: “Todos os relatórios de referência estão disponíveis de forma completa, as metodologias foram aprimoradas e os fatores de emissão e os cálculos históricos foram revisados”, diz. Esse aprimoramento da metodologia entre o segundo e o terceiro inventário foi o que causou a diferença entre as emissões de mudança de uso da terra (desmatamento) de 2005. Elas foram recalculadas no novo inventário, o que causou uma diferença de quase 30% nas emissões totais daquele ano entre um inventário e outro.
Quando se compara o terceiro inventário e o SEEG de 2010, excluindo-se mudança de uso da terra a soma das emissões dos demais setores (indústria, agricultura, resíduos e energia) a diferença foi menos que 1%. Na comparação por setor, para energia e agropecuária a discrepância foi de menos de 1%; para processos industriais, de 4%; e para resíduos, de 7%.
A única diferença significativa ficou por conta do setor de mudança de uso da terra (desmatamento), principalmente porque o inventário reporta emissões líquidas, ou seja computa as chamadas “remoções” de carbono por terras indígenas e unidades de conservação, que o governo assume como um fator constante de abatimento de emissões nos inventários oficiais – mesmo que essas remoções já existissem sem qualquer interferência humana. Quando descontadas as remoções, a diferença cai para cerca de 10%, que são explicados pelo uso no inventário de novo mapa de uso de solo (2010) que ainda não está disponível para o público e, portanto, não pode ser utilizado pelo SEEG.