Por Aldem Bourscheit para O Eco
Estudo inédito de pesquisadores brasileiros estimou que morcegos urbanos geram uma economia por hectare de US$ 94 dólares, atualmente mais de R$ 500,00, ao comerem lagartas que atacam milharais no Distrito Federal e que são combatidas com agrotóxicos. O montante poupado a cada safra seria de US$ 3,19 milhões, ou quase R$ 18 milhões. Os especialistas apontam que os mamíferos alados também devoram percevejos, pulgões, cigarras e outras espécies que prejudicam lavouras de feijão, soja, trigo, frutas, legumes e hortaliças.
“Nossa estimativa é conservadora, pois olha apenas para o milho. Se morcegos abrigados nas cidades consomem tantas pestes de cultivos com grande importância econômica, imagine o papel de espécies que vivem ainda mais perto das áreas rurais”, destacou Ludmila Aguiar, pesquisadora da Universidade Federal de Brasília (UnB) e líder do trabalho publicado na revista PLOS One.
Controlar pragas seria ainda mais caro sem os morcegos, avisa a pós-doutora pela Universidade de Bristol (Inglaterra). “Eles prestam um trabalho que não era contabilizado no sistema produtivo”, disse. Por isso, ela espera que serviços como esses sejam valorizados. “Quanto menos biodiversidade, maior o custo da produção agrícola. Biodiversidade e agricultura podem ser compatíveis”, destacou.
As 5 espécies de morcegos – Nyctinomops laticaudatus, Cynomops planirostris, Molossus molossus, Eumops perotis e Histiotus diaphanopterus – avaliadas na pesquisa vivem em colônias nas cidades de Brasília (DF), Padre Bernardo e Valparaíso, em Goiás. Os animais pesam em média 12 gramas e voam até 3,5 quilômetros por noite para comer, enquanto espécies maiores podem alcançar 35 quilômetros atrás de insetos, frutas, pólen e outros alimentos. Nessas viagens, dispersam sementes, polinizam plantas nativas e comerciais, devoram mosquitos e outros insetos que tiram o sono e transmitem doenças às pessoas, como dengue e zika.
“Exterminar morcegos traz perdas para as pessoas e para a agricultura, de pequena escala à produção de commodities”, destacou Ludmila Aguiar, da UnB. A poupança anual proporcionada pelos morcegos nos milharais do Brasil todo foi estimada pelos cientistas em quase US$ 391 milhões, ou cerca de R$ 2,1 bilhões. A produção nacional de milho ultrapassa as 100 milhões de toneladas anuais. As lagartas estão entre as principais fontes de prejuízos à cultura.
6 PISCINAS DE AGROTÓXICOS
Apesar dos benefícios econômicos e sociais, populações de morcegos encolhem por ações humanas. Um total de 210 (15%) das cerca de 1.400 espécies globais podem ser extintas pelo crescimento das cidades, ataques e caça, destruição de cavernas e outros locais onde vivem, desmatamento e envenenamento por agrotóxicos. Há mais de 180 tipos desses mamíferos no Brasil, três dessas espécies são as únicas no mundo que se alimentam de sangue, sobretudo de aves, cavalos, porcos e bois.
Pesquisa coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também inédita, apontou que 11 milhões de litros de agrotóxicos são usados nas safras de soja e milho no Distrito Federal. O volume encheria 6 piscinas olímpicas. As culturas são transgênicas e cobrem 1.320 km2 (95%) dos 1.390 km2 da área agrícola distrital. Desde o ano 2000, o uso desses venenos cresceu 140% na região, onde são despejados até por aviões.
“Mesmo proibida em lei, a pulverização aérea segue no DF, sobretudo em fins de semana e feriados. Há meios para controlar pragas de forma natural. É preciso investir mais na produção agroecológica e sintonizar nossas ações com as de outros países para que o Brasil não vire um escoadouro de agrotóxicos banidos”, destacou André Fenner, do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz Brasília.
Em 2020, o governo Jair Bolsonaro liberou o recorde histórico de 493 novos agrotóxicos, superando em 19 os 474 registros do ano anterior. As aprovações foram facilitadas por mudanças nos processos que passam por Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ministério da Agricultura e Ibama. Muitos venenos usados no Brasil são proibidos nos Estados Unidos e União Europeia pelos elevados riscos à saúde humana e aos ambientes naturais.
“O Brasil é o maior consumidor mundial de pesticidas, que causam danos genéticos irreversíveis e outros efeitos nas populações de morcegos. Sua conservação pode ajudar a reduzir os gastos com pesticidas, ao mesmo tempo em que aumenta a eficácia da supressão de pragas”, destaca o trabalho publicado na PLOS One.
VÍTIMAS DO MEDO
Aversão e fobias ainda levam muitas pessoas a agredir e matar morcegos, ainda mais associados a cenários insalubres ou de terror e à transmissão de doenças, como a raiva e a histoplasmose (uma infecção), do que aos serviços que prestam. “Pessoas com medo ou aversão a animais como cobras, aranhas e morcegos podem ter uma predisposição genética, serem influenciadas por episódios negativos com certos animais, por outras pessoas e até pelas mídias”, explicou Pedro Fonseca Zuccolo, doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).
“TV, cinema e outros meios também ajudaram a introjetar medos de morcegos nas pessoas. É possível reduzir impactos sobre pessoas e animais com esforços e campanhas de informação e de educação, e com tratamentos específicos em casos de fobias patológicas (doentias)”, constatou o pesquisador.
“É preciso evitar esse medo absurdo. Os morcegos não estão interessados nas pessoas. Precisamos de mais informação correta difundida para que a população entenda como conviver com eles sem maiores problemas”, reforçou Ludmila Aguiar, da Universidade Federal de Brasília (UnB).