A busca pela imparcialidade, que a objetividade pressupõe, exige que a maneira de perguntar e tratar as repostas não seja influenciada pelo engajamento pessoal. “O texto de um jornalista deveria se abster dos juízos de valores tanto quanto fosse possível a um homem e se limitar à descrição dos fatos” (Silva, 1991, p. 20). Entretanto, isso é impossível, já que toda construção de sentido implica num ponto de vista particular e todo procedimento de análise depende de uma tomada de posição (Charaudeau, 2013). O observador, diante de um acontecimento, vai percebê-lo conforme as limitações de seus sentidos e interpretá-lo segundo sua história, opiniões e preferências, das quais é difícil abstrair-se.
Isso também se aplica ao jornalista como observador, ao reportar o acontecimento. Mas, ainda que se admita a impossibilidade da objetividade, espera-se do jornalismo informativo a sua busca, deixando o espaço da opinião para os editoriais. “(…) a ‘objetividade informativa’ é um modelo abstrato que, embora não possa ser atingido na sua plenitude, deve significar uma tendência, uma orientação, uma direção a ser buscada em permanência pela informação jornalística” (Barros Filho, 2003, p. 34).
No entanto, alguns jornalistas se apoiam na inexistência da objetividade enquanto modelo concreto para defender a subjetividade, utilizando-se das técnicas do jornalismo informativo para dar à informação a impressão de objetividade, fazendo mal jornalismo a serviço das próprias ideologias. Ou, ainda, assumindo categoricamente a subjetividade, enveredando-se para a militância.
Uma das modalidades que cobrem as mudanças climáticas no Brasil, o jornalismo ambiental, alcançou grande impulso após a Rio-92 (Almeida, 2012). No entanto, o envolvimento de alguns profissionais que atuam nessa área, ao rechaçar certos fundamentos do jornalismo clássico, aproxima a modalidade do ambientalismo, como pode ser deduzido na afirmação de Wilson Bueno:
“O jornalismo ambiental deve propor-se política, social e culturalmente engajado, porque só desta forma conseguirá encontrar forças para resistir às investidas e pressões de governos, empresas e até de universidades e institutos de pesquisa, muitos deles patrocinados ou reféns dos grandes interesses”. (Bueno in Girardi et al, 2008, p. 112).
Ou na afirmação de Beatriz Dornelles: “(…) sobre jornalismo ambiental, nossa proposta, aliada a propostas muito semelhantes de jornalistas e pesquisadores paulistas e cariocas, é no sentido de acabar com a pseudoneutralidade e imparcialidade da imprensa”. (Girardi et al p. 44).
Entendemos que ambientalismo praticado no formato jornalístico é uma resposta à utilização do meio ambiente como ferramenta de marketing de multinacionais. James Hansen, um dos maiores estudiosos do aquecimento global, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, cunhou a expressão greenwash, para qualificar aqueles que, a serviço do marketing, expressam grande preocupação com a questão, sem, contudo, realizar ações efetivas para estabilizar o clima ou preservar o meio ambiente (Hansen, 2013).
O caso da indústria automobilística, por exemplo, é emblemático. Mesmo tido como um dos principais emissores de dióxido de carbono, durante o evento “Fórum Sustentabilidade”, o presidente da Mercedes-Benz, Philipp Scheimer (2013), afirmou que os gases emitidos pelas vacas na atividade pecuária são mais prejudiciais para o meio ambiente do que aqueles emitidos pelo setor de transportes.
Contradizendo o presidente da montadora, o recente escândalo envolvendo a Volkswagen representou uma mancha no greenwash da indústria automobilística, revelando a estratégia tecnológica usada pela montadora para se vender verde. As notícias publicadas na imprensa de todo o mundo sobre o fato revelaram que os motores a diesel da Volkswagen (chamados de “diesel limpo”), fabricados para atender os padrões de emissão de poluentes em alguns países, possuíam um software que manipulava os dados de emissões de dióxido de carbono.
A disputa por espaço no discurso verde é grande, e as empresas que se dizem ecologicamente corretas utilizam diversas estratégias para atingir formadores de opinião, órgãos regulatórios e ONGs (Almeida, 2012). Uma dessas estratégias é a comunicação com a imprensa por meio de releases e press kits, propagando gestões ecoeficientes.
Segundo Wilson Bueno (2007), são comuns, por exemplo, releases da indústria agroquímica vinculando sua produção à agricultura sustentável. O jornalismo ambiental engajado procura oferecer resistência a tais práticas, ainda que, para isso, negue fundamentos clássicos do jornalismo (como o “princípio do equilíbrio”, que recomenda ouvir todos os lados envolvidos) ao propor, como faz Bueno, o repudio à neutralidade e a tomada de partido (Ibid.).
A questão ambiental desperta paixões para além da objetividade jornalística. É difícil encontrar alguém que seja contra ou não se sensibilize com o debate dos temas ambientais, mas a cobertura engajada, por mais nobre que seja a causa, como diz o jornalista Agostinho Vieira, responsável pela coluna Eco Verde de O Globo, pode levar o repórter a uma visão estreita dos fatos, e a correr o risco de tentar dividir o mundo entre mocinhos e bandidos (Almeida, 2012).
Em qualquer área, quando se trata de reduzir a emissão antrópica de gases de efeito estufa na atmosfera, não existem soluções fáceis. O jornalismo, como mediador dos debates que envolvem o aquecimento global, não traz consigo a solução, mas pode se apresentar como um problema, na medida em que aborda o tema de modo pouco objetivo – considerando que a busca pela objetividade no jornalismo, tal como na ciência, é um dos aspectos que contribuem para a credibilidade da informação.
Outro problema enfrentado pela informação nos veículos de imprensa sobre mudanças climáticas é a superficialidade, que aposta no sensacionalismo midiático. Bueno (Girardi et al, 2008) cunhou um conceito para definir a espetacularização das notícias relacionadas ao meio ambiente: a “síndrome da baleia encalhada”. Essa síndrome caracteriza o interesse da mídia pelo conteúdo trágico dos temas, isolando o fato de sua dinâmica, comum em coberturas de tsunamis, incêndios em reservas florestais, aniquilamento em massa da fauna etc.
Embora acreditemos que tal síndrome não seja exclusividade do jornalismo ambiental, pois está implícita em qualquer conteúdo sensacionalista, concordamos com Bueno quando afirma que a “baleia encalhada” é o flagrante trágico da degradação ambiental, que a mídia vê como uma forma plástica de ilustrar suas páginas e telas, sem investigar o fenômeno que a originou (Ibid.)
Também nos aproximamos de Bueno ao reconhecermos que o jornalismo ambiental é, sobretudo, jornalismo; que não deve ser utilizado como porta-voz da sociedade para legitimar poderes e privilégios e que “deve ter o compromisso com o interesse público, com a democratização do conhecimento e com a ampliação do debate” (Ibid. p.111).
Mas não é isso que se observa na prática. O jornalismo é, por natureza, sensacionalista, transformando a notícia em uma “mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais” (Marcondes Filho, 2000, p. 48). A linguagem gráfica dos impressos, que inclui técnicas de titulação, diagramação, pirâmide invertida e lead, por exemplo, nada mais é do que um apelo às sensações, cujos recursos despertam a atenção do leitor e o fazem se interessar pela história contada.
No caso das mudanças climáticas, ao analisarmos as notícias, constatamos que a imprensa explora ao máximo as sensações, no sentido de fixar na agenda pública o caráter fatalista do aquecimento global. O tema se impõe, em geral, sob o valor-notícia da negatividade e da ruptura da normalidade (chuva além do normal, seca além do normal, quebra de safra agrícola, elevação do nível do mar, derretimento da capota polar etc.). É a notícia por excelência, como descrita na famosa definição de Amus Cummings: “Se um cachorro morde um homem, não é notícia; mas se homem morde um cachorro, aí, então, é notícia, e sensacional” (Cummings, apud Pena, 2006, p. 90).
Aproveitando a metáfora de Cummings, no que diz respeito ao aquecimento global, como o pensamento hegemônico da ciência admite, o “homem” não mordeu apenas o cachorro; mordeu o planeta inteiro, e a mídia aproveita o gancho para cultivar o espetáculo, dando às reportagens que cobrem o clima um “quê” de cinema catástrofe hollywoodiano.
Isso pode ser verificado na pesquisa que realizamos. Na análise, que abrangeu todas as publicações O Globo e Veja (até junho de 2015), são comuns títulos que dramatizam o problema, como “Alerta global” (utilizado em duas edições de Veja: ed.1885, de 22/12/2004 e ed. 1981, de 08/10/2006), “A doença do planeta” (Veja, ed. 1094, de 30/08/1989), “Clima ameaça um milhão de espécies” (O Globo, de 08/01/2004) e “ONU: clima aumentará a desigualdade no mundo” (O Globo, de 07/04/2007).
A pesquisa em O Globo se deu na primeira página do jornal, e, em Veja, todo o conteúdo editorial da revista. Durante o período analisado, na revista Veja, 65% dos títulos de matérias ligadas ao tema possuíam um viés negativo e fatalista. Das manchetes de capa pesquisadas em O Globo, 50% apresentavam o mesmo viés.
No quadro 1, elencamos alguns dos vocábulos presentes nos títulos que atestam a dramatização e a negatividade com a qual o clima é apresentado aos leitores:
Quadro 1: Vocábulos utilizados nas reportagens de O Globo e Veja sobre mudanças climáticas:
A dramatização e a negatividade também estão presentes no material iconográfico das mídias, em que texto e imagem se aliam no sentido de potencializar a comunicação pelo viés sensacionalista, como podemos observar nas capas da revista Veja que tratam sobre mudanças climáticas e aquecimento global.
O leão marinho e o urso polar isolados em pequenas ilhas de gelo; o despertador alertando para a urgência do problema; a família de ursos com expressão desolada e a face nervosa da mulher, prestes a devorar o planeta espetado em um garfo: as capas da revista apelam para o espetacular ao abordar a questão.
Os títulos das capas roteirizam o drama que as imagens revelam, aumentando o apelo para chamar a atenção do leitor. O caráter espantoso, consequência da profunda perturbação da ordem contida na notícia, presente nas cinco capas da Veja, exemplifica a tendência da mídia em abordar as mudanças climáticas como fait divers, distanciando o tema do seu caráter científico.
Os “fatos diversos” (na tradução literal do francês) são “a matéria jornalística que não se situa em campo do conhecimento preestabelecido, como a política, a economia, ou as artes” (Lage, 2006, p. 58). Segundo Barthes (1964), o fait divers é uma informação total, que contém em si todo o seu saber: não é preciso conhecer nada no mundo para consumir um fait divers, ele não remete formalmente a nada, além dele próprio. Uma das características do fait divers é a sua capacidade de surpreender, e a mídia é pródiga em abordar as questões relativas ao aquecimento global por esse viés.
A informação atinge o público pelo drama, sem que haja uma efetiva alfabetização científica da sociedade a respeito da questão. Nesse aspecto, concluímos que um tema tão proeminente, quanto as mudanças climáticas e o aquecimento global, clama por uma cobertura que preze a busca da objetividade jornalística, em detrimento do fait divers, do sensacionalismo e da espetacularização da notícia.
Rubens Neiva é mestre em divulgação científica e cultural (Labjor/Unicamp) e jornalista da Embrapa.
Fonte: Com Ciência