É importante frisar: o problema não são as onças. O foco deste alerta é o risco oferecido aos ribeirinhos e as possíveis causas de alteração no comportamento desses animais.
André Luiz Siqueira, Alcides Faria e Rafael Chiaravalloti, diretores da Ecoa
– A Ecoa alerta para necessidade de multiplicar cuidados e que autoridades viabilizem a investigação cientifica imediata.
– A situação pode ter relação com os incêndios e a seca.
Em viagem recente, um grupo de campo da Ecoa constatou uma situação trágica: animais, principalmente onças pintadas, estão se aproximando, cada vez mais, das casas de ribeirinhos em busca de alimentos. Porcos e cachorros da população local foram atacados. Os relatos são principalmente no trecho a montante de Corumbá (MS), entre a região do Paraguai Mirim e a Barra do rio São Lourenço, nas proximidades do Parque Nacional do Pantanal.
Em dezembro de 2021 os moradores do Aterro do Binega deixaram suas casas e viajaram para a sede do município, Corumbá, para acertos com relação a documentos e quando voltaram todos os seu cachorros tinham sido devorados.
Na região do Porto da Manga, a jusante de Corumbá, mulheres coletoras de iscas também enfrentam esse mesmo desafio. Muitas têm que abandonar a coleta de isca bem mais cedo do que o de costume. Após as 6 ou 7 horas da noite, “chega a hora da onça”, como elas mesmo denominaram. Quando escurece, o risco de serem atacadas aumenta muito. Anteriormente as mulheres trabalhavam até as 4 ou 5 da manhã.
No Porto Chané os casos de encontros também têm sido diários. Moradores informam que todos os cachorros foram devorados por onças pintadas. Em um dos casos a onça invadiu a casa do morador, que teve que expulsá-la sozinho.
Na Área de Proteção Ambiental Baía Negra, em Ladário (MS), município vizinho a Corumbá, uma onça também atacou os cachorros da senhora Zilda, moradora de região nas proximidades da baia.
Membros da Ecoa sempre “conviveram” com onças no Pantanal, inclusive em situações que, junto com moradores, evitaram ataques a porcos. Alguns moradores como Vicente, indígena Guató da Barra do rio São Lourenço, sempre levam consigo a zagaia, arma de defesa frente a ataque de onças. Mas agora a Ecoa teme que o quadro apresentado acima se agrave, podendo ocorrer ataques à humanos, principalmente crianças.
É natural que se pense que esse novo cenário tenha a ver com os incêndios de 2020. Pesquisadores do Pantanal, incluindo nosso diretor científico Rafael M Chiaravalloti, estimaram a morte de 17 milhões de vertebrados como causa direta dos incêndios. Este número é possivelmente menor que o número real, se considerarmos os impactos indiretos dos incêndios. O estudo, publicado na revista Scientific Reports, aponta possíveis consequências desses incêndios, como por exemplo, quebra de alguns ciclos ecológicos, o que poderia levar a mudança de comportamento das onças. Ainda é cedo para apontar se há uma relação entre o aumento repentino de onças pintadas nas áreas ocupadas pelas comunidades ribeirinhas e os incêndios, no entanto, é algo importante para ser investigado.
A Ecoa está divulgando através das redes que participa, incluindo a Rede Clima Pantanal e Rede Pantanal, informe sobre este quadro e pedindo que as pessoas redobrem os cuidados, principalmente com as crianças.
Neste momento, entendemos que é necessário estruturar um grupo científico de estudo para recolher informações mais detalhadas sobre toda a situação.
Continuaremos com nossos alertas, ao mesmo tempo que no trabalho de prevenção com as brigadas comunitárias contra incêndios e o Prevfogo /Ibama para reduzir a possibilidade de fogo, situação que aproxima animais das casas dos moradores.
Por fim, solicitamos às autoridades especial atenção para o monitoramento dessa situação, inclusive analisando a possibilidade de apoio a conformação do grupo científico acima proposto na perspectiva de apontar soluções.