Peixes ameaçados: pesquisadora explica que represas no rio Cuiabá poderiam extinguir peixes como pacu, pintado e dourado em até 30 anos;
Luiza Peluso é doutora em Ecologia e Conservação e explica que a migração dos peixes para reproduzir seria interrompido por esse tipo de construção
No dia 17 de maio, a Secretaria do Meio Ambiente proibiu a construção das represas no rio Cuiabá, alegando que haveria geração de grandes impactos sociais, ambientais e econômicos;
Segundo estudos da Agência Nacional das Águas, a região do rio Cuiabá é considerada zona vermelha para construção de represas.
Confira a seguir a matéria feita pela jornalista Liz Brunnetto para o MídiaNews.
Liz Brunnetto, MídiaNews
A pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso, Luiza Moura Peluso, afirmou que a construção de Usinas e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ao longo do Rio Cuiabá poderia extinguir uma série de peixes da região e afetar a comunidade ribeirinha.
O tema ganhou os centros das discussões regionais e até nacionais após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir pela inconstitucionalidade lei estadual que proibia a instalação de usinas hidrelétricas em toda a extensão do rio.
Na mesma semana, a secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) negou o pedido de licença prévia da empresa Maturati Participações S.A para a construção de 6 PCHs projetadas para o Rio Cuiabá.
Bióloga com doutorado em Ecologia, Luiza explicou que o processo reprodutivo de peixes migradores como o pacu, pintado, dourado e a piraputanga seria afetado diretamente por esse tipo de construção, pois interromperia o ciclo de reprodução.
“Mudando o fluxo e reduzindo a água disponível vai afetar a biodiversidade e o principal grupo afetado por essas hidrelétricas seria o de peixes. A longo prazo, vamos dizer de 10 a 30 anos, esses peixes poderiam sim se extinguir localmente no Rio Cuiabá”, afirmou a pesquisadora.
A longo prazo, vamos dizer de 10 a 30 anos, esses peixes poderiam sim se extinguir localmente no Rio Cuiabá
“Para cumprir esse ciclo, eles necessitam desse movimento entre os rios que ficam na planície, região do Pantanal, com os rios que ficam aqui no planalto, na a região da Bacia do Cuiabá. Pesquisas já mostram que o Rio Cuiabá é um dos principais pontos de desova para essas espécies”, acrescentou.
Empresas alegam, por outro lado, que a medida seria benéfica, com “muita energia para pouco dano ambiental”, e que o ciclo reprodutivo dos peixes não seria interrompido, usando, elevadores para peixes e outros sistema que permitam a transposição.
“Vejo essas declarações como justificativas para defender a construção das hidrelétricas. Mas pesquisas mostram que muito dessa energia produzida nas hidrelétricas acabam não sendo usadas para a região que elas estão. Não vejo como favorável”, afirmou Luiza.
Segundo a pesquisadora, a transposição de peixes e elevadores defendida como medida paliativa aos impactos ambientais é, também, “questionável”.
“Tem vários casos, principalmente na bacia do Paraná, que já mostraram que essas medidas não são eficazes para os peixes, porque eles ocupam diferentes profundidades do rio. Algumas espécies são prejudicadas da mesma forma”, afirmou.
Para cumprir esse ciclo, eles necessitam desse movimento entre os rios que ficam na planície, região do Pantanal, com os rios que ficam aqui no planalto, na a região da Bacia do Cuiabá
Luiza disse, ainda, que hoje não há uma forma de construção mais “ecológica” de usinas e PCHs e que a alternativa é encontrar outras formas de produção de energia, como a solar.
“As PCHs são infraestruturas de alto impacto ambiental e sua construção envolve toda uma descaracterização e degradação do local”, explicou.
“No Rio Cuiabá, por exemplo, não tem cachoeiras ou queda livre, logo seria necessário construir barragens, represar o rio e isso mudaria totalmente a paisagem que a gente vê hoje, mudaria o curso do rio, das matas ciliares, tudo”, afirmou.
Base da alimentação
A população ribeirinha e de pescadores que tem no peixe a base de sua alimentação e da sua renda familiar seriam os mais afetados.
A diminuição ou extinção de algumas espécies de peixes no Rio Cuiabá, representaria, portanto, um risco real de insegurança alimentar, segundo a especialista.
“Toda a cadeia pesqueira seria prejudicada, os donos de hotéis e de restaurantes também. O peixe é muito usado na gastronomia cuiabana, isso impactaria também as populações tradicionais que o usam como a principal fonte de alimento”, disse.
Outras mudanças
Os danos e impactos graves a partir desse tipo de construção não param por aí. Segundo Luiza, com a mudança no fluxo de água e de nutrientes do Rio Cuiabá, um dos principais afluentes do Rio Paraguai, o Pantanal seria drasticamente prejudicado.
“O Rio Cuiabá tem o papel de abastecer e ajudar a regular o ciclo de seca e cheia no Pantanal, então, com as barragens das hidrelétricas o fluxo de água disponibilizado para inundação e formação das cheias poderia ser reduzido, resultando em secas mais longas”, afirmou.
Perderia um pouco dessa exuberância de fauna e flora
Com essa desregulação a biodiversidade como um todo sofreria as consequências e o Pantanal, hoje tido como ponto turístico do mundo, “perderia um pouco dessa exuberância de fauna e flora”, disse.
O Rio Cuiabá corta 13 cidades ao longo do seu percurso e, em consequência das secas prolongadas, é possível também o aumento gradual e significativo de temperatura.
“Nossa cidade já é seca e ficaria ainda mais. Haveria um aumento de temperatura e dos efeitos das mudanças climáticas que já ocorrem, além de menor disponibilidade de água, que poderia resultar em uma insegurança hídrica para a população”, completou.