Artigo da Embrapa Pantanal publicado em maio de 2012.
Por: Agostinho Carlos Catella, André Steffens Moraes, Débora Karla Silvestre Marques, Flávio Lima Nascimento, Jorge Antonio Ferreira de Lara, Márcia Divina de Oliveira, Ricardo Borghesi.
A pesca é uma das principais atividades econômicas, sociais e ambientais realizadas no Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde é exercida nas modalidades profissional-artesanal, amadora (ou esportiva) e de subsistência. Este é um momento oportuno para refletir sobre o papel dessa tradicional atividade, pois se encontra em tramitação o Projeto de Lei do Senado 750 de 2011, que “Dispõe sobre a Política de Gestão e Proteção do Bioma Pantanal…” e inclui no Capítulo V, Artigo 16 “Fica estabelecido um período de 05 (cinco) anos de moratória nos rios do pantanal brasileiro, tanto para pesca profissional como amadora…”.
Até 2008, foi registrado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura um total de 10,3 mil pescadores profissionais na Bacia, sendo 6,7 mil em Mato Grosso e 3,6 mil em Mato Grosso do Sul. A atividade é exercida em pequena escala, sendo o anzol o único aparelho permitido atualmente. O pescado destina-se, principalmente, ao abastecimento da população regional. A pesca é um modo de vida e parte integrante da cultura dos pescadores profissionais e de subsistência, detentores de um valioso “conhecimento ecológico tradicional”, um saber que vem sendo cada vez mais valorizado e considerado no manejo dos recursos naturais em todo o mundo. Por outro lado, os pescadores amadores são oriundos principalmente do Sudeste do País para o Mato Grosso do Sul e adquirem serviços de transporte, alimentação e hospedagem junto às agências do forte Setor Turístico Pesqueiro regional. Com base nos dados do Sistema de Controle da Pesca de Mato Grosso do Sul – SCPESCA/MS, que já possui 18 anos de estudos, o número de pescadores amadores registrados vem decaindo de 59 mil em 1999 para cerca de 17 mil em 2009 no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Esse fato, juntamente com o aumento de tamanhos mínimos permitidos e redução da cota de captura, contribuíram para a diminuição do esforço de pesca na região.
O rendimento da pesca depende do nível de exploração dos estoques pesqueiros e de fatores externos, que podem ser naturais ou antrópicos (causados pelo homem). A intensidade das inundações anuais é o principal fator natural da região, que influencia no desenvolvimento dos peixes, condicionando períodos mais ou menos produtivos da pesca. Os fatores antrópicos geralmente são irreversíveis e implicam alterações na qualidade do ambiente ou na manutenção dos processos ecológicos. São oriundos, sobretudo, das áreas de Planalto, com repercussão na planície pantaneira, destacando-se: (1) erosão dos solos e assoreamento dos rios e (2) contaminações dos principais rios por herbicidas e inseticidas, decorrente de atividades agropecuárias; (3) barramento dos rios pela construção de represas hidrelétricas; (4) desenvolvimento urbano com aumento da descarga de dejetos domésticos e industriais e remoção de matas ciliares; (5) introdução de espécies exóticas de peixes e moluscos; (6) mineração e transformação da paisagem e contaminação ambiental por mercúrio na mineração do ouro; (7) aumento do tráfego de grandes comboios de barcaças, que causam desmoronamento dos diques marginais e das matas ciliares nas manobras.
A pesca sustentável corresponde ao desfrute da produção excedente dos estoques pesqueiros, sem prejuízo ambiental. Pescando, realiza-se, o monitoramento dos estoques, tanto de forma direta, pela percepção dos pescadores sobre os peixes e as alterações do ambiente, quanto por meio de estudos com base em estatísticas pesqueiras. Nas pescarias multiusuários – como é o caso do Pantanal – ocorre uma saudável “fiscalização” mútua de um setor da pesca sobre o outro, o que vem a ser um mecanismo informal de controle da atividade. Dessa forma, a pesca praticada de forma regular, atendendo as normas legais vigentes, realiza o importante serviço de conservação – pelo uso – dos recursos pesqueiros e o monitoramento da qualidade ambiental do Pantanal para a sociedade.
Em 1998 iniciou-se um ciclo de cheias menores na Bacia, que perdurou até pelo menos 2010. Esse período natural de anos mais secos, juntamente com a ação dos fatores antrópicos mencionados, resulta num período de redução das populações de peixes e, consequentemente em menor rendimento da pesca. Entretanto, considerando a complexidade e a situação atual da pesca, não se justifica – sob o ponto de vista social, econômico e ambiental – a imposição de uma moratória para a pesca, como consta do referido Projeto. “Moratória” é uma medida extrema de manejo, a qual, caso seja preciso adotá-la, deve sê-lo por meio de uma norma complementar, para ser prontamente revertida quando necessário. Nas condições atuais, se adotada, essa medida não reduzirá os efeitos dos fatores externos à pesca e sim resultará na exclusão dos setores que efetivamente dependem e conservam os recursos pesqueiros, deixando o rio e o ambiente à mercê dos impactos oriundos de diversas fontes. A proibição da pesca, em suas diferentes modalidades, implicaria, ainda, sérios problemas sociais e econômicos. Haveria perda da cultura do pescador profissional, desemprego, gastos públicos com seguro-desemprego e recolocação das pessoas no mercado de trabalho, desarticulação do setor turístico pesqueiro, desaquecimento da economia regional, comprometimento da segurança alimentar e redução da oferta e aumento do preço do pescado, estimulando, ainda, a pesca e o comércio ilegais.
Não seria adequado, também, propor uma emenda ao referido Artigo 16 e permitir o pesque-e-solte para a pesca amadora, mantendo a moratória somente para a pesca profissional-artesanal. Isso implicaria em uso privilegiado dos recursos pesqueiros, um bem comum e, ao mesmo tempo, seria ineficiente sob o ponto de vista da conservação. Há mortalidade associada aos peixes devolvidos. Os peixes são injuriados, adquirem maior susceptibilidade a doenças e tornam-se presas mais fáceis; efeitos que repercutem negativamente sobre as populações nativas de peixes da região.
Em nosso entendimento, a solução está em adotar uma política de manejo e conservação dos recursos pesqueiros mais efetiva, utilizando meios que vão além da simples regulamentação da pesca, voltando-se para a definição, controle e fiscalização das atividades que podem causar danos ao ecossistema e, por conseguinte, à produção pesqueira. Em curto prazo, é importante distribuir o esforço de pesca sobre um maior número de espécies, utilizando espécies subaproveitadas, tais como o curimbatá (Prochilodus lineatus). É importante, ainda, agregar valor ao pescado, investindo no desenvolvimento das cadeias produtivas do pescado e do couro de peixe. É estratégico criar um programa para certificação do “Pescado do Pantanal”, associando o produto a valores de conservação e manutenção ambiental e valorização das comunidades tradicionais, o que é bem considerado atualmente, assim como estimular a cooperação entre os setores da pesca.
Concluindo, ao invés de propor uma moratória para a pesca, o momento se configura como uma grande oportunidade para desenvolver, com base em maior participação social, uma política clara e inovadora para a pesca em toda a Bacia do Alto Paraguai, contemplando os interesses dos diferentes setores da atividade e promovendo um melhor retorno do uso dos recursos pesqueiros para a sociedade.