O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o terceiro maior banco de desenvolvimento do mundo em ativos e suas estratégias, programas e políticas têm grande impacto socioambiental e econômico no Brasil e no exterior. Pensando nisso, organizações como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Instituto Socioambiental lançaram na terça-feira (10) o livro Política Socioambiental do BNDES: Presente e Futuro.
Em entrevista para o Brasil de Fato, Alessandra Cardoso, assessora de Planejamento, Monitoramento e Avaliação do Inesc e uma das organizadoras do livro, avalia que o banco é parte fundamental da estratégia de desenvolvimento do país e questiona sua política socioambiental e a transparência com que ele divulga as informações e avaliações que realiza ao público. “A política socioambiental tem que considerar todo o projeto. Tem que ter uma avaliação de risco, tem que ter transparência na divulgação dos dados para a sociedade”, disse.
Confira a entrevista:
– O que levou à publicação do livro?
O livro é fruto do trabalho de vários pesquisadores e organizações que olham para o BNDES como um grande banco que usa recursos públicos para o desenvolvimento, atuando fortemente em projetos de infraestrutura, energia e mineração, não só no Brasil.
As reflexões que o livro aborda são fruto da preocupação desses pesquisadores e organizações com os impactos socioambientais oriundos desses grandes projetos, todos financiados pelo BNDES, que é parte importante nessa história. Esses projetos têm de 70% até 80% de financiamento dele, oriundos do Tesouro, o que já produz uma dívida pública de longo prazo.
O livro quer discutir qual o papel do BNDES nessas obras, que desenvolvimento é esse que ele tem contribuído para produzir, que gerou um rastro de destruição ambiental e violação de direitos. É uma reflexão na perspectiva socioambiental do banco.
– Por que o BNDES financia projetos que causam impactos socioambientais?
O banco tem uma estrutura de técnicos muito robusta, capaz de fazer avaliações de risco, principalmente no retorno do ponto de vista do financiamento. Mas a gente quer questionar essa visão de desenvolvimento do BNDES.
O banco estatutariamente é um braço financeiro das estratégias do governo federal e está a serviço dessas estratégias. Quando queremos discutir porque 35% dos empréstimos do BNDES vão para obras de infraestrutura – e dentro disso uma boa parte vai para as hidrelétricas de Belo Monte, do Madeira, uma série de outras hidrelétricas e projetos de mineração – estamos querendo fazer uma reflexão mais ampla: o BNDES é parte desse processo, mas a tomada de decisão é do governo.
Uma série de organizações e movimentos sociais estão olhando com muita atenção e preocupação a atuação do Brasil em outros países, por meio do BNDES principalmente, que tem financiado a exportação de empresas brasileiras, mas que de fato está financiando projetos e grandes obras que, tanto aqui quanto no exterior tem gerado destruição e conflitos socioambientais.
– Por que o BNDES prioriza obras em grandes escala, que contam com grandes empresas?
É importante reconhecer a importância histórica do Brasil ter um banco de desenvolvimento. Isso supõe empréstimos mais robustos, de longo prazo, inclusive para grandes empresas.
Idealmente, esses empréstimos e desenvolvimento tem sempre que ter uma base de agregação de valor industrial, porque isso é capaz de posicionar o país dentro da Divisão Internacional do Trabalho (DIT) nesse processo de desenvolvimento que está na base do sistema capitalista.
A grande questão é que na verdade, mesmo que o BNDES continue financiando grandes empresas, ele optou nas duas últimas décadas – e essa é uma opção do governo brasileiro – de aprofundar o nosso padrão primário exportador.
Não investimos em grandes empresas de tecnologia ou grandes empresas capazes de agregar valor. Não investimos em tecnologia, o que investimos é em expandir a capacidade das mineradoras de extrair minério para a China, do agronegócio de produzir soja, biodiesel, dendê, carne para Europa e China, e toda infraestrutura que o BNDES financiou no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram infraestruturas funcionais para esse padrão de crescimento.
– E qual o papel do BNDES em financiar os pequenos e médios produtores e empresários?
O BNDES tem um papel importante para financiar o pequeno e médio empreendedor, mas também outros bancos públicos fazem isso, como o Banco do Brasil e a Caixa. O que é problemático é uma opção extremada por grandes empresas de base extrativista exportadora e a infraestrutura necessária à essa expansão. O BNDES é um instrumento desse padrão de desenvolvimento. E vemos recentemente quais são os efeitos desse padrão, com o rompimento das barragens da Samarco Vale em Minas Gerais.
O que o banco faz hoje é alegar que está cumprindo a legislação brasileira, porque exige que as empresas apresentem uma licença ambiental e de operação, mostrando que ela está apta a operar. Só que nós sabemos hoje que o processo de licenciamento não dá conta de avaliar, mitigar e monitorar os impactos, tanto é que tivemos o rompimento das duas barragens.
– Como as organizações avaliam a política socioambiental do BNDES?
Consideramos que ela é muito frágil. Ele tem sua política de enquadramento da operação, e nesse questionário faltam coisas óbvias, como por exemplo se esse projeto interfere em áreas indígenas, mesmo as que não foram regulamentadas formalmente. O banco tem procedimentos internos, tem questionário de enquadramento, que na nossa visão é falho, produz avaliações de risco, mas não permite que nós da sociedade tenhamos acesso a essas informações. Queremos saber até hoje como foram feitas as avaliações de risco de Belo Monte, e até agora não sabemos. O BNDES alega sigilo e não abre essas informações.
– Em relação à transparência dessas informações, o que fazer para que o BNDES divulgue essas avaliações para a sociedade?
Nossa avaliação é que não depende da legislação. As leis já estão aí, como a lei da transparência. São informações públicas, não consideramos que sejam informações sigilosas, e inclusive a experiência de requisitar as informações de Belo Monte talvez seja um divisor de águas para o banco mudar seu padrão de transparência nessas ações. O banco já publica uma série de informações na sua página BNDES Transparente. É um avanço! O banco teve um esforço de publicar e sistematizar essas informações sobre empréstimos, sobre localização dos empréstimos, mas as informações internas sobre seus processos de informação, que são fundamentais para avaliar a política socioambiental, são ainda muito frágeis.
– Se a política socioambiental do banco hoje é frágil, como seria uma política que tivesse impactos reais?
É uma política que tem que considerar todo o processo. A avaliação de risco, o enquadramento do projeto devem ser robustos. Tem que ter uma avaliação de risco socioambiental, tem que ter transparência na divulgação dos dados para a sociedade.
O banco tem que internalizar nos seus procedimentos de seguimento e monitoramento das obras um olhar mais atento, mais próximo do cumprimento da legislação ambiental.
E por fim a questão da auditoria socioambiental independente deve ser considerada. O exemplo da pesca e dos recursos pesqueiros em Belo Monte, e como isso não foi contemplado devidamente no licenciamento, é um que mostra a importância desse processo. É preciso uma consultoria produzindo informação técnica e qualificada, que vá além das previsões do licenciamento.
São informações que não podem ser produzidas pelo empreendedor, que não é isento para isso. Não são possíveis de ser produzidas pelo órgão licenciador, porque o Ibama não tem essa capacidade e atribuição. Ele faz a vistoria e analisa com base no que a empresa oferece de informação, então a gente precisa ter um terceiro elemento independente que produza essas informações.
Se uma obra tem 10, 20 bilhões de reais liberados pelo BNDES, ele obviamente tem todas as condições de usar uma parte dessa liberação para esse tipo de avaliação, que nos ajude a entender um pouco melhor o que são os impactos sociais e ambientais dessas grandes obras.
Fonte: José Coutinho Júnior – Brasil de Fato