Por Tainá Jara
Acentuados, os períodos de chuvas e de seca, durante o ano de 2019, revelaram de forma alarmante ameaças aos principais paraísos ecológicos de Mato Grosso do Sul. Logo no início do ano, os turvamentos fora da normalidade chamaram a atenção de frequentadores dos rios da Prata, Formoso e Sucuri, localizados na região das cidades de Jardim, Bonito e Bodoquena, principais destinos turísticos do Estado. Na metade do ano, o número e intensidade dos focos de incêndios no Pantanal exigiram medidas emergenciais para evitar desastres ainda maiores.
A intensidade dos desastres pode ser considerada atípica, o que não significa sua repetição ou aprofundamento. Diante do afrouxamento das políticas ambientais, sucateamento do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e criminalização das ONGs (Organizações não Governamentais) ligadas a preservação do meio ambiente, a expectativa dos ambientalistas é de que o cenário possa piorar.
Para biólogo e diretor institucional do Ecoa, Alcides Faria, considerando os eventos deste ano, e as reações a eles, as perspectivas não são boas para os próximos anos. “Primeiramente, a probabilidade de ocorrência de eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, é a cada ano mais alta, situação que favorece os incendiários, por exemplo. O fator político, por outro lado, não favorece a área ambiental. Ao contrário, as políticas impulsionam a degradação dos bens naturais. O ocorrido em Bonito é uma triste mostra”, avalia.
O gestor ambiental e coordenador de projetos da Fundação Neotrópica, Rodolfo Portela, ressalta a importância de investir em ações para amenizar a degradação a partir de ações do homem de forma planejada e não agir apenas em situações emergenciais. Os problemas ambientais verificados neste ano revelaram o desalinho dos gestores públicos para lidar com situações tão drásticas. “A gente vê que o Estado ainda não tem políticas adequadas para combater de frente estes problemas”, explica Portela.
O rio que virou barro
A lama tomou conta dos rios e tornou quase irreconhecíveis as águas cristalinas que tornaram a cidade de Bonito, distante 265 quilômetros de Campo Grande, um dos principais destinos turístico do mundo. A intensidade dos chamados turvamentos persistiu durante todo o período de chuvas, entre novembro de 2018 e março de 2019. Quem viajou para curtir os balneários da região acabou voltando decepcionado e preocupado em talvez não ver mais os cursos da água transparentes como já foram um dia.
Sinal de alerta disparou ainda em novembro de 2018, com a drástica transformação na paisagem no balneário, por onde passa o Rio da Prata, em Jardim, município distante 234 quilômetros da Capital. Uma semana depois, as águas do Rio Formoso, em Bonito, também se encontravam enlameadas.
A situação motivou a criação de comitê de emergência para combater a lama e levou a notificação de produtores rurais da região por não terem construído curvas de nível no manejo do solo para o plantio de soja. Mesmo assim, a situação persistiu nos primeiros meses do ano fazendo com que o governo do Estado alterasse as regras para proteger os mananciais da expansão da agropecuária. Conforme, o MPE (Ministério Público do Estado), a prática econômica responde por 30% dos problemas de degradação no entorno dos rios.
“Nota-se que as práticas de conservação do solo, não foram adotadas nessas regiões, assim como a conservação das matas ciliares. Os dados mostram que a maioria das nascentes dos rios está degradada. Ou seja, com a ausência de vegetação nativa. Então esse fenômeno pode ficar cada vez mais recorrente”, explica o gestor ambiental, Rodolfo Portela.
Dados da Fundação Neotrópica mostram que a degradação das áreas de preservação permanente atinge 7.752 hectares de mata ciliares dos rios de Bonito. O valor corresponde a quase 20% do total de 38.273 áreas de APP existentes no município eleito cartão postal do Estado. Dos mais de 7 mil hectares, 1,4 mil é referente a proteção em torno do Rio Formoso, famoso pelas águas cristalinas que marcam o paraíso ecológico.
Ambientalistas estimam que em dez anos, acúmulo de sedimentos nos rios do Estado possa ser irreversível, caso medidas imediatas não sejam tomadas. “O plano seria investir na manutenção de estradas, em práticas de conservação do solo, construção de terraço, plantio direto e recuperação das matas ciliares. Aliado a isto, também, conservar áreas essenciais de recursos hídricos, como os banhados do Rio Formoso e do Rio da Prata. Eles são essenciais para manter a qualidade da água e atenuar os efeitos de ações antrópicas, combinadas com as mudanças climáticas, que fazem com que os rios fiquem turvos”, explica Portela.
O alagado que virou cinza
Quem assistiu o fogo consumir a vegetação e a fuga dos animais em busca da sobrevivência não imaginava estar sobre a maior planície alagada contínua do mundo. A equipe do Campo Grande News verificou de perto o desastre, além dos riscos enfrentados pelo brigadistas do Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) ao tentar apagar as chamas no Pantanal por R$ 988 ao mês.
A maior parte dos focos foram verificados na região de Corumbá, especialmente entre agosto e setembro deste ano. Áreas também foram incendiadas nos municípios de Miranda e Bodoquena. O avanço das chamas exigiu medidas emergenciais do governo do Estado e pedido de ajuda dos governos do Distrito Federal e de São Paulo, para reforçar a estrutura de combate ao fogo.
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que, entre janeiro e 12 de setembro deste ano, houve um aumento de 324% nos focos no Pantanal em relação ao mesmo período do ano passado.
Mesmo diante da seca atípica, o fenômeno é investigado pelo Ibama para apurar se os incêndios registrados na parte sul-mato-grossense do bioma foram provocados por ação humana. Conforme os ambientalistas, cerca de 90% dos focos de incêndio surgem de práticas criminosas. Portanto, fiscalização e consciência ambiental são ferramentas indispensáveis para proteção do meio ambiente.