O Plano Decenal entre Brasil e China de 2012 e o Plano de Ação Conjunta de 2015 se inserem em conjunturas diferentes. No século XXI, as relações Brasil-China assumiram um forte sentido estratégico no nível bilateral e multilateral, com ênfase na cooperação Sul-Sul. Em termos multilaterais, o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) tornou-se referência na defesa de reformas na governança global e na defesa do desenvolvimento, inclusive com a criação do Banco dos BRICS. Na agenda bilateral, as parcerias antes focadas nos setores de tecnologia (como o da construção de satélites) e no comércio, ampliaram-se. Com isso, manteve-se esta pauta, que ganhou amplitude com os novos acordos: o Plano Decenal Brasil e China (2012) e o Plano de Ação Conjunta (2015). Neste artigo, objetiva-se uma breve comparação entre ambos.
O Plano de Ação Conjunta entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China (2015-2021) formulado em 2015 e o Plano Decenal de Cooperação entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China estabelecido em 2012 se inserem em contextos diferentes, apesar do curto período de tempo. Isso resulta em diferenças, mas igualmente semelhanças. Em 2012 tanto o Brasil, quanto a China apresentavam um cenário marcado pelo crescimento de suas economias e estabilidade política, havendo um ambiente positivo em ambos. Porém, em 2015 o contexto transformou-se substancialmente, a queda de 8% da Bolsa de Xangai em 24 de agosto de 2015 gerou especulações no mercado financeiro sobre a solidez da economia chinesa, e no Brasil a retração do PIB, os cortes no orçamento público, a instabilidade politica, derivada do processo de um possível impeachment da presidenta reeleita democraticamente em 2014, resultaram em um clima negativo e instável.
Comparativamente, o Plano Decenal estabeleceu sua atuação nas áreas de ciência e tecnologia, energia e infraestrutura, investimento, comércio e cooperação cultural, respeitando as características econômicas, estratégias de desenvolvimento e regulamentos de ambos os países, demonstrando respeito à soberania e a politica de não intervenção em assuntos internos, princípios da politica externa dos dois Estados. O Plano de Ação Conjunta complementa o documento assinado em 2012, tendo como objetivos gerais o fortalecimento dos acordos de nível bilateral e execução das iniciativas de cooperação, derivadas da Parceria Estratégia Global, estabelecida em 2012. O plano de 2015 também destaca o papel da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) como o principal órgão político responsável pelos documentos e o futuro das relações bilaterais sino-brasileiras.
O Plano Decenal cita como um dos objetivos políticos a reforma dos organismos multilaterais, no qual o sistema de quotas e governança do FMI e do Banco Mundial desempenhavam papéis centrais na agenda multilateral. No entanto no Plano de Ação Conjunta tais fins não constam: as reivindicações são de âmbito geral, sem metas pré-definidas, como a coordenação em órgãos multilaterais cujos temas sejam relacionados aos países emergentes, governança global e fortalecimento do multilateralismo (as tentativas de reforma de tais organizações falharam).
Destaca-se um avanço nas relações entre a China e a América Latina, através do Fórum China-CELAC e Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste (FOCALAL) demonstrando o aprofundamento nas relações entre as duas regiões. Porém a reforma do Conselho de Segurança permanece apenas no nível do diálogo, sem um posicionamento chinês favorável a entrada do Brasil ao CSNU, não atendendo a reivindicação brasileira.
As similitudes dos acordos na área de Ciência e Tecnologia, destacam a coordenação em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), financiamento de iniciativas bilaterais, lançando o Centro de Biotecnologia Brasil-China e a cooperação espacial, através do programa CBERS, e pesquisas em tecnologias de ponta. Neste campo da nanotecnologia e da computação na nuvem, demonstra-se a disposição chinesa em compartilhar e desenvolver tecnologias com o Brasil, permitindo um avanço destes setores no país.
A área de energia, mineração e agricultura se inserem na agenda, objetivando a agregação de valor local no produto final, como os investimentos em exploração e desenvolvimento de recursos em petróleo e gás, através de joint-ventures entre empresas brasileiras e chinesas e criação de conglomerados para promover tecnologias chinesas no Brasil e tecnologias brasileiras na China, dentro da lógica de compartilhamento de tecnologias. A questão cultural também é abordada, incentivando o estabelecimento de Centros Culturais da China no Brasil e vice-versa, cooperação cinematográfica e educacional, tal ação é importante para promover um maior contato entre as culturas e facilitar futuras negociações.
Ainda na lógica de semelhanças, o plano de 2012 afirma a necessidade de diversificar os investimentos, principalmente nos setores de alto valor agregado, sendo prioritário o co-desenvolvimento de tecnologias próprias, avançando além da complementaridade entre as duas economias, e estabelecimento de joint-ventures, visando à produção industrial de produtos com tecnologia intensiva no Brasil. O acordo destaca o papel central da economia na parceria Brasil-China, reafirmando o compromisso de diversificar as relações comerciais sino-brasileiro. Visa encorajar a diversificação dos fluxos comerciais, especialmente as exportações de alto valor agregado de produtos brasileiros, tendo como meta duplicar os fluxos bilaterais de comércio até 2016 em comparação com 2011 (PLANO DECENAL, 2012). O acordo de 2015 reafirma a cooperação em comércio e investimentos, principalmente em infraestrutura, como os investimentos chineses no setor ferroviário brasileiro, e politicas para expandir a participação de produtos com tecnologia agregada nas exportações brasileiras para o mercado chinês, concentradas em commodities (PLANO DE AÇÃO CONJUNTA, 2015).
Apesar destes objetivos os meios para sua implementação levantam dúvidas sobre sua eficácia, dado a alta taxa de concentração das exportações brasileiras em commodities e em poucos produtos, no qual soja, minério de ferro e petróleo bruto somam mais de 70% das exportações, dificultando a inserção de novos bens. A meta de duplicar os fluxos comerciais de 2011 até 2016 parece improvável dada a queda nos preços dos produtos agrícolas e a desaceleração da economia da China. Os desafios da indústria brasileira, como a baixa competitividade e o custo Brasil, o atual processo de desindustrialização e a instabilidade política impõem obstáculos aos investimentos chineses tanto no setor produtivo quanto no de infraestrutura.
Em resumo, o Plano de Ação Conjunta não apresenta grandes novidades em relação ao Plano Decenal. Afinal, foram mantidas suas linhas principais: o diálogo, o respeito à soberania, os projetos para transferir tecnologia e o esforço para atenuar as assimetrias comerciais bilaterais. Da mesma forma, não há sinalização de uma implementação sustentada, realidade causada pela desaceleração econômica mútua e, principalmente, a crise política nacional. Assim, permanecem instáveis as perspectivas para 2016 e a relação bilateral Brasil-China poderá perder novas oportunidades, ao não se aprofundar ou dar continuidade aos projetos, sejam eles os de 2012 ou os de 2015.
Referências Bibliográficas:
Ministério das Relações Exteriores. “Plano de Ação Conjunta entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China- 2015-2021”. Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9687:visita-oficial-do-primeiro-ministro-da-republica-popular-da-china-li-keqiang-ao-brasil-documentos-brasilia-19-de-maio-de-2015&catid=42&Itemid=280&lang=pt-BR#pac-pt >. Acesso em: 16 de outubro de 2015.
Ministério das Relações Exteriores. “Plano Decenal de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China”. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2012/plano-decenal-de-cooperacao-entre-o-governo-da-republica-federativa-do-brasil-e-o-governo-da-republica-popular-da-china/ >. Acesso em: 16 de outubro de 2015.
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “Intercâmbio comercial brasileiro: Países e Blocos Econômicos”. Disponível em: < http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=5&menu=576 >. Acesso em: 15 de outubro de 2015.
Fonte: Mundorama