Por Paula Isla Martins, bióloga e pesquisadora da Ecoa.
As baías de Chacororé e Sinhá Mariana são importantes santuários de valor ecológico único e singular, com características ecológicas diferentes de todas as outras baías do Pantanal. Ao longo dos anos, essas baías têm sofrido uma terrível redução hídrica. Atentos a esse problema, pesquisadores da Universidade do Estado de Mato Grosso publicaram uma nota técnica referente a um estudo onde identificaram, quantificaram e analisaram a origem das alterações causadas ao sistema hídrico nessas baías. Na publicação, também se avaliou alterações hidrológicas relacionadas às chuvas e/ou às atividades antrópicas nas escalas local e regional (bacia hidrográfica) e foram propostas ações visando minimizar ou cessar estas alterações, bem como recuperar os ambientes avaliados.
A publicação denominada “Análise de alterações hidrológicas das baías de Chacororé e Sinhá Mariana (Pantanal Mato Grossense) e recomendações para recuperação”, foi coordenada pela professora da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), Carolina Joana da Silva, membro da Rede Pantanal; pela professora Daniela Maiomoni de Figueiredo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pelo Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual, doutor Marcelo Caetano Vacchiano.
A nota técnica explica que ambas as lagoas são marginais ao rio Cuiabá, reguladas pelo seu pulso de inundação, por meio de várias conexões laterais de aporte de água, nutrientes e biodiversidade (fluxo genético). Após visitas técnicas e diversas análises, os pesquisadores afirmam que os principais fatores que estão contribuindo para a seca das baías de Chacororé e de Sinhá Mariana decorrem de ações antrópicas causadas em níveis local e regional, ainda que a redução do volume de água dessas baías no período de cheia do ano de 2021, esteja relacionada, primariamente, com a redução das chuvas na região.
Os principais fatores antrópicos relacionados à redução no volume de água das baías são: assoreamento nas margens da MT 040, pavimentação e aterramento da MT 040, construção de drenos, obstrução de corixos, dinâmica de operação do reservatório do APM Manso, estradas vicinais e de acesso às propriedades, degradação de áreas de preservação permanente (APPs).
As principais medidas para recuperação sugeridas no trabalho são a desobstrução dos corixos (ação tida como prioritária), conter o desmatamento e as construções que vêm ocorrendo nas APPs do rio Cuiabá, realizar adequações na MT-040 e nas estradas vicinais, impedir a construção de novos drenos e propor tecnologias sustentáveis para agricultura e pecuária que sejam mais adequadas. O texto também destaca a importância de dialogar constantemente com as comunidades locais e promover ações de educação científica, ambiental e de sensibilização para a região pantaneira.
O texto traz um destaque também para os problemas que a hidrelétrica Aproveitamento Múltiplo de Manso, construída no encontro dos rios Manso (principal afluentes do rio Cuiabá) e Casca, tem trazido para a região, que é altamente influenciada por seu regime de inundação. Dentre os diversos impactos socioambientais, o texto destaca alterações na qualidade de água e diminuição na vazão do rio Cuiabá, que é fundamental para manter os regimes de inundação do rio e reprodução dos peixes.
A redução na quantidade de peixes do rio Cuiabá em decorrência da hidrelétrica já tem sido percebida por pescadores da região. O rio Cuiabá é uma das principais rotas migratórias dos peixes pantaneiros, sendo essencial para sua reprodução, garantindo fonte de renda e segurança alimentar para milhares de famílias. É por isso que a Nota Técnica destaca a importância de se manter esse rio livre de barragens e enfatiza a necessidade de não implantação de novas represas conforme disposto no estudo “Avaliação dos efeitos da implantação de empreendimentos hidrelétricos na região Hidrográfica do rio Paraguai para suporte à elaboração do plano de recursos hídricos da RH Paraguai – Projeto Hidrelétricas BAP”, contratado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), coordenado pela Fundação Eliseu Alves. Atualmente a implantação de seis novas barragens foram solicitadas à Secretaria de Mato Grosso (SEMA), mas estão barradas devido a uma Ação Civil Pública (processo nº 1010861-87.2021.8.11.0041) com pedido de liminar para proteção e conservação das baías de Chacororé e Sinhá Mariana.
De forma resumida, as principais recomendações dispostas na Nota, para evitar a seca nas baías de Chacororé e Sinhá Mariana foram:
- Reestabelecer o pleno funcionamento das estações fluviométricas ao longo de todo o rio Cuiabá;
- Retomar o monitoramento da qualidade e da quantidade de água por parte de Furnas;
- Realizar estudo para definir o hidrograma ecológico do rio Cuiabá;
- Adotar o hidrograma ecológico como norteador da dinâmica de funcionamento da usina;
- Suspender instalação de novas hidrelétricas na bacia do rio Cuiabá (para assinar a petição, clique aqui)
- Realizar audiências públicas que possibilitem a participação dos grupos sociais envolvidos;
- Desenvolver um programa permanente de educação científica e ambiental;
- Criar unidades conservação;
- Implantar uma agenda de desenvolvimento local participativo
Para a professora Carolina Joana, a Nota Técnica “A nota técnica oportunizou a divulgação de uma parceria entre agentes do judiciário, do meio ambiente e de Universidades para emergir conhecimentos e práticas socioambientais para dar suporte ao MPMT em prol da justiça social e ambiental, e trouxe como resultado a suspensão temporária de 6 projetos de PCHs no Rio Cuiabá, a montante das Baías Chacorore – Sinhá Mariana”
Carolina Joana é professora da UNEMAT e membro da Rede Pantanal.
A Nota Técnica completa está disponível aqui .