Via Diálogo Chino
Na última década, as empresas estatais (SOEs, sigla em inglês) da China conquistaram um nicho como proprietárias e operadoras de serviços de eletricidade em países da América do Sul, fruto de diversas aquisições de redes de energia na região. Como as empresas estatais mudam de seu papel anterior de construtoras para investir em grandes ativos de energia, formuladores de políticas na América do Sul e em Washington devem considerar as implicações de ter essas empresas na vanguarda desses serviços.
Países devem avaliar o risco de Beijing orientar suas empresas estatais a usar suas posições como poder de barganha no caso de um conflito diplomático. Nesse cenário hipotético, empresas estatais poderiam aumentar o custo da energia e até chegar ao ponto de interromper os serviços.
Embora medidas como essas possam constituir uma resposta extrema, a China está disposta a exercer o poder comercial em disputas com outros países, como demonstrou um episódio recente com a Austrália.
Além disso, as redes de energia estão cada vez mais entrelaçadas com a infraestrutura digital das cidades — o que proporciona uma abertura para que a China introduza backdoors em infraestrutura crítica. Como resultado, líderes sul-americanos podem estar menos dispostos a rejeitar as reivindicações de Beijing em organismos internacionais, como em questões que vão desde as origens da Covid-19 até discussões relacionadas a direitos humanos, caso a manutenção de serviços básicos esteja em jogo.
Do ponto de vista de Washington, o crescente papel da China como prestadora de serviços pode melhorar a percepção de engajamento econômico chinês na região, abrindo caminho para o fortalecimento das relações com os países sul-americanos e excluindo os Estados Unidos.
Isso é capaz de gerar apoio para objetivos políticos mais amplos de Beijing. Formuladores de políticas dos Estados Unidos deveriam incentivar os países sul-americanos a salvaguardar suas redes energéticas, comunicando riscos potenciais e assumindo mais liderança no desenvolvimento da infraestrutura na região.
Empresas chinesas entram na América do Sul por meios não competitivos
Apesar da propaganda ocasional, o Partido Comunista da China (PCCh) se recusa em grande parte a cortar o excesso de capacidade das empresas estatais. Uma alternativa tem sido incentivá-las a buscar contratos internacionais — primeiro por meio da política “Going Out” e depois com a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, sigla em inglês).
Apoiadas por financiamento estatal barato, empresas estatais podem participar de projetos com os quais as empresas com fins lucrativos não conseguem competir. Beijing também apoia os esforços das empresas estatais para ganhar mais espaço no mercado, muitas vezes independentemente dos ganhos comerciais, em setores que considera estrategicamente importantes.
Empresas como a State Grid têm um histórico impressionante de construção de redes de energia em regiões em desenvolvimento, particularmente na África Subsaariana e na Ásia Ocidental, superando outras empresas graças aos subsídios de Bejiing.
Dessa maneira, as SOEs acumularam uma rica experiência de trabalho em ambientes difíceis, tornando-as parceiras atraentes para os países latino-americanos que podem ter redes de energia não confiáveis. Hoje, as SOEs possuem quase 24,4 bilhões de dólares em redes de energia na América do Sul, com 8,9 bilhões de dólares em negócios fechados só no ano de 2020.
Os investimentos que as empresas estatais chinesas fazem na América do Sul ainda não incluem nenhum projeto greenfield. São todas aquisições. Por exemplo, em junho de 2020, a State Grid anunciou a aquisição de 100% da Chilquinta Energía S.A., o braço chileno da Sempra Energy, com sede em San Diego, bem como duas empresas adicionais que fornecem serviços de construção e manutenção elétrica para a Chilquinta.
A estratégia de aquisição permite às empresas chinesas entrar no mercado com mais facilidade, contando com os sistemas e know-how existentes. Além disso, a aquisição possibilita que a State Grid — e por extensão a China — conhecimento sobre as operações das empresas americanas de energia, como a Sempra.
O crescente interesse da China na região
A China está assumindo um novo papel na região como provedora de serviços por meio de recentes investimentos em redes de energia. Historicamente, o engajamento econômico na América do Sul se enquadra na busca de longa data da China por matérias-primas e mercados de exportação globais.
O compromisso internacional de Beijing é moldado de acordo com cada região. Áreas ricas como os Estados Unidos e a União Europeia, geralmente atraem mais investimentos, enquanto regiões em desenvolvimento como a África Subsaariana e a Ásia Ocidental atraem mais atividades de construção.
Até o momento, a abordagem da China na região tem se baseado mais em diplomacia. No entanto, a pandemia está mudando a dinâmica em todo o mundo
Desde 2005, entretanto, a América do Sul já recebeu 54 bilhões de dólares em contratos de construção e recebeu 129 bilhões de dólares em investimentos. A maior parte do investimento se concentrou na extração de matérias-primas, como o petróleo na Venezuela e o cobre no Peru. No entanto, com o investimento em redes de energia, uma nova tendência está surgindo.
Até o momento, a abordagem da China na região tem se baseado mais em diplomacia. No entanto, a pandemia está mudando a dinâmica em todo o mundo.
A retaliação comercial da China pelo endosso da Austrália a uma investigação sobre as origens do novo coronavírus demonstra que Beijing está disposta a fazer uso de mecanismos comerciais em conflitos diplomáticos. A Austrália é o lar de mais de 100 bilhões de dólares em investimentos da China e, como a América do Sul, é uma importante fornecedora de matérias-primas.
Conforme as ambições globais de Beijing crescem, é importante ter aliados na América do Sul. O PCCh já se ajustou e fornece, hoje, financiamentos e cooperação em infraestrutura para convencer países latino-americanos a romper os laços com Taiwan.
Respondendo à nova presença da China na América do Sul
Os legisladores em Washington estão tentando responder ao BRI e ao envolvimento econômico mais amplo da China nos países em desenvolvimento. Um passo imediato deve ser informar outros países sobre os riscos de fazer negócios com entidades da China por meio de intercâmbios diplomáticos e de informações confiáveis.
Além disso, os Estados Unidos, que há muito enxergam o envolvimento estrangeiro em setores estratégicos na América Latina como uma ameaça potencial à sua própria segurança nacional, deveriam determinar quais setores e países são de alta prioridade para reduzir os ganhos da China nesses mercados.
A maioria dos países trata as redes de eletricidade como ativos estratégicos, limitando o investimento estrangeiro no setor. Países da América do Sul podem receber o investimento da China agora, mas fariam bem em entender melhor os riscos específicos envolvidos. Posteriormente, os Estados Unidos deveriam liderar o desenvolvimento da infraestrutura crítica da região, salvaguardando, em última instância, a estabilidade no Hemisfério Ocidental.