Por Amelia Gonzalez
Não é de se estranhar o fato de o apicultor Nicolas Géant, que se ocupa das colmeias da Catedral Notre Dame – que teve o telhado devastado por um incêndio – ter recebido mensagens e ligações de todo o mundo de pessoas perguntando se as abelhas haviam morrido por causa do fogo. É porque não é de hoje que os apicultores vêm se preocupando, globalmente, com o desaparecimento das abelhas. Campanhas têm surgido com o objetivo de tentar recuperar a saúde desses insetos, responsáveis pela polinização de mais de 70% das plantas. Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO), das Nações Unidas, 85% das plantas com flores das matas e florestas dependem dos polinizadores:
“A polinização das abelhas é fundamental para garantir a alta produtividade e a qualidade dos frutos em diversas culturas agrícolas”, diz a organização em seu site.
Não custa lembrar também o alerta que o físico alemão Albert Einstein (1879 – 1955) deu ao mundo:
“Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.”
Mas a notícia é boa: muitos já perceberam a urgência de ações.
A mais recente campanha a favor da polinização é a “Million Pollinator – Garden Chalenge”, formada em 2015, que já tem, registrados, mais de um milhão de jardins e paisagens para apoiar os polinizadores. Qualquer pessoa pode contribuir para a causa, segundo seus organizadores: é só plantar – pode ser em casa mesmo, desde que tenha uma janela com sol – uma flor para atrair os polinizadores. As abelhas se sentem atraídas sobretudo por plantas aromáticas, especialmente as que dão flores miúdas, e de todas as cores. E que elas estejam sempre bem regadas e, sobretudo, longe dos pesticidas.
Manjericão, manjerona, alecrim, dente de leão, hortelã, margaridas e girassóis também são um deleite para abelhas. Neste site há outras informações importantes para quem quiser fazer parte da comunidade global a favor dos insetos polinizadores.
Aqui no Brasil, onde há cerca de três mil espécies de abelhas, a maior parte delas sem ferrão, foi em Brotas, interior de São Paulo, há pouco mais de dez anos, que foi detectado, pela primeira vez, o desaparecimento das abelhas. Em 2013, uma reportagem do jornal “The New York Times” informava que uma doença misteriosa há anos vinha afetando a apicultura nos Estados Unidos, e que isto vinha se expandindo drasticamente a ponto de ameaçar a vida das abelhas. Em algumas regiões da Europa o fenômeno também já vem sendo observado não é de hoje.
A proposta de se criar uma rede global, uma espécie de trabalho de formiguinhas, para defender nossos polinizadores, e assim nossa saúde, é um dos muitos resultados positivos que se vê a partir das redes sociais. Recebi outro dia, sob forma de mensagem, a sugestão de criar uma espécie de casa de abelha a partir de dois ou três pedaços de madeira onde são feitos alguns furos. Não tenho tanta habilidade manual, mas estou auxiliando a produção de uma horta comunitária onde são plantados os tipos prediletos das abelhas.
É uma forma absolutamente saudável de incluir pessoas em prol de uma boa causa.
Mas é preciso também que se fique atento aos motivos que estão levando ao desaparecimento das abelhas. E não há estudo ou demonstrativo que não aponte entre as causas o uso excessivo de agrotóxicos nas plantações. Assisti a um documentário, tempos atrás, que mostra uma experiência feita por apicultores, que puseram uma espécie de antena numa abelha que foi contaminada e em outra, que não foi. A abelha que consumiu, de forma compulsória, as substâncias químicas, não conseguia retornar para a colmeia, como fazem todas. Seu voo parecia desorientado, como se ela estivesse embriagada ou como se seu sistema nervoso tivesse sido atingido.
É bom lembrar que o processo produtivo agrícola brasileiro está cada vez mais dependente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos. Recentemente, o governo liberou ainda mais registros de alta toxidade, entre eles o Sulfoxaflor, que já foi acusado de exterminar as abelhas nos Estados Unidos, segundo reportagem publicada no site do jornal “El País”.
Não faltam denúncias, alertas. Dados que apontam a gravidade do problema que vem com o fato de o Brasil ser, desde 2008, o maior mercado mundial de agrotóxicos, são a todo momento divulgados. Ontem mesmo (18), dados do próprio Ministério da Saúde e depois compilados pelo Repórter Brasil, Agência Pública e Public Eye apontaram que, em 45 cidades do Sul de Minas, a água que chega às estações de tratamento está contaminada por algum tipo de agrotóxico.
O uso abusivo dos agrotóxicos, portanto, que para a indústria de alimentos é parte do “grande desafio de alimentar dez bilhões de pessoas até o fim do século”, também pode ser o viés responsável pela maior dificuldade em se obter produtos saudáveis para a população. Quando se inclui no rol de problemas causados pelos produtos químicos – muitas vezes borrifados por aviões em áreas de plantação, o que atinge também a população do entorno – o fim dos insetos polinizadores, podemos estar caminhando, de fato, para um futuro onde passaremos a nos alimentar, cada vez menos, de comida de verdade.
O dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), lançado em 2015 sob o título “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde”, é um compêndio necessário para quem se interessa pelo tema. Logo na abertura, os pesquisadores trazem o pensamento de Rachel Carson que diz:
“A dúvida é se a civilização pode mesmo travar esta guerra contra a vida sem se destruir e sem perder o direito de se chamar de civilizada”.
Carson escreveu “Primavera Silenciosa”, estudo publicado em 1962, comprovando o impacto dos agrotóxicos na vida. Hoje, quando percebo tantos em prol de garantir a função dos polinizadores no mundo, fico em parte satisfeita porque a mensagem foi ouvida. Em parte, fico preocupada porque seremos poucos, talvez, para a grande aceleração que parece estar sendo preparada pelo mundo das indústrias para garantir nosso alimento. Há que ter um limite, e os cidadãos comuns estão sentindo isso.