MARCOS FANTIN, GLOBO RURAL
Há mais de 40 anos, Aldo Machado dos Santos trabalha com apicultura em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Tanto tempo de manejo de abelhas o fez testar – e aprovar – um jeito de integrar a produção de mel com a de grãos: a polinização em soja.
Ele aponta que há certo preconceito no processo com a oleaginosa em razão do uso de agrotóxicos, mas garante que, se os químicos forem aplicados da forma correta, a lavoura pode ser rentável tanto para o produtor quanto para o apicultor.
“No período em que a soja floresce, não tem outro tipo de florada aqui na região, então, tínhamos que alimentar essas abelhas. Com o produtor utilizando todos os agroquímicos de forma correta, comecei a não perder abelhas e notei que elas começaram a produzir mel também. Os enxames cresciam muito na época da soja”, conta Machado, que adota a prática há 12 anos.
Em 2021, a polinização da soja feita tem sido um sucesso, segundo ele. “Preparamos as colmeias antes da florada da soja para chegar com os enxames prontos. Com cerca de 800 caixas, colhemos mais de 23 toneladas de mel só na soja”, revela.
Ao longo dos últimos anos, os apicultores têm percebido que a soja pode ser um ótimo pasto apícola, afirma Décio Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do comitê científico da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.).
“O ingresso da soja nesse circuito quebra alguns paradigmas que estavam estabelecidos na apicultura, e uma delas é o de plantas melíferas, o que a soja não era considerada até 10 anos atrás”
Décio Gazzoni, pesquisador da Embrapa e membro do comitê científico da A.B.E.L.H.A.
Gazzoni explica que os sojicultores que seguem as recomendações técnicas, plantam a variedade adequada na época certa e aplicam um bom preparo e manejo de solo se beneficiam da presença de abelhas com ganho de produtividade.
O pesquisador conta que são vistos aumento de 10% a 15% na produção da oleaginosa, e que já houve registros de até 30% a 40%.
“Vale lembrar que o custo de produção não aumenta. Gasta a mesma quantidade de sementes, fertilizantes, óleos diesel, óleos de trator, tratamento fitossanitário, pesticidas, controle de pragas, ferrugem etc. É um ganho líquido”, ressalta.
Manejo especial
O pesquisador alerta para os principais pontos de atenção do manejo. “Estamos falando de uma interação que exige atitudes de ambos os lados. A primeira delas são as boas práticas, tanto por parte do agricultor como do apicultor.”
Se o apicultor utiliza caixas fracas, as coloca de qualquer maneira, não troca sua rainha, ou o agricultor não cuida do controle de pragas e pesticidas, pode haver problemas para as abelhas.
“Se não respeitar as regras, desobedecer tecnologias de aplicação e outras coisas, problemas acontecerão. Tem que haver comunicação entre os dois lados para saber o que cada um está fazendo e, assim, no final da safra um colher mais mel e o outro mais soja.”
O mel de soja é uma novidade no mercado, conta Gazzoni. Segundo ele, no começo havia dúvida de como o consumidor receberia o produto. “Hoje, o mercado está aberto e deve continuar assim, pois paga muito bem”, observa.
Ele ainda destaca outro ganho da produção conjunta: a sustentabilidade. “Toda e qualquer ação que pudermos fazer para mostrar ao mundo que estamos atentando para questões de sustentabilidade, meio ambiente e abelhas, que são pautas importantes, contribuem para a imagem do Brasil lá fora, principalmente na Europa”, finaliza.