A estiagem que tem limitado a produção de energia nas hidrelétricas brasileiras será comum nas próximas décadas, e outros países devem enfrentar situações semelhantes. E quem acha que dá para contornar o problema ligando termelétricas fósseis pode se dar mal: as térmicas terão restrições de operação maiores ainda, por falta de água.
A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores da Holanda e da Áustria, que analisou como o aquecimento global afetará o comportamento de 26 mil usinas hidrelétricas e termelétricas em todos os continentes.
O grupo estima que mais de 80% das hidrelétricas estudadas e mais de 60% das termelétricas terão alguma perda de capacidade útil entre 2040 e 2069 devido à mudança do clima.
As hidrelétricas sofrem – como aprenderam os brasileiros – porque chove menos ou porque os períodos de estiagem no ano ficam maiores, o que reduz a quantidade de água dos reservatórios ou a vazão dos rios (no caso das usinas a fio d’água). Já as térmicas têm problemas não apenas por causa da menor vazão, mas também devido ao aumento da temperatura da água dos rios. Como essas usinas usam água (e muita) para seu resfriamento, rios mais quentes significam perda de eficiência na geração.
Hidrelétricas e termelétricas respondem, juntas, por 98% da eletricidade produzida no mundo. Estima-se que o consumo de água para alimentar o crescimento dessas duas modalidades de produção de energia vá dobrar nos próximos 40 anos.
Os autores, liderados por Keywan Riahi, do IIASA (Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas), na Áustria, estimam que a perda média de capacidade útil das usinas hidrelétricas no mundo possa ser de até 3,6% em 2050. Na América do Sul, que depende de hidrelétricas para gerar 63% de sua eletricidade, a perda pode chegar a 5,5% no pior cenário.
Para as térmicas o dano tende a ser ainda maior: a perda de capacidade útil é estimada em 7% a 12%, já que estas usinas são afetadas por dois problemas correlatos.
O novo estudo, publicado nesta segunda-feira na edição on-line do periódico Nature Climate Change, lança mão de dois modelos computacionais. Um é físico, simulando a variação na disponibilidade de recursos hídricos e na temperatura da água conforme dois cenários do IPCC (o painel do clima das Nações Unidas): o mais otimista, no qual a humanidade consegue limitar o aquecimento da Terra a menos de 2oC em relação à era pré-industrial, e o mais pessimista, no qual o planeta esquenta mais de 4oC neste século. A esse modelo físico foi incorporado um outro, de funcionamento das hidrelétricas e das térmicas.
Se o leitor achar que já viu isso antes, é porque viu, mesmo: abordagem semelhante foi utilizada no ano passado por cientistas da Universidade Federal do Ceará e da Coppe-UFRJ para estimar a vazão das hidrelétricas brasileiras em três períodos deste século (2040, 2070 e 2100) de acordo com o que vaticinam os modelos do IPCC, que ganharam um “zoom” regional. Os estudos integraram o projeto “Brasil 2040”, encomendado e depois rejeitado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Segundo os dados do 2040, os rios de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Tocantins, Bahia e Pará poderão ter reduções de vazão de 10% a 30% até 2040. Transpostos para as usinas, os dados de vazão trazem um desafio para o setor de energia no Brasil: na média, a geração hidrelétrica no país cairia de 8% a 20%.
As mais importantes usinas do país – Furnas, Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior cenário. Na Amazônia, região eleita pelo governo a nova fronteira da hidroeletricidade no país, as quedas também seriam significativas: a vazão de Belo Monte cairia de 25% a 55%, a de Santo Antônio, de 40% a 65%, e a da usina planejada de São Luís do Tapajós, que teve seu leilão marcado para o meio do ano, de 20% a 30%.
Se os planejadores de energia governo desconfiavam dos resultados do Brasil 2040, o estudo austro-holandês deveria dar-lhes pausa para a reflexão, já que vai na mesma linha. Os mapas do estudo apontam inclusive reduções maiores no Sudeste-Centro-Oeste, mesma região que o Brasil 2040 considera crítica.
Riahi e colegas, no entanto, não fizeram a análise econômica necessária ao entendimento do comportamento real das usinas – o chamado “modelo de despacho”, feito no Brasil 2040 pelo grupo liderado por Roberto Schaeffer, da Coppe.
Os cientistas do IIASA e da Universidade de Wageningen, na Holanda, reconhecem que a situação climática é desafiadora, mas apontam uma saída: um aumento de eficiência de ordem de 10% nas usinas hidrelétricas poderia equilibrar a situação em quase todo o planeta. Menos em dois lugares: a Austrália e a América do Sul, que ainda teriam reduções de capacidade útil mesmo com medidas de adaptação.
Para as termelétricas o problema é maior ainda, já que há limites econômicos para a adoção de tecnologias alternativas de resfriamento. Estas poderiam elevar o custo de produção de energia entre 3% e 8%.
“A combinação de várias opções de adaptação (…) poderia ser uma estratégia mais eficaz para reduzir os impactos de restrições hídricas sobre o fornecimento global de eletricidade”, escrevem Riahi e seus colegas. “Um foco mais forte do setor de eletricidade em adaptação, além da mitigação, é, portanto, altamente recomendado para sustentar a segurança hídrica e energética nas próximas décadas.”
Fonte: Observatório do Clima