/////

As impressionantes fazendas solares da China que estão transformando a geração de energia mundial

13 minutos de leitura

Via BBC News
Por Chris Baraniuk

Painéis solares formam panda gigante avistado do alto. Foto: Getty Images
Painéis solares formam panda gigante avistado do alto (Foto: GETTY IMAGES/BBC)

China – Ao sobrevoar o condado de Datong, é possível avistar pandas gigantes. Um até acena. Eles são feitos de milhares de painéis solares.

Juntos, e somados a outros painéis, eles formam uma fazenda de cem megawatts, cobrindo 248 acres. Na verdade, é um parque solar até pequeno para os padrões chineses – mas certamente é patriótico.

“Ele está projetado e construído com a imagem do tesouro nacional chinês – o panda gigante“, explica um documento da Energia Verde Panda, empresa que ergueu a fazenda.

A China tem uma capacidade de geração de energia solar como nenhum país no mundo, uma gigantesca soma de 130 gigawatts. Com todos os investimentos que o Brasil vem fazendo no setor, o país ainda não tem capacidade para produzir nem 2 gigawatts (menos de 1% do total).

A China abriga muitas fazendas solares gigantes – incluindo a enorme unidade de Longyanxia, que produz 850 megawatts, no Planalto do Tibete; e a maior fazenda solar do mundo, no deserto de Tengger, com capacidade para produzir 1.500 megawatts.

Mercado gigante

Esses projetos custaram milhões de dólares, mas será que valeram a pena? E serão suficientes para garantir as metas de energia verde?

A China é o maior produtor de tecnologia solar do mundo, ressalta Yvonne Liu na Bloomberg New Energy Finance, uma empresa de pesquisa de mercado. “O mercado é muito grande”, ela afirma. “É como um política industrial para o governo.”

De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), mais de 60% dos painéis solares são fabricados na China. O governo tem um interesse econômico claro, portanto, em garantir que haja grande demanda para esses equipamentos.

Além disso, ao aumentar os recursos de energias renováveis, as autoridades estão se dando um tapinha nas costas. Limpar a matriz energética chinesa é um objetivo fundamental de política pública. Quase dois terços da eletricidade do país ainda vêm da queima de carvão.

Não é de se espantar que as vastas e ensolaradas planícies do norte e noroeste da China tenham se tornado lar de fazendas solares gigantes. Há muito espaço para erguê-las, e o recurso solar é relativamente confiável. Além disso, sua construção vem avançando em ritmo alucinante. A IEA informa que a China cumprirá sua meta de capacidade de energia solar em 2020, três anos antes do previsto.

Deve haver outro incentivo por trás do impulso chinês de construir fazendas solares em regiões politicamente sensíveis. Nas últimas décadas, muitos observaram que a China tem encorajado o investimento em infraestrutura no entorno do Tibete – uma região autônoma que abriga muitos daqueles que rejeitam a reivindicação chinesa do território. Alguns argumentam que tal investimento tem motivação política – um esforço de cimentar a autoridade da China e apoiar a etnia chinesa que se mudou para essas áreas.

Um empreendimento extraordinário usa painéis solares para aquecer uma rede subterrânea projetada para derreter a camada de gelo da permafrost, para que árvores cresçam na área. A ideia é tornar a região mais atraente para o estabelecimento de colonos chineses.

Geografia desfavorável

Mas a construção de fazendas solares gigantes no meio do nada tem suas desvantagens. Para entender o motivo, precisamos novamente olhar para China de cima. Em 1935, o geógrafo Hu Huanyong desenhou o que hoje é conhecido como o famoso “Hu Line”, do nordeste ao centro-sul da China. Ele divide o país em duas porções mais ou menos iguais. Menos igual é a distribuição da população. A grande maioria, ou 94%, vive na porção leste. O restante, 6%, no oeste.

“A distribuição da China de recursos de energia solar é totalmente oposta”, afirma Yuan Xu, da Universidade Chinesa de Hong Kong.

Muitos dos painéis solares do país, portanto, estão localizados longe das grande cidades que precisam deles. O resultado disso é um incrivelmente baixo “fator de capacidade” – a porcentagem de eletricidade que realmente é retirada de um determinado recurso.

As fazendas solares em Qinghai aproveitam ao máximo o sol e céu limpo do Planalto Tibetano (Foto: GETTY IMAGES/BBC)
As fazendas solares em Qinghai aproveitam ao máximo o sol e céu limpo do Planalto Tibetano (Foto: GETTY IMAGES/BBC)

Citando dados do Conselho de Eletricidade da China, nos primeiros seis meses de 2018, o fator de capacidade solar do equipamento chinês foi de apenas 14,7%, diz Xu. Então, enquanto as fazendas solares podem ter a capacidade, digamos, de 200 megawatts, menos de um sexto disso realmente é usado.

As razões para o baixo fator de capacidade incluem fatores sobre os quais não há controle, como o clima. Mas os fatores de capacidade da China são excepcionalmente baixos. Parte do problema, diz Xu, é a energia perdida ao longo das gigantes linhas de transmissão, com muitos quilômetros de extensão, que conectam as distantes fazendas solares a locais que precisam de eletricidade. É uma situação que Xu classifica como “um sério desequilíbrio”.

Investimento em tecnologia

A China já tentou resolver o problema desenvolvendo linhas de transmissão com tecnologias mais avançadas, explica Jeffrey Ball, do Centro de Políticas Energéticas e Finanças da Universidade Stanford. As inovações incluem linhas diretas de alta capacidade – mas essas não estão sendo construídas na velocidade esperada.

E há outra complicação que atualmente está se tornando preocupante para a indústria solar chinesa. Em maio, o governo reduziu drasticamente os subsídios para projetos de larga escala desse segmento. Os cortes públicos ocorreram porque um fundo gerenciado pelo governo de energias renováveis está com dívidas que superam os US$15 bilhões (R$ 60 bilhões).

“Eles não podem mais garantir o subsídio”, diz Liu. O efeito disso é drástico. No ano passado, 53 gigawatts de capacidade solar foram instaladas na China. Neste ano, Liu espera que as novas instalações não cheguem a totalizar 35 gigawatts – uma queda de mais de 30%.

Em meio a esse clima pouco atraente, investidores estão se afastando das remotas fazendas solares e indo em direção a outras oportunidades, diz Liu. Cobrir terraços de grandes cidades com painéis solares e vender eletricidade diretamente a consumidores é mais atraente no momento, ela explica. Os clientes podem ser administrados à medida que esses projetos crescem, e o dinheiro flui melhor, em tese, especialmente agora que os subsídios se foram das instalações solares.

Mas Liu, Ball e Xu concordam que nunca se viu fazendas solares gigantes como as da China.

“Acho importante reforçar que a influência da China não é simplesmente em enormes projetos solares construídos em suas fronteiras, mas também fora do país”, afirma Ball.

Várias grandes fazendas solares estão sendo construídas ao redor do mundo, muitas das quais na Índia. Quando estiverem próximas de serem concluídas, irão competir pelo título de “maior parque solar do mundo”. Muitas terão relações claras com a China.

Por exemplo, o complexo de Benban no Egito. Cobrindo 37 quilômetros quadrados e ostentando uma capacidade planejada de geração entre 1.600 e 2.000 megawatts, esse é um empreendimento impressionante. E uma empresa que participa da construção, a TBEA Sunoasis, é chinesa.

Devido à ineficiência de transmissão de eletricidade por longas distâncias, os painéis solares de terraços tendem a ser mais eficientes do que as remotas fazendas solares (Foto: KEVIN FRAYER/BBC)
Devido à ineficiência de transmissão de eletricidade por longas distâncias, os painéis solares de terraços tendem a ser mais eficientes do que as remotas fazendas solares (Foto: KEVIN FRAYER/BBC)

A Panda Green Energy, que construiu as estações em forma de panda em Datong, tem planos de instalar mais fazendas solares na China que se pareçam com os tradicionais ursos. E a companhia também pretende construir parques solares atraentes em outros países – incluindo o que descreve como um “panda + design de rugby” em Fiji, e um “panda + o design da folha de bordo”, no Canadá.

Liu ressalta que os painéis solares estão cada vez mais baratos. Por isso, não deve demorar muito até que os subsídios chineses se tornem irrelevantes. Espera-se que entre três e cinco anos a tecnologia tenha barateado o suficiente para se construir as usinas sem a ajuda do governo, afirma a especialista.

Mas se os parques solares gigantes continuarem a ser construídos, outra complicação ignorada será o destino desses gigantes em décadas futuras, com o lixo que isso irá gerar. Os painéis duram apenas cerca de 30 anos. É difícil reciclá-los, porque eles contêm substâncias químicas prejudiciais, como ácido sulfúrico. A China deve deparar com um repentino aumento do lixo da energia solar a partir de 2040, e ainda não há planos claros sobre o que fazer com o material.

O lixo dos painéis solares é menos problemático, provavelmente, do que os resíduos nucleares, mas é outro desafio a ser superado para garantir que a energia solar em larga escala de fato seja uma tecnologia verde.

Teremos que lidar com este problema em algum momento. Como Ball explica, o grande interesse em energia solar barata, com ou sem subsídios, vai provavelmente levar à construção de fazendas enormes nos próximos anos. “No entanto, por maiores que esses projetos pareçam agora, haverá muito mais deles, e eles terão que ser ainda maiores”, diz ele. Em outras palavras, não vimos nada ainda.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog