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BNDES poderia ter mudado o curso do desmatamento na Amazônia, mas lavou as mãos

35 minutos de leitura

Autor: Naira Hofmeister, Pedro Papini e Fernanda Wenzel/ O Eco

Com R$ 21 bilhões* em empréstimos e participação acionária nos maiores frigoríficos que operam na Amazônia, o BNDES, o banco de desenvolvimento do Brasil, poderia ter mudado o curso da destruição na floresta. Mas abriu mão de assumir o papel decisivo que lhe competia na agenda preservacionista, deixando livre o caminho para o descontrole ambiental que, sob Jair Bolsonaro, coloca em risco aspirações econômicas do país e compromete a imagem pública nacional.

Editada em 2009, a resolução 1854 do BNDES impõe exigências a frigoríficos bovinos que busquem financiamento, garantindo que o dinheiro público não seja usado em atividades associadas ao desmatamento, grilagem e invasão de terras indígenas e unidades de conservação. Desde que passou a valer, R$ 13,2 bilhões foram injetados pelo banco nos três maiores frigoríficos da Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva – cujas operações na floresta envolvem 1,8 milhão de hectares sob risco de desmatamento, uma área quase do tamanho do Sergipe.

A quase totalidade do recurso, R$ 11,2 bilhões, foi destinada às três companhias em modalidades de contrato que exigem como contrapartida a rastreabilidade completa da cadeia de fornecimento, desde o nascimento, até o abate do boi. É a única forma de garantir que o produto vendido nas prateleiras do supermercado não é proveniente de uma área desmatada irregularmente, porque cada animal costuma passar por duas, três ou mais fazendas antes de virar bife no nosso prato.

Mas isso nunca foi executado. Tanto que em julho deste ano, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais mostraram que as relações indiretas entre pecuaristas e frigoríficos são responsáveis por contaminar com desmatamento 17% de toda a carne que o Brasil exporta para a União Europeia. Isso ameaça o acordo de livre comércio entre o bloco comunitário e o Mercosul, que depois de 20 anos de negociações, pode ser agora derrubado pelo voto de desconfiança emitido pelo Parlamento Europeu.

A falha é admitida até pelos frigoríficos. Em 2020, Marfrig e JBS voltaram a prometer este avanço, pedindo mais prazo para atingir a meta. Já a Minerva começou recentemente um projeto piloto de avaliação de riscos relacionados aos fornecedores indiretos.

Mas na visão do BNDES, não houve motivos para repreensão. Em resposta a um pedido feito pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação (LAI), o banco afirma que as exigências dos contratos com os frigoríficos “foram cumpridas de forma satisfatória, não tendo havido, até o momento, nenhum evento de descumprimento que ensejasse aplicação de medidas punitivas ou corretivas por inadimplemento contratual”. Instado a apresentar os relatórios semestrais nos quais esses resultados eram expostos, o BNDES alegou que “são privados, protegidos por sigilo empresarial”.

“É uma postura muito ruim, ainda mais diante de um cenário de emergência climática. Esse investimento deveria ser revisto ou, no mínimo, deveria haver uma cobrança muito mais aguda. Mas nunca houve transparência para a sociedade em relação ao acompanhamento dessas metas”, lamenta Adriana Charoux, porta-voz do Greenpeace para questões da Amazônia. O próprio documento da resolução não está disponível para consulta no portal do banco, onde há apenas uma apresentação genérica de sua aplicação. A reportagem de ((o))eco precisou insistir durante três semanas para obtê-lo.

Em dezembro de 2018, a então chefe do Departamento de Meio Ambiente do BNDES, Daniela Baccas, reconheceu em entrevista ao ((o))eco que a exigência de rastreabilidade não havia sido alcançada: “A gente tinha um sonho de que fosse implementada até 2016. Foi uma aposta, e não aconteceu conforme imaginávamos”.

Esperando que o descumprimento da própria regra tivesse sido debatido dentro da instituição, ((o))eco solicitou através da LAI o acesso a atas de reuniões, memorandos e relatórios internos do banco que tratassem da implementação do compromisso contra o desmatamento. A resposta que obtivemos foi que “o BNDES não produziu documentos com o teor e no período em questão”.

Questionado novamente agora, através da assessoria de imprensa, o banco não respondeu de maneira objetiva à reportagem. Sobre o monitoramento dos indiretos, se limitou a dizer que “busca atuar de maneira articulada com as autoridades competentes para implementar melhorias nos seus procedimentos no que diz respeitos aos aspectos ambientais dos projetos”. Salientou também “que os critérios e diretrizes estabelecidos resultaram em impactos positivos nas práticas de sustentabilidade das empresas”. A resposta completa do BNDES pode ser lida aqui.

Os frigoríficos não tomam dinheiro público do BNDES desde 2017, mas JBS e Minerva ainda estão sujeitas a essa obrigação em razão de operações anteriores, enquanto a Marfrig tem apenas contratos com condições menos rigorosas em vigor – que não exigem o monitoramento de fornecedores indiretos.

A Marfrig enviou mensagem à reportagem dizendo que não comentaria o assunto. A Minerva informou que “sempre cumpriu com a resolução 1854/2009” e a JBS assegurou que “cumpriu com todas as condições contratuais, saldando integralmente suas obrigações nos prazos devidos”.

Sede do BNDES no centro do Rio de Janeiro. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Cobrança da dívida seria forma de pressão

As diretrizes para a pecuária do BNDES foram criadas na esteira de um grande movimento para conter o desmatamento, que em 2008 chegou a quase 13 mil km² – foi a última vez na década que a taxa teve dois dígitos, o que só voltou a acontecer em 2019. Em 2020, até outubro, a floresta tinha perdido 7,9 mil km² para o fogo e as motosserras – uma área quase do tamanho de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, a quarta maior capital do Brasil em extensão territorial.

Investigações do Greenpeace e do Ministério Público Federal (MPF) demonstraram, na época, que a indústria frigorífica estava no centro do problema do desmatamento porque comprava animais sem cobrar regularidade ambiental de fornecedores. O MPF impôs multas de mais de R$ 2 bilhões por danos ambientais causados pela atividade irregular dos pecuaristas que forneciam aos frigoríficos. A repercussão negativa levou o setor a uma crise de confiança e – além da norma 1854 do BNDES – o ano de 2009 viu nascer também o Compromisso Público da Pecuária, assinado por JBS, Marfrig e Minerva, e os Termos de Ajustamento de Conduta instituídos pelo MPF primeiro no Pará e depois em outros estados da Amazônia Legal. Nos três casos, havia previsão de rastreamento completo da cadeia de fornecimento.

Mas enquanto ONGs e MPF pressionavam as companhias a cumprirem essa meta tornando públicos os deslizes com os compromissos assumidos, o BNDES tinha um meio muito mais efetivo para alcançar o objetivo: ele poderia romper contratos e cobrar as dívidas de forma antecipada – um poder que ganha enorme dimensão quando esse banco é o maior financiador da indústria frigorífica nacional.

“Nunca ficou claro quem cobraria o compromisso do BNDES, mas o banco fez uma regra e não cumpriu. Ficou uma lacuna”, observa Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon.

Por outro lado, o banco revelou através de um pedido via LAI feito pela reportagem que, desde 2009, apenas sete pedidos de financiamento vinculados à atividade pecuária foram recusados pela instituição: dois não atendiam a todos os critérios exigidos, dois tinham documentação incompleta e outros três foram barrados por deliberação do Comitê de Enquadramento e Crédito do BNDES. O mais comum foi ter havido desistência das empresas, o que aconteceu seis vezes no período.

Mesmo assim, o banco defende o sucesso de sua política, atribuindo às regras da resolução 1854/2009 a implantação de sistemas de bloqueio de fornecedores diretos cujas áreas estejam embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) ou que figurem em listas de trabalho escravo.

De fato, pressionadas pelo BNDES e pelos outros instrumentos de controle, as companhias desenvolveram sistemas rigorosos que fiscalizam seus fornecedores diretos, garantindo que os pecuaristas que vendem animais para o abate não desmatam nem protagonizam conflitos agrários ou utilizam mão de obra escrava em suas fazendas. Mas esse controle nunca foi ampliado para além da última porteira de fazenda, de onde o gado sai direto para o frigorífico.

Uma estimativa feita pelo diretor de Sustentabilidade da Marfrig, Paulo Pianez, em um evento virtual recente, calculava que, por trás de cada fornecedor direto da empresa, haja de 5 a 10 indiretos: “Então, se forem 16 mil fornecedores no bioma Amazônia, como é o caso da Marfrig, são na verdade mais de 100 mil propriedades para monitorar”, exemplificou.

Adesão gradual ajudaria produtor

A justificativa dada pelo BNDES ao ((o))eco em 2018 para o fracasso da meta de controle completo da origem do rebanho é a mesma utilizada pelos próprios frigoríficos: não foi possível avançar porque os sistemas não dão conta da complexidade da cadeia, que inclui muitas etapas de fornecimento e é descentralizada, o que dificulta a cobrança de um padrão.

“Não foi uma coisa do banco, ou dos frigoríficos. Em dez anos, o país não conseguiu chegar a uma conclusão sobre como fazer isso”, argumentou Daniela Baccas, dois anos atrás. Se é verdade que o Brasil não implantou um sistema completo de rastreamento nesse período, também é fato que as ferramentas que poderiam viabilizar esse controle já existem e estão em uso, embora de forma desconexa e nem sempre voltadas a esta finalidade.

Mas o BNDES previu em sua norma um mecanismo que facilitava a adesão à rastreabilidade: as diretrizes para a pecuária previam que o monitoramento fosse implementado de forma progressiva. Enquanto o CPP passaria a cobrar essa meta a partir de outubro de 2011, e o TAC contaria dois anos a partir da data de assinatura para fazer a exigência, o banco público criou uma tabela que permitia a incorporação gradual dessa etapa na rotina dos frigoríficos ao longo de seis anos.

Essa régua partia de uma rastreabilidade mínima – as fazendas nas quais o boi tivesse passado seis meses antes de ser morto – que deveria ser implementada em 25% dos animais em 2010. O ápice se daria em 2016, quando seria exigido o monitoramento integral de todas as propriedades nas quais o rebanho adquirido pelos frigoríficos tivesse passado nos 48 meses anteriores ao abate. É o tempo máximo que vive um exemplar criado para a indústria frigorífica.

Mas isso também não ajudou a impulsionar o compromisso. Pelo contrário, o banco seguiu distribuindo recursos para as mesmas empresas que não o cumpriam. A JBS, por exemplo, recebeu aportes em dezembro de 2009, já com a resolução 1854 em vigor, e depois em junho de 2010. A Marfrig assinou contratos de financiamento que exigiam a rastreabilidade completa em 2010 e depois em 2012.

“Essa meta é perfeitamente possível e tecnicamente factível. As próprias empresas dizem que o nível de cobrança de alguns players, particularmente dos bancos e investidores, é o que determina o nível de ambição e celeridade com os compromissos que essas companhias assumiram. Então o papel do BNDES seria induzir negócios sustentáveis, mas o banco continuou dando recursos a empresas que não estão cumprindo com o que se comprometeram a fazer em 2009”, lamenta Charoux, do Greenpeace.

Banco é sócio e tem influência interna

O banco de desenvolvimento do Brasil também teve a oportunidade de influenciar a conduta dos frigorífico desde dentro, uma vez que investiu, entre 2007 e 2012, mais de R$ 16 bilhões na compra de ações da JBS e Marfrig. Como sócio dos frigoríficos, o BNDES ganhou direito a voto na condução das políticas socioambientais das empresas. O BNDES possui 21% do capital social da JBS e chegou a concentrar 34% do da Marfrig – em ambos os casos, o banco só perdeu em influência para as famílias fundadoras das companhias.

Essa posição não é trivial. A gestora de capitais norte-americana BlackRock – outro importante financiador da indústria mais associada ao desmatamento da Amazônia – justifica que, com 2% de participação na JBS, sua voz não é ouvida nas reuniões de acionistas, embora desejasse influenciar a política socioambiental da empresa: “Devido à estrutura societária das empresas desse ramo, que possuem um pequeno grupo que detém a maioria das ações, o impacto dos votos de acionistas minoritários como a BlackRock é limitado”, disse a gestora ao ((o))eco em agosto.

Em dezembro de 2019, o BNDES vendeu sua participação na Marfrig por R$ 2,1 bilhões. Segundo os dados do Portal de Transparência da instituição, os lucros obtidos enquanto o banco era sócio da empresa chegaram a R$ 1,5 bilhão.

Havia planos de também se desfazer da participação acionária na JBS, mas isso não se concretizou. “A BNDESPar contratou um consórcio de bancos para assessorá-lo na operação de venda das ações da JBS. O banco aguarda o momento oportuno do mercado financeiro também para realizar o desinvestimento”, informa a assessoria de imprensa da instituição.

A política dos campeões nacionais

As diretrizes da pecuária foram formuladas dentro da lógica de impor exigências mais pesadas a operações que expusessem o BNDES a um risco maior. Nessa escala, enquanto os empréstimos tradicionais estão na ponta menos preocupante, as participações acionárias estão no outro extremo porque, tornando-se sócio da companhia investida, o banco pode ser impactado em caso de desestabilização do mercado – e problemas ambientais são, cada vez mais, levados em consideração nesse cálculo.

A decisão do banco de comprar ações dos grandes frigoríficos, entretanto, não era apenas financeira, mas política. Era a época do governo Lula, que desenhou a partir de 2004 uma estratégia para alavancar empresas brasileiras internacionalmente. O projeto ganhou fôlego em 2008, quando passou a ser conhecido como a “política dos campeões nacionais”. O agronegócio era uma das prioridades.

Com o apoio do BNDES, a JBS comprou nos Estados Unidos o frigorífico Swift (2007), a National Beef Packing Company e a Smithfield Beef Group (2008), além do aviário Pilgrim’s (2009). Em 2010, concluiu a aquisição da concorrente brasileira Bertin – na época, uma das grandes da pecuária. A Marfrig também se expandiu sob os auspícios do banco público de desenvolvimento: além de receber aportes para ampliação da capacidade produtiva e “consolidação empresarial”, segundo o portal de transparência do BNDES, a empresa também incorporou a Keystone Foods (2010) e ampliou sua presença internacional.

Quando a resolução 1854 entrou em vigor, esse apoio era realizado através da compra direta de ações das empresas. Mas justamente em 2009, o BNDES abriu um novo flanco de operações financeiras, passando a atuar também no mercado de debêntures. É um instrumento “híbrido” segundo o vocabulário financeiro, porque mistura um empréstimo tradicional com mercado acionário – os dois extremos do gradiente de risco.

Funciona assim: o banco dá dinheiro para a empresa em troca desse título de debênture e, ao final do prazo da dívida, ele pode escolher se recebe de volta o investimento com juros ou troca o valor por ações. Assim, evita um risco de maior exposição durante o tempo em que é apenas credor da empresa e, caso a conjuntura seja favorável, pode optar por tornar-se sócio ou ampliar sua participação quando a dívida vencer.

Mas no caso das debêntures dos frigoríficos brasileiros compradas pelo BNDES, os contratos assinados determinavam que ao fim do prazo não havia escolha: elas seriam obrigatoriamente convertidas em ações. Por isso, surpreende que esse instrumento financeiro não seja citado no texto das diretrizes para a pecuária – ainda mais porque elas representam o maior valor investido pelo banco nas empresas processadoras de carne que atuam na Amazônia.

Foram R$ 10,6 bilhões de um total de R$ 20,8 bilhões destinados à indústria desde 2002, em contratos assinados integralmente após a publicação da norma em outubro de 2009. Em compensação, operações de participação acionária foram praticamente abandonadas.

Embora não esteja explícita na regra, o BNDES assegura que as operações com debêntures também deveriam cobrar a rastreabilidade completa da cadeia de fornecimento dos frigoríficos. “Sim, tanto as operações de debêntures JBS quanto a operação de Marfrig geraram Acordos de Investimentos que regulavam as obrigações socioambientais no âmbito da Resolução 1854/2009”, informou o banco via LAI. Várias fontes consultadas pela reportagem endossam a posição do banco, argumentando que não haveria sentido em impor exigências distintas a operações que resultam, ambas, no mesmo grau de comprometimento do banco com o negócio apoiado.

Contratos podem ter ignorado a norma

Nem todos os financiamento dados pelo BNDES aos frigoríficos que atuam na Amazônia foram enquadrados na resolução 1854/2009. Ao contrário das operações que envolvem aquisição de papéis das empresas (participação acionária ou debêntures), os empréstimos que o banco concedeu para JBS, Marfrig e Minerva só levaram em consideração as exigências naquelas ocasiões em que o recurso era destinado ao abate de bovinos ou fabricação de produtos de carne.

“Em cada projeto de financiamento, é necessário que o solicitante apresente o detalhamento do uso do dinheiro. Com base neste projeto, ele será enquadrado nas normas do setor específico. Durante a execução e ao fim, é necessário comprovar o uso correto do recurso”, explica o BNDES através da assessoria de imprensa.

Essa interpretação permite que um frigorífico tome empréstimos que reforcem seus negócios passando ao largo da política para a pecuária, desde que o recurso não seja aplicado na finalidade específica.

Mas a cadeia da carne inclui muitas outras atividades além do abate propriamente dito, como compra de insumos, cria e engorda de rebanhos, maquinário agrícola e logística de transporte para venda de produtos no varejo brasileiro ou exportação de gado vivo. Por isso, é possível que apenas R$ 1 bilhão de quase R$ 2,4 bilhões em empréstimos para JBS, Marfrig e Minerva tenham sido feitos respeitando as diretrizes socioambientais estabelecidas pelo documento.

Além disso, os maiores frigoríficos que operam na Amazônia possuem operações tão diversas quanto valiosas, e o bom desempenho de um negócio impacta nos demais. A JBS, por exemplo, é líder mundial no processamento de aves – e operações que ela, porventura, tenha feito para esse segmento de negócio podem não estar sujeitas à aplicação da regra. Por outro lado, o próprio BNDES soma como  parte das operações feitas com todo o grupo J&F – proprietário da JBS – o crédito oferecido nas modalidades de empréstimo para a JBS. Considerando todo o conglomerado, o valor total investido pelo banco público ascende a R$ 32,1 bilhões (corrigidos pela inflação até outubro de 2019, pelo banco).

Contratos terceirizados deram problema

Uma parte dos empréstimos que entram na conta do BNDES com os frigoríficos é, na verdade, operada por bancos comerciais, como Banco do Brasil, Santander ou Itaú. É outra maneira que o banco público de desenvolvimento encontrou para reduzir sua exposição a eventuais instabilidades do setor, porque, embora seja o seu dinheiro que esteja entrando no caixa das empresas, os riscos são assumidos pelo banco da ponta, que assina e precisa fiscalizar o cumprimento das diretrizes socioambientais em cada contrato.

Comparados ao valor total investido nos frigoríficos, o volume de dinheiro é muito menor. Mas o número de contratos é imenso e cresceu substancialmente após a edição da resolução 1854/2009. A JBS, que tinha 70 empréstimos para abate de bovinos nessa modalidade até 2009, assinou 789 financiamentos deste tipo depois das diretrizes para a pecuária começarem a valer. No final do primeiro semestre, 82 desses contratos seguiam ativos no portal do BNDES.

O BNDES cobra dos bancos parceiros que façam uma análise socioambiental a partir de declarações das empresas. Se apresentarem documentos falsos, o BNDES penaliza. Foi o que aconteceu em 10 casos em que o banco auditou a documentação apresentada – o que levou a aplicação de multas de R$ 18,7 milhões, além de “comunicação ao Ministério Público Federal para averiguação de eventual ilícito penal”.

Mas a lupa do BNDES não corre sobre todos os contratos indiretos automáticos, apenas sobre uma pequena parcela. Entre 2009 e 2020, o banco “acompanhou” 81 operações entre os 2905 contratos que foram assinados no período para financiar abate de bovinos (a conta vai até maio). Se o mesmo percentual de irregularidades encontradas (12%) fosse aplicado ao total de financiamentos indiretos automáticos, seriam quase 350 empréstimos com falhas no cumprimento das diretrizes.

* Os valores desta reportagem foram atualizados pela inflação até outubro de 2020.

Fazenda de pecuária no Tocantins. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Contraponto: o que dizem as empresas 

BNDES (íntegra aqui)

Os critérios e diretrizes resultaram em impactos positivos nas práticas de sustentabilidade das empresas apoiadas pelo BNDES atuantes no setor. Atualmente, o acompanhamento das questões relativas à sustentabilidade faz parte do dia a dia operacional destas empresas, tendo sido implantados sistemas de bloqueio de fornecedores cujas áreas estejam embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) ou que figurem em listas de trabalho escravo, além de programas de investimentos em meio ambiente, conforme reportado pelas auditorias independentes realizadas no âmbito do acompanhamento das operações. Mais do que atender a demandas socioambientais, tais medidas auxiliaram na organização e profissionalização do setor, visto como de alto nível de informalidade fiscal e sanitária, traduzindo-se na abertura de novos mercados, na sustentação das exportações e benefícios para os consumidores. O BNDES teve um papel de destaque nesse processo, com vantagens tanto sociais como para a solidez das exportações nacionais. A redução da informalidade favorece principalmente os consumidores, por conta do maior nível de exigência na inspeção, resultando em um produto com melhor qualidade e mais saudável.

JBS (íntegra aqui)

A JBS pauta seus relacionamentos e desenvolve negócios com foco na transparência e no desenvolvimento sustentável de toda sua cadeia de valor. Nesse sentido, em relação aos financiamentos realizados com o BNDES, a Companhia reitera que cumpriu com todas as condições contratuais, saldando integralmente suas obrigações nos prazos devidos, e recebeu plena quitação pela instituição.

Marfrig

A Marfrig informou à reportagem que não comentaria este tema.

Minerva (íntegra aqui)

A sustentabilidade e todas as iniciativas realizadas pela Minerva Foods nesta frente sempre fizeram parte da agenda de comunicação com os investidores nacionais e estrangeiros, em reuniões, eventos e outras ações realizadas pela área de Relações com Investidores. A empresa trabalha com muita transparência frente aos desafios da cadeia produtiva e participa ativamente investidores e acionistas sobre o tema. O BNDES nunca foi acionista da Minerva Foods e a empresa sempre cumpriu com a resolução 1854/2009, durante o período em que manteve operação financeira com a Instituição, entre 2012 e 2018. A Minerva Foods sempre acessou o mercado de capitais local e internacional, muito mais restritivo e exigente em suas demandas, inclusive para ESG – o que ratifica a percepção positiva do mercado para nossa governança, transparência e outras métricas de sustentabilidade. Neste arquivo compartilhamos mais detalhes sobre as nossas iniciativas para o monitoramento completo da cadeia.

 

Foto de Capa:  Foto: Marcio Isensee e Sá.

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