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UOL – BNDES financia frigoríficos que estimulam desmatamento e trabalho escravo

11 minutos de leitura

Por Naira Hofmeister, Fernanda Wenzel e Pedro Papini da Repórter Brasil.

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está financiando frigoríficos que abatem animais criados em fazendas desmatadas ilegalmente, embargadas pelo Ibama, sobrepostas a unidades de conservação ou terras indígenas e que utilizam mão de obra escrava em suas atividades. É o que revela um levantamento exclusivo da Repórter Brasil, que analisou empréstimos no valor total de R$ 46 milhões feitos a 25 pequenos abatedouros localizados na Amazônia, onde 90% de toda a mata derrubada vira pasto para boi. Desde 2009, o banco possui uma norma interna que veda empréstimos a empresas fabricantes de carne que tenham entre seus fornecedores fazendas com irregularidades socioambientais.

“Para obterem apoio do BNDES, os frigoríficos só poderão comprar gado de fornecedores que não constem na relação de áreas embargadas do Ibama. Além disso, não poderão constar da “lista suja” do Ministério do Trabalho”, explicou o banco, em nota à imprensa, em julho de 2009. Apesar disso, nos anos de 2012, 2016 e 2017, os frigoríficos Masterboi, São Francisco (Sampaio), Ribeiro Soares, Fortefrigo, Mercúrio e Boi Branco, todos apoiados pelo BNDES, abateram pelo menos 11.513 bois provenientes de fazendas embargadas pelo Ibama e 1.479 animais criados em propriedades que integram a lista suja do trabalho escravo no Brasil. Um total de 25.158 cabeças de gado vieram de áreas que não tinham sequer licença ambiental para operar, outra conduta vedada pela resolução 1854/2009.

As irregularidades foram constatadas pelo Ministério Público Federal (MPF) em auditorias feitas em investigações próprias (no caso do Boi Branco) e em decorrência dos Termos de Ajustamento de Conduta (chamados TACs da Carne) que checam a conformidade socioambiental das operações. Em todos os casos, os abates ilegais vieram a público depois de o BNDES assinar os contratos com as empresas que, pela resolução 1854/2009, são obrigadas a entregar declarações dizendo que não compram de produtores irregulares. Informações falsas devem ser punidas “com vencimento antecipado do contrato, sem prejuízo das sanções legais cabíveis”. No caso do frigorífico Masterboi, os contratos somavam R$ 10 milhões no momento em que os problemas com fornecedores foram revelados; Mercúrio e Ribeiro Soares, tinham empréstimos de R$ 4 milhões cada; Fortefrigo mantinha financiamento de R$ 1 milhão; e São Francisco (Sampaio), de R$ 100 mil. O contrato do Boi Branco, no valor de R$ 72 mil, foi assinado um mês antes de a empresa ser processada pelo MPF por abates ilegais em suas plantas. O Portal da Transparência do BNDES demonstra que parte desses financiamentos seguem ativos — o que indica que a penalidade prevista pela resolução 1854/2009 não foi aplicada.

Após a publicação da reportagem, o BNDES informou, em nota, que “reuniu um grupo técnico interno para analisar os casos citados” e que, se comprovadas as irregularidades, adotará “as medidas contratuais cabíveis”. Originalmente, o banco não havia se manifestado, apesar da insistência da reportagem. As empresas Masterboi, Fortefrigo e São Francisco (Sampaio) também não se manifestaram. Os frigoríficos Mercúrio, Ribeiro Soares e Boi Branco afirmam que cumprem seus compromissos socioambientais e que as irregularidades apontadas foram problemas pontuais. A íntegra dos esclarecimentos pode ser lida neste link. Os dados desta reportagem foram obtidos pela coalizão Florestas e Finanças, que monitora o apoio de bancos e instituições de crédito a atividades potencialmente desmatadoras. O grupo rastreou um total de US$ 2,3 bilhões em financiamentos do BNDES destinados à pecuária no Brasil que colocam em risco o meio ambiente.

No início de outubro, a divulgação de uma nova rodada de auditorias do MPF no Pará — que analisou as compras de janeiro de 2018 a junho de 2019 — mostrou que, sem punição, as irregularidades seguem acontecendo. Entre as 16 empresas avaliadas, os frigoríficos Fortefrigo e São Francisco (Sampaio) ficaram no quarto e quinto lugares no ranking de inconformidades, com 18,7% e 15,2% das compras com algum problema socioambiental, respectivamente. A JBS, maior produtora mundial de proteína animal, lidera a lista de infrações, com problemas em 32% de seus abates.

Itaú, BB e Bradesco deveriam fiscalizar Os empréstimos concedidos aos frigoríficos com irregularidades foram intermediados por instituições financeiras parceiras do BNDES: Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Bradesco. Segundo a resolução 1854/2009, nesta modalidade de financiamento — chamada indireta automática — são os intermediários que devem “exigir declarações” das empresas garantindo que possuem um sistema de monitoramento de seus fornecedores de gado e que eles seguem os padrões exigidos pelo banco de desenvolvimento. Mas, nas auditorias e investigações do MPF, ficou evidente que o controle é falho. Entre os vários empréstimos do BNDES obtidos pelo Masterboi através do banco Itaú Unibanco, pelo menos um se manteve ativo após a constatação dos problemas. O abatedouro Ribeiro Soares mantém até hoje dois contratos via Banco do Brasil, mesmo após ter sido flagrado em irregularidades. Ambas as instituições disseram que não comentam casos específicos em respeito ao sigilo empresarial, mas listaram métodos de checagem da conformidade socioambiental que adotam antes da concessão de empréstimos. Os esclarecimentos podem ser lidos na íntegra neste link.

Já o Bradesco mantém em sua carteira sete empréstimos com recursos do BNDES ao Mercúrio e um ao frigorífico São Francisco (Sampaio), apesar da constatação das inconformidades ambientais. Também foi o Bradesco quem intermediou o contrato com o Boi Branco, cujo vencimento estava previsto para 2018. Procurado, o banco disse que não iria comentar. “Itaú Unibanco e Bradesco fazem parte do grupo dos três maiores bancos privados do Brasil que assinaram um pacto para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Se espera que estejam alinhados às diretrizes de empréstimo para a pecuária”, observa Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Risco ignorado Os 25 pequenos frigoríficos investigados pela Repórter Brasil colocam em risco 8 milhões de hectares da Amazônia, segundo cálculos do Imazon. É uma área do tamanho da Áustria e mais do que o dobro da área ameaçada pelas atividades da JBS, a maior fabricante de carne do planeta e líder do ranking de exposição a desmatamento calculado pelo instituto de pesquisa. “A pecuária ilegal é a maior responsável pelo desmatamento na Amazônia. Se não houver controle da origem da matéria-prima, há grande risco de violação da legislação socioambiental”, recorda o procurador da República Ricardo Negrini, que atua no Pará, onde foram assinados os primeiros TACs da Carne, em 2009.

Embora o BNDES exija que os frigoríficos tenham sistemas de monitoramento para checar a origem dos animais abatidos, 10 empresas que receberam um total de R$ 13,2 milhões não assinaram o TAC da Carne com o MPF. Segundo o pesquisador do Imazon, esse é um forte indicativo de que esses abatedouros não possuem tais sistemas. “Em geral, quem não assina, não monitora rebanhos”, observa. Mesmo as maiores indústrias da carne do Brasil, JBS, Marfrig e Minerva, só desenvolveram seus sistemas após a assinatura do acordo. Corroborando essa desconfiança, o MPF pediu ao Ibama que apertasse a fiscalização em 7 dos 10 frigoríficos sem TAC apoiados pelo BNDES.

“São frigoríficos que estão assumindo bastante risco ambiental, mas não se comprometem com acordos setoriais e mesmo assim conseguem recursos públicos”, lamenta Lisandro Inakake, que coordena o projeto Boi na Linha, da ONG Imaflora, uma ferramenta que busca maior transparência no processo de compra de gado.

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