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BNDES quer reverter prioridade para o agro dos anos Bolsonaro

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Foto: Sérgio Lima/PODER 360

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Leonardo Vieceli e Nicola Pamplona, Folha de São Paulo

Em 2022, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desembolsou mais recursos em financiamentos para a agropecuária do que para a indústria pelo quinto ano consecutivo.

Esse movimento começou em 2018, no governo Michel Temer (MDB), e continuou ao longo do mandato de Jair Bolsonaro (PL).

É uma situação que destoa do cenário dos anos anteriores, quando as fábricas recebiam uma parcela maior dos recursos na comparação com o campo.

Do total de desembolsos do BNDES em 2022 (R$ 97,5 bilhões), 22% foram direcionados para a agropecuária (R$ 21,5 bilhões) e 19,6% para a indústria (R$ 19,1 bilhões), segundo dados divulgados pelo banco público.

O setor de infraestrutura, que envolve atividades como energia elétrica e construção, seguiu com a maior parcela entre os segmentos (43,3%). Comércio e serviços responderam pela menor fatia (15,1%).

A participação industrial até cresceu em 2022 em relação ao ano anterior, mas ainda ficou abaixo da parcela destinada ao campo. As fábricas haviam recebido 16,2% dos desembolsos do BNDES em 2021, e a agropecuária, 26%.

“A indústria precisa se modernizar, mas os dados mostram um estreitamento nas linhas de crédito do BNDES”, afirma o economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

Ele evita falar em uma dicotomia de indústria e agropecuária, já que financiamentos para o campo geram estímulos indiretos em parte das fábricas, incluindo as de máquinas e equipamentos.

Cagnin, porém, diz que faltam empréstimos de longo prazo para o setor industrial, problema associado parcialmente à redução do tamanho do banco nos últimos anos.

“Teve uma mudança de atuação do BNDES. Antes, era mais voltado para infraestrutura e indústria, mas foi se tornando um mecanismo maior de financiamento para a agropecuária, que já conta com opções como o Plano Safra e o Banco do Brasil”, diz.

Segundo o economista, as dificuldades enfrentadas pelo setor industrial a partir da crise de 2015 e 2016 também frearam a demanda por financiamentos.

Em 1995, ano inicial da série histórica disponível, as fábricas receberam 57,2% do total de desembolsos do BNDES. À época, a agropecuária havia ficado com 10,3%.

Para o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, a perda de participação industrial está associada principalmente ao baixo desempenho do setor nos últimos anos.

“Vimos um crescimento forte da agropecuária com preços elevados”, afirma Vale. “A indústria está estagnada desde a crise de 2015 e 2016”, completa.

Guilherme Rios, assessor técnico da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), afirma que a agropecuária foi pressionada nos últimos três anos pelo aumento dos custos de produção.

Segundo ele, os preços de alguns insumos tiveram alta de mais de 200%, e as máquinas agrícolas também ficaram mais caras. “Todo esse cenário fez com que o produtor demandasse maiores volumes de recursos em seus financiamentos”, aponta.

Rios avalia que o crédito do BNDES ainda não é suficiente para as demandas da agropecuária, que prevê crescimento da safra neste ano.

“Atualmente o setor se mobiliza para uma aproximação com o mercado de capitais, buscando novas fontes de financiamento, além daquelas disponibilizadas pelo Plano Safra”, acrescenta.

NOVA DIREÇÃO FALA EM REINDUSTRIALIZAÇÃO

De acordo com Sergio Vale, da MB, a indústria tende a ganhar participação nos desembolsos do BNDES no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Essa projeção está associada a recentes manifestações do novo comando da instituição, que fala em uma necessidade de reindustrializar o Brasil.

Ao tomar posse em fevereiro, o novo presidente do BNDES, o petista Aloizio Mercadante, disse que é “muito bom” ter o país como a “fazenda do mundo”, mas que é necessário ir além das commodities agrícolas, com olhar especial à indústria.

Mercadante voltou a tocar no assunto no dia 14 de março, em entrevista após a apresentação do balanço do banco de 2022.

“Vamos ficar assistindo ao desmonte da indústria? Ou vamos ter um banco capaz de reagir, financiar e induzir a industrialização, como fizemos com a agricultura?”, questionou.

“O BNDES distribui 19% do crédito do Plano Safra, máquinas e equipamentos, modernização da agricultura. Queremos continuar fazendo isso. Mas não podemos assistir a dados como esses da indústria e achar que é assim”, acrescentou.

Mercadante vem defendendo diversificar as taxas de juros do banco, que hoje pratica a TLP (Taxa de Longo Prazo).

A TLP entrou em vigor no governo Temer para impedir que o BNDES emprestasse recursos a clientes a níveis menores do que o custo de captação do Tesouro Nacional.

Na visão de Mercadante, esse mecanismo é “muito volátil”. Ele já defendeu subsídios no crédito a setores específicos, como os voltados à inovação.

A nova direção, porém, vem descartando uma volta do BNDES ao padrão visto entre o segundo governo Lula e a gestão de Dilma Rousseff (PT).

À época, o banco foi turbinado com crédito subsidiado a grandes companhias, o que gerou críticas de economistas.

Para Sergio Vale, da MB, o BNDES deve concentrar esforços em setores ligados à inovação e à energia verde, além de avançar na criação de um eximbank –organismo de apoio a exportações. Essas áreas estão entre as prioridades já anunciadas pela nova direção.

“O BNDES pode agregar nisso. É preciso evitar ao máximo um banco de todos os setores da indústria, e de projetos que não tenham viabilidade econômica”, analisa Vale.

EMPRESÁRIOS PEDEM MUDANÇAS

Para representantes da indústria, a perda de participação do setor nos desembolsos reflete o aumento do custo de captação de recursos, com o impacto da elevação da Selic sobre a TLP. O problema, segundo eles, atinge principalmente pequenas e médias empresas, que têm menos acesso ao mercado privado de crédito.

O presidente-executivo da Abimaq (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos), José Velloso, ressalta que o custo do principal programa do BNDES para esse segmento, o Finame, sai hoje em torno de 24% ao ano. “Isso não remunera o capital”, afirma.

O Finame foi responsável em 2022 por financiar apenas 3% das máquinas vendidas no país. “E o estrago é feito nas pequenas e médias. As grandes empresas podem ir para o mercado de capital, emitir debêntures, lançar ações. A grande empresa se vira”, prossegue Velloso.

Para o executivo, as taxas atuais têm garantido elevados retornos ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), fonte de recursos do banco, e fechado a porta a empresas. “Não tem o menor sentido o FAT ser o maior rentista do Brasil. É um instrumento de investimento para melhoria da produtividade e geração de emprego.”

A Abimaq apoia propostas de mudança na TLP e sugere que o BNDES busque formas de captação para além do FAT, como financiamentos internacionais voltados à economia verde.

“A indústria tem o mundo como concorrente”, diz o diretor superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Fernando Valente Pimentel.

“O BNDES vai ter que reavaliar as taxas para que tenhamos financiamentos mais compatíveis com taxas mundiais.”

Como exemplo, ele cita o desafio de agregar valor às exportações de algodão. “Em vez de exportar 2/3 da safra de algodão em pluma, que a gente transforme isso. O algodão em pluma sai na faixa de US$ 4 a US$ 8 por quilo. O produto têxtil vai a US$ 20”.

A Folha procurou membros do comando do BNDES no governo Bolsonaro para comentar o assunto, mas não obteve retorno.

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