“O fogo sempre esteve presente no Pantanal, no entanto mantinha baixo impacto. Mas nos últimos anos estamos vendo incêndios cada vez mais catastróficos que geram um impacto negativo nos meios de vida, na população, na economia da região”. Assim destacou Carlos Pinto, da Fundación Amigos de la Naturaleza (FAN), da Bolívia, ao falar sobre “Incendios forestales em el Pantanal: percepciones e realidades”.
A fala abriu a mesa de discussões da Conferência Pantanal – PAR (Prevenção Apoio e Recuperação), evento transmitido ao vivo no Facebook da Ecoa, que uniu diversas pessoas que atuam em diferentes frentes, para discutir estratégias para o Pantanal. Carlos falou sobre a importância do manejo integral do fogo. Para ele, essa manejo deve integrar, também, a parte ecológica do fogo. “O futuro é construir uma condição de manejo integral do fogo que integre a parte ecológica do fogo com as ações de manejo do fogo entendendo sempre a prevenção, extinção e uso do fogo”, disse.
“A mudança climática é uma realidade, por um lado, mas, por outro lado, também é uma realidade a necessidade de produção, a política também é outro elemento. São todos ingredientes perfeitos para gerar essa tormenta para incêndios florestais”, comentou Carlos.
Diretor Presidente da Ecoa, André Luiz Siqueira disse que o cenário de queimadas visto em 2020 era um fenômeno previsível e que poderia ter sido evitado com prevenção. Um dos caminhos, pontuou, é fortalecer as brigadas e seguir o que aponta a ciência.
“Nós temos que, fundamentalmente, para que a gente consiga profissionalizar melhor a situação das brigadas permanentes oficiais, para que a gente tenha condição de ampliar a ciência, investigação da ecologia do fogo em medidas que de fato… esse ano inclusive o Prevfogo apontou alguns dados de pesquisas que já vêm fazendo na terra indígena Kadiwéu e que diminuiu o fogo e provocar que se quebre essa inércia dos executivos estaduais dentro dos seus comitês de prevenção a incêndios”, disse.
Outra questão, disse, é garantir o manejo do fogo por lei. Por isso André citou o Projeto de Lei 11.276, de 2008, que está parada desde 9 de fevereiro na Câmara dos Deputados.
“E é engraçado que durante toda essa comoção, esse ano, do cenário, enfim, algumas figuras públicas se movimentaram para tentar medidas emergenciais, uma coisa que todos já visavam, e ninguém discutiu o destravamento simples dessa política nacional. Ela está pronta, com muito investimento público, com ciência, que foi feita por pessoas que entendem, da área, e vão destravar vários mecanismos fundamentais pra gente falar de prevenção, principalmente mudanças a médio prazo”, pontuou.
André ainda comentou que o fortalecimento das brigadas e da atuação local no manejo do fogo podem ser saídas para o próximo ano.
“Então, a política nacional vai regulamentar os planos estaduais, é preciso sim compartilhar com os estados a responsabilidade de mudar esse cenário. As brigadas comunitárias são muito parte da sociedade civil e do investimento privado. Estamos falando do Pantanal onde mais de 90% são áreas privadas. Temos holdings agropecuários, grandes empresas de mineração. Nós temos grandes propriedades rurais, que precisam sim se envolver e compartilhar com o estado ferramentas que são fundamentais na prevenção”, afirmou.
Ativismo jovem
Jornalista, João Mazini é um dos responsáveis pela Comitiva Esperança, que moveu campanhas que ajudaram diversas comunidades no Pantanal em meio às dificuldades provocadas pelas queimadas e a pandemia de Covid-19. João contou um pouco sobre as estratégias da Comitiva, entre elas uma comunicação que atraia gente jovem para se engajar na defesa do Pantanal.
“Uma coisa que tem me movido e é o norte da comitiva é pensar de que a maneira a gente pode comunicar essas questões, tudo isso que está acontecendo, para o público em geral e a gente conseguir mobilizar essas pessoas. Através de uma comunicação que seja simples, atraente, pop. O nosso desafio agora é tentar convencer, seduzir os mais jovens para a causa, mostrar o que está acontecendo. Entender o que está acontecendo, desde a crise climática, porque o pantanal queima, o que é a biomassa que serve de combustível para os incêndios florestais, o que é o ICMbio, o que é o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente, como é que funciona essa engrangem”, explicou ele.
É o que também comentou Diego Javier Coimbra, da Bolívia, responsável pelo programa Valorização Socioeconômica da Floresta na Fundación para la Conservación del Bosque Chiquitano – FCBC. Para ele, pressionar os poderes instituídos para proteger os territórios passa necessariamente por mobilizar o ativismo jovem.
“Há muita preocupação entre os jovens urbanos que não dependem economicamente da agricultura ou pecuária. Que querem um mundo melhor e que estão começando a se organizar, a se informar, a tomar as medidas para pressionar o poder político e econômico. Esta mobilização social é a única força capaz de influenciar o poder político”, destacou.
Restauração ecológica
A pesquisadora Solange Ikeda apresentou uma série de ações sobre “Restauração ecológica no Pantanal”, que atualmente desenvolve junto com alunos e outros pesquisadores. “Nós temos que entender essas áreas úmidas como uma encruzilhada fitogrográfica. Como uma rica biodiversidade, nem sempre endêmica, mas com a presença de espécies de todas essas províncias fitogeográficas dos arredores”, explicou Solange.
“Quais indicadores vão determinar a restauração em nível de estrutura, de diversidade e de função? Como vamos fazer a restauração que precisa ser em nível de biodiversidade, dos processos ecológicos e da água? Não só da parte biológica. Nós precisamos pensar em restauração social, econômica e cultural”, ressaltou ela.
Presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera do Pantanal e uma das grandes referências em unidades de conservação, Laércio Souza acredita que um dos caminhos é fazer uma restauração social junto às comunidades.
“E essas pessoas têm assim um psicológico, porque estão lá no meio do mato, da floresta, estão ali com a sua casa a metros do que pegou fogo. A questão pulmonar dessas pessoas. Se tem animal que já está morrendo com problema pulmonar por respirar aquela fumaça e respirar aquela cinza, as pessoas no Pantanal, não posso imaginar o que vai acontecer. Os brigadistas também. Então, o que a gente pode fazer. É uma restauração social, isso tem que ficar bem claro. Apoio de médicos, de hospitais, seja lá o que for, do governo”, disse.
Um grande acordo
Escritor e advogado ambientalista, Jorge Daneri, da Argentina, acredita que só um grande acordo de proteção das áreas úmidas dos rios Paraguai e Paraná pode garantir o futuro dos territórios. “Precisamos de um grande acordo. Um acordo político, jurídico, regional, relevante porque não temos tempo. Porque daqui vinte, trinta anos, essa mudança radical, tudo isso que está acontecendo na bacia do Prata, não aconteça em um cenário realmente dantesco e dramático”, comentou.
“Acreditamos que temos que formar um novo acordo ambiental particularmente da bacia do Prata e acreditamos que há uma ferramenta muito boa, muito positiva, que celebramos há 10 anos e que é a proposta das organizações cidadãs de estratégias para a sustentabilidade das áreas úmidas do sistema Paraguai-Paraná. Essa estratégia foi apresentada ao governo por 19 organizações, entre outras, dos cinco países. Os governos pegaram a estratégia. É um documento que os convido a estudar, olhar, enriquecer. Eles tomaram o documento como documento base para a construção da estratégia oficial de 2012, 2013, e depois, por questões políticas, não prosperou”, emendou.
Por último, o ex-ministro de Meio Ambiente do Paraguai, Oscar Rivas, apontou que trabalhar as possibilidades de prevenção e construção conjunta de estratégias envolve soluções criativas, marcadas pela cosmovisão dos territórios. “Então nós, obviamente, temos que partir para uma nova agenda muito mais criativa do que a que vínhamos fazendo. Na configuração gráfica do território tão claramente se vê o que deve ser feito e finalmente porque há um conceito que se instalou no começo deste ano, que a solução, ou soluções, só vem da natureza”, pontuou.
“Como podemos dividir tudo que é do grande Pantanal que é Chaco úmido do resto da continuidade de áreas úmidas? É bem difícil. Podemos fazer, digamos, nesse conceito de divisões tomando algumas características que podemos definir com relação a questão climática, mas justamente o aquecimento do nosso clima gerou um deslocamento das regiões climáticas, portanto o que antes se passava aqui, que ao norte era zona tropical, esse trópico climático ao sul e há indicadores biológicos que determinam essas mudanças. Portanto, cada vez mais estamos tendo uma mesma configuração de habitantes, biologicamente falando destes territórios”, destacou.
Diretor Executivo da Ecoa, Alcides Faria propõe uma agência ambiental que trabalhe com estratégias de prevenção de cenários extremos. “Nós precisamos, não deveríamos ter uma agência ambiental que pudesse trabalhar inclusive com essa previsão, ter uma previsão do que vai acontecer, construir uma previsão, construir cenários e ao mesmo tempo desenvolver políticas preventivas. No ano passado, nós sabíamos que teríamos uma tragédia em 21”, disse.
A Conferência Pantanal – PAR – está disponível na íntegra no Facebook da Ecoa.