Alexa Salomão, Folha de São Paulo
A reta final do período para cadastramento de projetos de energia solar com direito a subsídio integral teve um recorde de pedidos. Somados, eles equivalem a quase duas usinas hidrelétricas de Itaipu em pouco mais de três meses.
Foram registrados 486,6 mil projetos de geração distribuída (GD), como é chamado o sistema de placas solares de menor porte, que somam 32.298 MW (megawatts) de potência instalada, de outubro do ano passado até o dia 7 de janeiro.
A arrancada de última hora surpreendeu o setor, que esperava aumento, mas não nessa dimensão. “É um volume impressionante sob qualquer aspecto que se olhe”, diz Marcos Madureira, presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica).
Segundo a entidade, que consolidou os dados, nesses pouco mais de três meses, o total de potência dos projetos cadastrados excede em duas vezes o volume dos pedidos encaminhados anteriormente. De 1º de outubro a 30 de setembro, segundo a entidade, os pedidos contabilizavam 15.100 MW de potência instalada.
Esse subsídio, que alcança valores bilionários, é resultado da campanha contra “taxar o sol”. Na prática, no entanto, “não taxar o sol” representa não cobrar do gerador solar e transferir para os consumidores a despesa de encargos e pelo uso do fio na rede da distribuição de energia. Tecnicamente, trata-se do uso da Tusd (Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição).
Segundo estimativas da Abradee, os consumidores vão bancar R$ 270,7 bilhões em subsídios dessa leva final de projetos até 2045, período em que perdura a isenção completa pelo uso do fio.
Projetos anteriores a essa reta final, que também tinham direito ao subsídio integral, já haviam somado um custo para o consumidor da ordem de R$ 217,6 bilhões até 2045. Com mais esse adicional do final do ano passado e início deste ano, a conta mais que dobra, chegando a um total de R$ 488,3 bilhões, pelas estimativas da entidade.
Segundo Madureira, o que mais chama a atenção na leva final de solicitações é o tipo de projeto cadastrado.
Na GD, a energia solar pode ser gerada em duas modalidades: microgeração, que corresponde a projetos com potência menor ou igual a 75 kW (kilowatt), geralmente instalados diretamente nos telhados, e minigeração, com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 5 MW.
Essa segunda alternativa foi criada para viabilizar o acesso para consumidores interessados em obter energia solar, mas que não tivessem espaço nos telhados ou morassem em apartamentos e quisessem se reunir em cooperativas ou associações para ter acesso à GD.
No entanto, essa modalidade passou a ser explorada como um negócio e a maioria das fazendas solares é criada para vender energia a grupos empresariais, como bancos, supermercados e redes de varejo.
De outubro a 6 de janeiro foram cadastrados 460.110 projetos de microgeração, cuja potência instalada soma 7.000 MW, adicionando um custo, via subsídio, de R$ 61,3 bilhões para os consumidores até 2045.
No caso da minigeração, foi solicitado um número menor de projetos, 26.472. No entanto, o total de potência é muito superior, 25.231 MW, bem como o custo dos subsídios para os consumidores, que contabiliza R$ 209,4 bilhões.
Na média, a conta anual transferida para consumidores nesse período será de R$ 12,2 bilhões.
Desse total, R$ 2,7 bilhões serão referentes a projetos instalados nos telhados, e R$ 9,5 bilhões vindos das chamadas fazendas solares.
A depender do ritmo da aprovação desses novos projetos, o custo pode subir já em 2023 acima do projetado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Em outubro, a agência havia divulgado que os projetos cadastrados até 6 de janeiro deste ano deveriam gerar em 2023 um custo adicional na casa de R$ 4 bilhões em subsídios.
A Abradee entende que os dados deixam claro que o uso indevido dessa alternativa de geração levou a uma abertura de mercado comercialmente distorcida e socialmente injusta.
Unidades de grandes empresas podem ter descontos, por vender o excedente para a distribuidora, ou mesmo se desconectar dela usando a energia mais barata dessas fazendas, mas o baixo custo é sustentado por outros consumidores que não têm acesso a essa alternativa.
“Nada contra se fazer negócio com energia solar, mas não foi esse o princípio da lei, que previa uma alternativa para compartilhamento da energia, não uma comercialização travestida de compartilhamento com subsídio pago pelos demais consumidores”, afirma o presidente da Abradee.
Madureira destaca que, recentemente, a comercialização começou a ser praticada até na microgeração. Pequenas unidades são instaladas numa única área, registradas individualmente, mas formando um único bloco para ser comercializado remotamente.
“No nosso entendimento isso é desvio em relação ao que a lei efetivamente prevê”, afirma.
Os prazos e critérios para ter acesso aos descontos estão previstos na lei 14.300, também conhecido como novo marco legal da microgeração e minigeração distribuída.
A lei também redefiniu como o consumidor arca com o subsídio. Projetos cadastrados até 7 de janeiro são cobertos por meio de subsídio cruzado e incorporados à tarifa da distribuidora que conectar o projeto. A partir dessa data, os subsídios serão repassados para CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), um item da conta de luz, mas também respeitando a geografia. Quando maior o número de projetos de GD numa região, maior o peso dos subsídios.
A lei entrou em vigor em 6 de janeiro de 2022, prevendo, nas regras de transição, que quem protocolasse pedido para novos projetos em até um ano teria direito ao subsídio total. Como ocorreu uma discussão sobre a data final, a Abradee está considerando 7 de janeiro.
Projetos após esse dia, mas ainda referentes a 2023, terão de pagar 15% por parte do uso do fio, e a diferença, os 75%, vai para conta de luz.
O percentual pago pelo gerador vai subir progressivamente: 30% (a partir de 2024), 45% (2025), 60% (2026), 75% (2027) e 90% (2028). Sendo assim, a tendência dos investidores e tentar cadastrar os projetos nos primeiros anos, para garantir um custo menor com o Fio B.
O coordenador de Projeto do Instituto Pólis, que trabalha com a defesa dos consumidores de baixa renda, Clauber Leite, lembra que existe o agravante de que esses benefícios bilionários vão favorecer especialmente famílias ricas e empresas, uma vez que a lei não oferece nenhum mecanismo para tornar a GD mais acessível aos mais pobres.
“Neste caso especifico, era uma possibilidade de se considerar os consumidores de baixa renda na lei, que atualmente vivem em situação de pobreza energética, sem uma politica pública que os beneficiaria”, diz Leite.
“Mas como sempre os benefícios para essa classe vêm de forma precária e, no fim, os beneficiários acabam sendo mesmo os atores do lobby. O consumidor é penalizado de duas formas, a primeira com o aumento de sua tarifa, uma vez que a CDE irá subir, e a segunda por não ter acesso a essa energia.”
Apesar de o subsídio ser considerado generoso por entidades de defesa do consumidor, empresas do setor ainda tentam mudar os parâmetros da lei que podem elevar os custos para o consumidor.
Alegando dificuldades para efetivarem os pedidos e fazer a conexão dos projetos, e até o atraso na regulamentação por parte da Aneel, investidores interessados nesse tipo de energia quase conseguiram ampliar os prazos de isenções recorrendo ao Congresso. Um projeto de lei sobre o tema passou na Câmara, mas morreu no Senado.
Outra frente de ação busca mudar itens da lei na Aneel.
Nesta terça-feira (31), a reunião semanal da diretoria foi dedicadas à discussão de detalhes da regulamentação de GD. Foram feitas 17 sustentações orais de representantes do setor envolvidos no debate, um número muito elevado para os padrões dessa reunião. Normalmente, são dois ou três oradores por tema.
Dado o elevado volume de informações adicionais, o relator do processo, diretor Hélvio Guerra, julgou ser melhor tirar o processo da pauta do dia e avaliar as sugestões apresentadas. A expectativa é que a discussão, com eventuais decisões, volte na semana que vem.
Na sequência, outro processo ainda avaliaria detalhes desses custos da energia solar na CDE, mas como depende de uma definição de questões anteriores, também foi retirado da pauta.