No ano passado, a coordenadora do programa ‘Oásis – Conservação de Polinizadores’ da Ecoa, a jornalista Iasmim Amiden, realizou uma entrevista com o biólogo e pesquisador Marcos Wolf, que gentilmente a atendeu entre um dia e outro de trabalho. Sua paixão pelas abelhas transcende o ambiente profissional. Ele cria algumas destas polinizadoras em casa, pois acredita que demandam de atenção e cuidado, estão mais susceptíveis à extinção e carecem de locais para sua conservação.
Marcos possui graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura) pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e Mestrado em Biologia Animal pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Atualmente, realiza pesquisas com abelhas nativas, trabalha com a meliponicultura e é colaborador do projeto de educação ambiental de Campo Grande, MS, Enxameia.
Ecoa: Há quanto tempo trabalha com as abelhas nativas e como surgiu seu interesse pela atividade de meliponicultura?
Marcos: Trabalho com as abelhas nativas, sem ferrão, há pouco mais que cinco anos. Sempre fui um apaixonado pela natureza e pela interação entre os seres vivos e as abelhas são muito interessantes neste sentido, seja na interação com os próprios indivíduos da colônia, com as plantas através da polinização e com outros organismos que dependem delas. Graduei-me em ciências biológicas e, posteriormente, fiz mestrado em biologia animal. Meu primeiro contato com abelhas nativas foi no último ano da graduação, quando participei de um minicurso sobre insetos sociais. Dois meses depois, ganhei um enxame de abelha jataí – de um amigo – e a partir daí, fui me empolgando e estudando o tema. Em pouco tempo já estava com um meliponário em casa e não parei mais.
E: Sobre o Colapso das Colmeias, pode afirmar que existe no Brasil?
M: Sim. Não ocorre da mesma forma que o CCD (Colapso das Colmeias na sigla em inglês) nos EUA, mas por aqui o desaparecimento das colmeias nativas ocorre lentamente. Não se fala muito sobre isto, porque a abelha mais famosa no Brasil é a africanizada e esta é um hibrido rústico e muito resistente. É a espécie mais criada e a maior produtora de mel, consequentemente toda atenção é dada a ela. As nativas é que são mais prejudicadas, pois várias espécies dependem de grandes áreas de vegetação para manter uma população estável. As queimadas e desmatamento, além de exterminarem várias colônias nativas, causam o isolamento das populações em remanescentes de vegetação nativa e impede o fluxo genético e, consequentemente, as populações vão sofrendo endogamia e se estinguem após algumas gerações. O uso indiscriminado de agrotóxicos também contribui com a extinção das abelhas e diversos outros organismos e é muito comum no nosso estado.
E: Nos trabalhos que realiza, consegue perceber impactos causados por essas ameaças que você citou?
M: Sim. Este ano já perdi várias colônias, mas ainda não descobri o porquê. Tenho algumas hipóteses, talvez a mortandade tenha sido causada pelo veneno pulverizado para matar mosquitos, o popular “fumacê”. Pode ser alguma planta exótica de florada tóxica, aqui na capital temos duas espécies conhecidas, uma delas é o Neem-indiano e a outra é a Espatódea africana. O plantio dessas espécies na arborização urbana deveria ser desestimulado. Pode ser também algum veneno utilizado para formigas, pois, sabe-se que o regente mata por contato, é um veneno proibido, mas ainda é utilizado ilegalmente.
E: A Ecoa tem um programa de conservação de polinizadores, Oásis, que tem a proposta de proteger estes indivíduos em espaços onde não há uso de agrotóxico e sem a presença de queimadas e desmatamento, como nas regiões mais selvagens do Pantanal. E, de algum modo, você também realiza um “oásis” para as abelhas…
M: Sim, este é um trabalho extremamente importante, pois, somente em um ambiente preservado é que as comunidades de abelhas conseguem ocorrer em equilíbrio.
E: Há algum motivo específico para o seu foco de trabalho na reprodução da mandaçaia pantaneira e uruçu-amarela-do-planalto-central?
M: Muitas espécies são generalistas quanto ao ambiente e local de nidificação, um exemplo é a jataí, facilmente encontrada em área urbana e ocupa diversos tipos de cavidades, como muros, paredes, caixas de energia, etc. A mandaçaia pantaneira e uruçu-amarela-do-planalto-central são mais sensíveis ao desmatamento e dependem de grandes áreas de vegetação nativa para manter uma população estável. São espécies que estão mais vulneráveis à extinção. A manutenção e a reprodução artificial dessas espécies é uma forma de contribuir para a preservação das mesmas.
E: Você tem a intenção de trabalhar com as abelhas para fins comerciais?
M: Sim. Em um futuro próximo, a busca por polinizadores irá aumentar e o comércio e aluguel de colônias será essencial para a produção de alimentos. Isso já acontece no sul do Brasil com a polinização de macieiras e no nordeste com a polinização do melão. Imagino que a produção de colônias será um mercado promissor no futuro.
E: Acredita que a temática das abelhas, sua conservação e importância para os ecossistemas ainda carece de produção científica e disseminação de informação?
M: Sim, mas falta mais divulgação de informação do que pesquisas científicas, apesar de que ainda há muito campo para investigações. Mas, com o acesso à internet isto já está mudando. Hoje, já existem muito mais meliponicultores do que quando comecei em 2012.
E: Qual a dica que você pode dar a quem deseja ajudar na conservação das abelhas?
M: Primeiramente, devemos conhecer as abelhas, pois só cuidamos daquilo que conhecemos. Muitas espécies acabam sendo mortas por pura ignorância, algumas são confundidas com formigas, moscas, etc. Outras espécies são mortas simplesmente por não serem vistas pelas pessoas. Tem casos em que existem ninhos há anos em uma árvore, ou no solo, ou em uma, e que passam despercebidos pelas pessoas. A diversidade de espécies é grande. Devemos também evitar o uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos. Devemos preservar os remanescentes de vegetação nativa, pois estes são os habitats naturais das abelhas. Podemos também contribuir com a manutenção das colônias nativas plantando espécies de plantas que ofereçam alimento e/ou abrigo para as abelhas (flores e ocos para nidificação respectivamente). O corte de árvores de maior diâmetro também tem contribuído com o desaparecimento das abelhas, pois é nestas árvores que a maioria das espécies de abelhas costuma nidificar. E, por último, até sugiro para os mais interessados que criem abelhas em casa. Algumas espécies se adaptaram ao ambiente urbano e podem ser criadas até mesmo em apartamento.