Ecoa assina carta contra o PL do Licenciamento Ambiental

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Leia, na íntegra, a carta escrita pela Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica, assinada pela Ecoa, direcionada ao presidente do Senado, o Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG):

 

NOTA RMA: PL nº 3.729/2004 – Lei Geral do Licenciamento.

Ao Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

Presidente do Senado

Com extrema preocupação a Rede das Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica – RMA, coletivo que congrega 149 associações filiadas que trabalham pela proteção da Mata Atlântica, avalia o resultado da votação do PL nº 3.729/2004 (Lei Geral do Licenciamento), aprovado no último dia 13 pela Câmara dos Deputados, comprometendo em essência o licenciamento ambiental, importante e indispensável instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA.

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, ao dispor sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, inseriu dentre suas diretrizes o controle e zoneamento de atividades potencial ou efetivamente poluidoras, criando os instrumentos da Avaliação de Impactos Ambientais, e o Licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Esse marco legal destacou o Brasil no cenário político internacional, colocando o país dentre aqueles que buscam estabelecer um processo de desenvolvimento compatível com as novas diretrizes impostas pela crise ambiental que, enquanto civilização, atravessamos.

Eliminar a exigência de licenciamento ambiental para um rol significativo de empreendimentos e atividades com inequívoco potencial poluidor, restringir a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais na discussão dos processos de licenciamento é uma opção pelo retrocesso, num momento em que a crise ambiental, notadamente a climática, assume contornos trágicos, exigindo maior ação das nações efetivamente comprometidas com um presente e futuro melhores para seus cidadãos.

O PL nº 3.729/2004 simplesmente dispensa do licenciamento ambiental 14 atividades, algumas com impacto ambiental relevante, como sistemas de tratamento de água e esgoto, por exemplo; cria a figura da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), espécie de licença automática, auto declaratória, sem avaliação prévia do órgão licenciador, nos casos de empreendimentos de baixo e médio impacto ambiental. A LAC é generalizada para praticamente todos os setores econômicos.

O texto aprovado ainda prevê que estados e municípios adotem procedimentos próprios. Nesse particular é preciso registrar que o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal determina a necessidade de cooperação entre União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Com a edição da Lei Complementar nº 140/2011 as normas para esta cooperação restaram fixadas. Com o texto aprovado poderemos ter uma verdadeira inversão da logica constitucional, promovendo uma competição entre entes federativos na busca pela implantação de novos empreendimentos em seus territórios.

Ainda hoje sofremos os impactos dessa visão inconsequente em decorrência da fatídica manifestação da delegação oficial do Brasil na Conferencia das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano que ocorreu em 1972 na cidade de Estocolmo. Na oportunidade o Ministro Costa e Cavalcanti, chefe da delegação brasileira no evento, declarou: “Desenvolver primeiro e pagar os custos da poluição mais tarde”.

Aparentemente, a maioria dos deputados ainda se vê presa a essa lógica e, de maneira ingênua ou irresponsável, ainda imagina que tenhamos tempo para saldar essa divida e assim podemos seguir poluindo.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados compromete ainda um outro princípio muito caro, qual seja o da participação na tomada de decisões ambientais, que integra um dos três pilares do Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992, segundo o qual:

“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”.

Com o texto aprovado, nem mesmo para os povos indígenas tal direito resta assegurado, já que 297 terras indígenas seriam desconsideradas para efeitos de avaliação, prevenção e compensação de impactos ambientais, pois o texto prevê o licenciamento ambiental tão somente para empreendimentos que afetam territórios homologados. O mesmo se dará com territórios quilombolas. Mesmo no caso de Unidades de Conservação da Natureza, a oitiva do gestor somente se dará nos casos em que a mesma esteja na área diretamente afetada pelo empreendimento.

O Brasil, como signatário de diversos acordos internacionais sobre ameio ambiente não pode retroceder, negligenciando compromissos internacionais assumidos, e dilapidando marcos legais intrinsecamente associados a uma importante conquista civilizatória de nossa sociedade, permitindo o retorno da primazia dos interesses econômicos de grupos em detrimentos dos direitos coletivos e difusos da sociedade.

A repercussão negativa da aprovação do PL nº 3.729/2004 foi imediata, suscitando manifestações das mais diversas organizações da sociedade civil. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos se manifestou igualmente externando sua preocupação com o texto aprovado na Câmara dos Deputados.

O argumento central utilizado pelos defensores da proposta é que o PL destravaria a economia. O argumento é frágil e inconsistente. Atualmente apenas 1% das obras paralisadas no país se encontram nesta situação em decorrência de questões ambientais, segundo o TCU. O Licenciamento Ambiental não é um entrave, muito mais um elemento essencial para o planejamento das atividades e empreendimentos de setores responsáveis e conscientes de sua função socioambiental.

Avaliando o rito e teor do PL nº 3.729/2004 aprovado na Câmara do Deputados, não há como deixar de correlacionar esta decisão com a deprimente fala do Ministro do Meio Ambiente, assumindo que a administração pública federal precisa aproveitar a oportunidade, criada com o estado de emergência decorrente da pandemia da COVID 19 que passa a ocupar a maior atenção dos veículos de comunicação, para promover a desregulamentação no setor ambiental. A RMA acredita que a tramitação da matéria no Senado da República é uma oportunidade para se mostrar ao povo brasileiro que essa não é a visão preponderante num Parlamento comprometido com a defesa da Constituição, com o desenvolvimento seguro e com o futuro do nosso povo. Nesse sentido clamamos a Vossa Excelência, como Presidente do Senado, que propicie todas as condições necessárias para o amadurecimento deste debate tão importante e, a partir dele, possamos resguardar a vital importância desse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que é o Licenciamento Ambiental.

 

Brasília, 17 de maio de 2021.

Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica – RMA

 

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