Texto originalmente publicado em 8 de outubro de 2009
Por Eduardo de Oliveira Fernandes
Energia é, etimologicamente, a capacidade de mobilizar uma força. Daí, energia ser fonte de vida e ser causa de ação e de movimento e, por isso, poder ser condição de progresso, de crescimento de riqueza e de bem estar. Mas, a energia é também e só ambiente: fóssil ou renovável, a energia vem do ambiente e – num paralelo com a ‘condenação bíblica’ – ao ambiente há de retornar.
Isto, num regresso sem custo, como é, por exemplo, o caso do ´resíduo da luz do sol que entra pela vidraça ou, muito oneroso, como é o caso dos efluentes da combustão. Aqui, a situação é particularmente séria, não já pelos gases do nível da meso-escala (SO2, NOx,…) mas, pelo gás da escala global (ozônio, CO2).
A energia não se consome, mas transforma-se. ‘Consome-se a energia a certo nível de qualidade quando é usada, isto é, convertida, dando origem a uma ou mais ‘variedades de energia de qualidade inferior. É o caso da eletricidade que aciona um motor ou do combustível que se queima numa caldeira. Em geral, por fatalidade termodinâmica, o calor aparece como a variedade mais votada a ser essa energia de perdas: na central térmica com os gases libertos para atmosfera; nos efluentes líquidos e gasosos, com ou sem vapor de água, dos processos industriais; na ‘regulação do sobre-aquecimento da enfermaria do hospital com a abertura das janelas, etc. etc. A percepção desta realidade deve estimular a engenharia e a organização das atividades para evitar ou reduzir o impacte dessas perdas. E a tecnologia deve responder e responde.
É por isso que é possível ter em centrais de ciclo combinado mais 30 a 50 % de rendimento para a mesma energia do combustível queimado do que numa central térmica convencional: ter sistemas de recuperação de calor do ar quente de exaustão para o ar aquecido necessário ao processo; ter edifícios com uma solução ‘por medida para cada espaço e a cada estação; antecipar eficiências por melhoria tecnológicas em frigoríficos, em lâmpadas e em outros equipamentos de até 50 ou 70%.
Mas a energia que se perde por entre os dedos das sociedades do desperdício não é só essa do ‘fim de linha mas é também aquela que se usa sem que seja, de fato, necessária. Esta afirmação é já bem entendida por todos quando nos referimos à água. Ninguém responsável advogaria meios de aumentar desnecessariamente os usos – também aqui, a água não se consome – de água potável.
Mas, o curioso é que esta cultura não chegou ainda à energia. Com isto não se defendem restrições ou atitudes de austeridade seja de que tipo for. Note-se que, embora tal se torne necessário quanto à água com alguma freqüência, isso seria menos aceitável no que concerne à energia.
A cultura ambiental, holística, que envolve a gestão racional, sustentável, de todos os recursos e que é pressuposto da atitude pró-eficiência. Note-se que eficiência não é poupança, restrição ou austeridade mas é um exercício de saciedade, de racionalidade tecnológica, de responsabilidade social. Não entendemos, apesar de tudo, já bastante bem o que é a responsabilidade social em relação ao ambiente? Pois bem, incluamos a energia porque energia é ambiente.
Neste contexto falar de eficiência energética não é coisa menor. O recente Livro Verde da Eficiência Energética da Comissão aponta para um potencial 20% de redução das necessidades – ou dos consumos – até 2020. Aqui está o caminho. Um caminho que abafa os delírios dos ‘vendedores de energia, em geral, navegadores de grandes naus. Claro que se dirá que aquele objetivo não se adequa à situação de Portugal. Aqui, a ‘vox populi é a de que ainda não somos suficientemente desenvolvidos e que por isso os nossos consumos deverão crescer em correspondência com a necessidade do crescimento econômico. Não seremos nós a dizer que os consumos não deverão crescer, mas, o objetivo da eficiência, se adotado e assumido politicamente, deverá permitir que as taxas de crescimento da energia não sejam tão altas e que a intensidade energética do produto interno bruto possa diminuir criando o espaço a que medidas de racionalização combatam o desenvolvimento de usos ociosos e compensem os crescimentos econômica e socialmente justificados.
O que se espera é uma política de rigor, definida com visão. A política da energia em Portugal tem andado em círculos sem merecer a devida consideração pelos poderes, sem visão e mesmo sem sentido da responsabilidade. Sobram os exemplos. Muitos encaram o mercado da energia como um mercado de bens quando, no fundo é um mercado de serviços. Entendem-no bem aqueles que tendo responsabilidade em empresas de distribuição, promovem a eficiência dos usos da energia final numa lógica de que o importante não é vender mais, mas é de fidelizar o cliente e assegurar o serviço mais eficiente.
Não estão em causa as tecnologias, nem a informação, nem sequer a formação dos agentes especializados, mas sim os objetivos políticos, de desenvolvimento sustentável, de qualidade de vida e de excelência do quadro de vida. E, em conseqüência, estão em causa os instrumentos de uma política para o recurso energia, nomeadamente, entre outros, instrumentos da fiscalização da energia e dos seus sinais para a competitividade da economia mas, também, para a sustentabilidade ‘at large’ da sociedade portuguesa; da coerência da gestão interdepartamental da relação energia-ambiente, ambiente natural e ambiente urbano; da responsabilidade da Administração enquanto responsável por uma fatia significativa da ‘procura energética.
Se um tal quadro político existir e se os órgãos gestores forem competentes e estáveis e se metas forem definidas, não se vê a razão porque a eficiência não possa ser um vetor significativo do aprovisionamento energético do futuro. E isto, com benefício para o tecido econômico e social, nomeadamente, através de mais emprego qualificado e da inovação e da tecnologia difusas, como é próprio das sociedades desenvolvidas.
A eficiência energética é uma das características do novo paradigma energético tipificado pela importância da gestão da procura, a par da tradicional gestão da oferta, pela liberalização e pela descentralização. Se algumas destas variáveis, digamos assim, atua mais diretamente pelo lado do mercado, outras têm uma marca de racionalidade técnica e tecnológica. É isso que levará, por exemplo, à identificação dos edifícios, para além de utilizadores, vulgo consumidores, de energia, como entes marcantes no futuro enquanto produtores de energia elétrica (via painéis fotovoltaicos) ou de água quente sanitária (via coletores solares térmicos).
Simples no conceito, a eficiência energética exprime-se por indicadores simples do tipo rendimento ou intensidade energética e traduz-se numa racionalidade no estado da arte da tecnologia, na qualidade da organização e da gestão. É, no entanto, extremamente complexa na aplicação porque envolve a comunidade em todos os níveis. Por isso, a importância da política na eficiência energética.
A eficiência energética constitui um desafio permanente aos que acreditam no futuro e no trabalho sério e consistente na construção desse futuro e rejeitam a visão da tecnologia chave na mão, dos comerciantes oportunistas e dos que acordando tarde estão dispostos a pagar caro porque não tiveram tempo até aqui para pensar e se organizarem.
A eficiência energética a par da promoção das energias renováveis é uma tarefa do futuro, da inteligência, da boa gestão dos recursos e da sustentabilidade. Mas sendo do futuro, deverá começar já, do lado da oferta e, sobretudo, do lado da procura envolvendo todos os utilizadores de energia até aos simples cidadãos. A urgência do futuro, por um lado, e a complexidade da gestão da procura, por outro lado, fazem da eficiência energética e das energias renováveis dois vetores prioritários da intervenção política transversais, globais e complementares para a construção do novo paradigma energético que já se antevê no horizonte.