Por Alcides Faria, Diretor Executivo da Ecoa | Publicado originalmente em 4 de julho de 2020
– As interrupções no funcionamento das turbinas das hidrelétricas no Brasil estão aumentando e, consequentemente, provocando significativas perdas na produção de energia. A quantidade de energia perdida devido a desligamentos forçados dobrou nos últimos 10 anos e projeta-se para o futuro o agravamento do problema.
– Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra as consequências do envelhecimento das usinas e as perdas que isso acarreta para a geração de energia.
– O valor da energia não gerada entre 2007 e 2018 devido a desligamentos programados dos turbogeradores foi de aproximadamente 4 bilhões de dólares.
– Entre 2007 e 2018 deixaram de ser gerados 208.963 GWh de energia por paradas forçadas, o equivalente a 12,762 bilhões de dólares pelo valor dos “leilões anuais de energia existente”.
– Em 2017 a energia não gerada por razões forçadas e programadas atingiu 67% da energia perdida pelo sistema elétrico de transmissão e distribuição por motivos técnicos ou comerciais.
– 31% das usinas brasileiras (46 usinas) que geram eletricidade para o sistema interligado nacional têm mais de 40 anos de operação.
– Em 2018 havia 29 usinas (28.165 MW de potência instalada) operando com indicador de tempo de desligamento forçado acima do recomendado.
– Os equipamentos hidrelétricos mecânicos com mais de 30 anos têm seu desempenho comprometido, a ponto de levar à interrupção permanente da sua operação.
– A recuperação de turbinas possibilita que energia nova seja oferecida sem os impactos ambientais da construção de uma nova usina em um prazo muito menor, “além de os serviços em cada turbogerador serem executados de forma a permitir que a usina continue operando as outras máquinas regularmente”.
Envelhecimento de hidrelétricas – Recuperar infraestrutura e investir em eficiência energética
Os custos de construção de hidrelétricas são altos e as consequências econômicas, sociais e ambientais com o barramento dos rios são graves. Hoje os principais projetos de barragens estão na Amazônia e os resultados de alguns de empreendimentos anteriores mostram o tamanho dos impactos. Um exemplo é a represa de Belo Monte, no Pará: custo muito acima do previsto, danos ambientais e sociais, e capacidade de geração questionada.
Mas somos uma sociedade “energívora” e o consumo de energia elétrica é crescente, contexto que nos leva para a questão crucial: como afastar a possibilidade de crises de abastecimento, como já aconteceu na história recente, sem a necessidade de novos barramentos de rios? Uma parte da resposta está na recuperação da infraestrutura do setor elétrico, como mostra o Estudo do BID, e na criação de políticas para eficiência energética.
Envelhecimento de hidrelétricas – Brasil na rabeira global de eficiência energética
A energia elétrica é um insumo vital do dia a dia e, por isso, cuidar de seus modos de geração e uso de modo racional é estratégico para o Brasil e o planeta. E qual a melhor energia elétrica? Aquela ganha com eficiência e menor impacto nas três fases do processo: geração, transmissão e consumo.
Com políticas concentradas na produção de energia – o “produtivismo” – o Brasil é um dos países industrializados que mais desperdiça energia elétrica no mundo e um dos que menos investe em eficiência energética.
No atual cenário, apesar de ser considerado um campo fértil para investimentos na área, o país ocupa o 20° lugar no ranking mundial de eficiência energética dentre os 25 países que mais consomem energia no mundo. O levantamento realizado em 2018 pelo International Energy Efficiency Scorecard, do American Council for an Energy-Efficient Economy (ACEEE), analisou as políticas e o desempenho dos países em quatro tópicos principais: esforços nacionais (governo); edificações; indústria e transporte. O Brasil se encontra à frente apenas da Tailândia (22), África do Sul (23) e grandes produtores de petróleo como Rússia (21), Emirados Árabes (24) e Arábia Saudita (25).
De acordo com a pesquisa da ACEEEE, a Alemanha investia mais de US$ 2,5 bilhões por ano em eficiência energética (US$ 31 per capita), a Itália mais de US$ 1,5 bilhão (US$ 25 per capita) enquanto o Brasil destina apenas US$ 191 milhões/ano (US$ 0,94 per capita) ao setor.
Outro relatório, dessa vez do Banco Mundial, indica que nos últimos 20 anos os investimentos brasileiros para substituir ou reparar a infraestrutura existente na área de energia, foram bem abaixo do necessário: menos de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Os investimentos caíram de 2,13% na década de 1970 para 0,7% em 2016.
A política de baixos investimentos na recuperação da infraestrutura tem como um dos resultados negativos no envelhecimento do parque gerador hidrelétrico nacional e as consequentes perdas na geração de energia.
Envelhecimento de hidrelétricas – Perdas com equipamentos velhos
Publicado em setembro de 2019, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o estudo “Impacto das interrupções na geração hidrelétrica do Brasil” mostra que as interrupções no funcionamento das turbinas das hidrelétricas no Brasil estão aumentando devido ao envelhecimento do parque gerador hidrelétrico e por isso ocorre uma significativa redução na produção de energia, pois aumentam as “paradas forçadas” de turbinas – como são denominadas situações em que os operadores são obrigados a interromper a geração por algum problema fora do calendário de manutenção ou das “paradas programadas”.
Essas mantêm-se estáveis, apesar da entrada de geradores novos, os quais, logicamente, requerem menos manutenção e contribuem para que a taxa geral de paradas forçadas seja menor.
Com base no número anual de horas não operadas e a potência instalada de cada usina, os autores do estudo do BID – Manoel Martins Nogueira e Arturo Alarcón – afirmam que os desligamentos forçados dobraram nos últimos 10 anos e estimaram que o valor da energia não gerada entre 2007 e 2018 devido a desligamentos não programados dos turbogeradores, gira em torno de aproximadamente 4 bilhões de dólares.
Envelhecimento de hidrelétricas – O Parque Gerador Hidrelétrico brasileiro
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) divide em três categorias as geradoras brasileiras:
– Central Geradora Hidrelétrica (CGH), com potência instalada entre 0 e 5 MW
– Pequena Central Hidrelétrica (PCH), com potência instalada entre 5 e 30 MW
– Usina Hidrelétrica (UHE), com potência instalada acima de 30 MW
Atualmente, o Brasil possui 147 centrais hidrelétricas com 667 turbogeradores. A potência instalada é de 94,6 GW, responsável pela geração de 60,4% de eletricidade demandada pelo país. Metade dessas usinas têm mais de 20 anos e apresentam defeitos frequentes. Outros 32% já ultrapassaram os 40 anos ficando sujeitas a constantes desligamentos forçados. Essa situação se agrava já que muitos fabricantes de antigos equipamentos não existem mais.
De 2011 a 2015 houve uma redução de 16% na geração hidrelétrica, resultado da falta de chuva, com consequente diminuição do volume dos reservatórios das usinas, principalmente nas regiões Sul e Sudeste (basicamente na bacia do rio da Prata em território brasileiro). Algumas usinas foram desligadas no período e ocorreram conflitos entre a destinação de água para o transporte ou a geração de energia. Entre 2016 e 2018 ocorre uma recuperação dos reservatórios, mas não alcança os mesmos níveis de 2011.
O estudo do BID – principais pontos
– Para monitorar o número de horas que os turbogeradores permanecem desligados o operador do sistema elétrico brasileiro considera dois tipos de paradas: as forçadas e as programadas, usando para tanto os índices TEIF (forçadas) e TEIP (programadas). O primeiro indica o tempo que os turbo geradores permanecem desligados por razões forçadas; e o segundo, o tempo de desligamento por razões programadas.
– O Ministério de Minas e Energia definiu os limites máximos para esses índices. Ultrapassar os limites reduz receitas de empreendimentos, uma vez que altera o valor da energia firme pela qual é remunerado.
– Algumas paradas não são consideradas como “desligamento”, como os que ocorrem para intervenções relacionadas com limpeza, em função da proliferação do mexilhão dourado e plantas aquáticas, mas deve ser respeitado um limite acumulado de 360 horas por unidade geradora nos primeiros 60 meses de operação comercial.
– Também não se considera as horas de operação com restrição de potência devido falta de água suficiente, como aconteceu no Brasil entre 2011 e 2015 (ver Tabela 2 e Figura 1), e o tempo gasto na modernização e instalação de equipamentos e outros serviços específicos de manutenção e outros eventos.
– A vida útil de um equipamento depende das suas características, da forma e da intensidade com que são usados e até os mesmos fatores ambientais. No caso de usinas hidrelétricas, a vida útil de alguns componentes são cerca de 15 a 20 anos, enquanto outros, como obras civis, têm uma vida útil de 40 a 50 anos. A Figura 3 apresentada no Estudo BID, a seguir, traz o quadro geral da vida útil dos equipamentos de uma hidrelétrica.
– No vigésimo ano os equipamentos e estruturas da usina entram na fase de alerta, e a partir do trigésimo ano a maioria dos equipamentos já chegou ao fim da sua vida útil. Manter uma operação a partir desse período, nessas condições (sem reabilitá-la), resultará em redução de energia, aumento de risco de acidentes e comprometimento acelerado de equipamentos e estruturas.
Sobre a metodologia
– Segundo os autores o “estudo apresentou uma metodologia que permite quantificar o número de horas de desligamento dos turbogeradores, seja por motivos forçados ou programados, usando como ponto de partida os valores publicados da TEIFa e da TEIP publicados pela ONS. Uma vez calculadas essas horas, é possível avaliar o custo de oportunidade da energia, com base nos custos de energia publicados regularmente.
– A metodologia “também pode ser usada para identificar as usinas que precisam ser reabilitadas e até mesmo priorizá-las” e “permite identificar, em cada uma das 147 usinas brasileiras, a quantidade de energia que não foi gerada devido a desligamentos não programados dos turbogeradores. Além disso, se necessário, é possível obter a energia total não gerada desde 2007, somando-se todos os valores anuais”.
– Os autores alertam que a estimativa da quantidade de energia que deixou de ser gerada pode estar sendo superestimada em até 16%, quando se compara a energia efetivamente gerada no ano por usina.
Conclusões do estudo sobre o envelhecimento de hidrelétricas
– O desligamento temporário ou permanente das usinas hidrelétricas por falhas requer sua substituição por outras usinas para fornecer energia ao sistema, seja consumindo combustíveis fósseis (com emissões e um custo de operação maiores) ou com a instalação de novas usinas de energia renovável (hídrica, eólica, solar), com um custo de instalação (US$/MW) superior ao custo de reabilitação de uma usina hidrelétrica. É então evidente que a reabilitação de usinas hidrelétricas oferece uma nova energia renovável ao sistema, com um mínimo de impacto ambiental e a um custo menor do que o da construção de novas usinas.
– A quantidade de energia perdida devido a desligamentos forçados dobrou nos últimos 10 anos, isso indica que as entradas de novas usinas (com baixa taxa de falhas) não compensam, em geral, o aumento dos desligamentos forçados das usinas mais antigas, projetando para o futuro o agravamento do problema.
– Em 2017 a energia não gerada por razões forçadas e programadas atingiu 67% da energia perdida pelo sistema elétrico de transmissão e distribuição por motivos técnicos ou comerciais.
– A quantidade de eletricidade entregue anualmente está aumentando e a quantidade de energia não gerada devido a desligamentos programados é muito maior do que a quantidade de energia não gerada devido a desligamentos forçados, o que é esperado. O que chama a atenção é a estabilidade desse índice, que mostra que o envelhecimento das usinas não tem um efeito direto nesse índice. Isso pode indicar que, apesar do envelhecimento do parque gerador, não houve aumento de desligamentos programados, o que pode repercutir no número e na duração de desligamentos forçados.
– O valor em dólares (US$) da energia não gerada devido a desligamentos programados é muito significativo, chegando próximo de 4 bilhões de dólares em 2017.
– No período 2007-2017 a energia perdida devido a desligamentos forçados praticamente dobrou (98%), enquanto as perdas do Sistema Integrado Nacional (SIN) no mesmo período aumentaram 37%. Por outro lado, a relação entre a energia não gerada (total) e as perdas no SIN permanece relativamente constante ao longo dos anos.
– É possível concluir que a taxa de aumento da energia perdida por desligamentos forçados + programados é semelhante à taxa de aumento das perdas do SIN. Isso pode ser visto na última linha da Tabela 20.
– A Tabela 20 compara a quantidade de energia não gerada, seja devido a desligamentos forçados ou desligamentos programados, com as perdas de energia existente no SIN em transmissão e distribuição, seja perda técnica ou perda comercial. Isso para que se tenha uma ideia da ordem de magnitude. A comparação mostra que a energia não gerada devido a desligamentos das usinas hidrelétricas tem a mesma ordem de magnitude das perdas de energia por transmissão e distribuição.
– As perdas de energia do SIN aumentam junto com o aumento da geração, em valor absoluto. Da mesma forma, como visto anteriormente o aumento da geração implica também o aumento da energia não gerada por desligamentos forçados, enquanto a energia não gerada por desligamentos programados permanece aproximadamente constante. Essas relações são observadas na Tabela 20.
– Os resultados mostram que o valor da energia não gerada está bem acima dos custos anuais de manutenção, e seriam até mesmo suficientes para custear a execução de serviços de reabilitação mais complexos (com um custo estimado de US$ 500 a US$ 1000 por kW) em um curto período.
– A energia nova seria oferecida sem os impactos ambientais da construção de uma nova usina em um prazo muito menor, além de os serviços em cada turbogerador serem executados de forma a permitir que a usina continue operando as outras máquinas regularmente.