Por Agência Brasil, Empresa Brasil de Comunicação
Brasília, 15/4/2004 (Agência Brasil – ABr) – “O Egito é uma dádiva do Nilo”. A frase, do historiador grego Heródoto, pode muito bem servir a outro propósito, bem brasileiro: o Pantanal é uma dádiva dos Andes. Num estudo concluído recentemente, o doutorando Shimeles Fisseha Woldemichael, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAGCA) da USP, comprova um artigo publicado em 1999 pela professora Naomi Ussami, também da Universidade de São Paulo, que relaciona a formação do Pantanal matogrossense com a da Cordilheira dos Andes.
A região do Pantanal está rodeada por cadeias montanhosas de formação antiga, como a Serra da Bodoquena, ao Sul, e a Chapada dos Guimarães, ao Norte. Alguns indícios apontados por Ussami provam que, assim como as serras que a rodeiam, a região do Pantanal também tem sua origem geológica a partir de grandes montanhas formadas numa antiga colisão entre duas placas tectônicas.
O mais comum seria imaginar que os grandes soerguimentos teriam desaparecido por processos erosivos, mas isso cai logo em descrédito quando se sabe que sob a superfície há uma camada de 500 metros formada por sedimentos – camada grande demais para ter surgido do desgaste das antigas formações.
Em estudo iniciado em 1988, Ussami concluiu que a vasta planície alagada do Pantanal é resultado não de erosão, mas sim do soerguimento da placa tectônica onde está o Brasil. Essa placa está se curvando em direção ao centro da Terra e mergulhando no magma quente, processo conhecido por subducção, exatamente sob a região dos Andes.
O peso da Cordilheira exerce uma enorme pressão sobre a borda da placa, e causa uma deformação muito parecida com o que aconteceria se dobrássemos com a mão um pedaço de borracha. Enquanto uma extremidade aponta para baixo, forma-se uma pequena elevação na parte imediatamente anterior. É justamente nessa elevação da placa, chamada de ombreira, que está localizado o Pantanal.
Segundo os levantamentos da pesquisadora, o processo que levou à formação da planície alagada está relacionado à colisão de duas antigas placas, ocorrida na região há 500 milhões de anos, que deu origem inicialmente à Faixa Paraguai, uma cadeia montanhosa muito parecida com o que hoje são os Andes.
Podemos imaginar essa cadeia montanhosa como um fila de dominós deitados, acomodados sobre uma superfície maleável. Conforme dobramos a superfície, criando uma ondulação para cima, as peças do dominó acomodam-se melhor, e deslizam, ficando em posição mais horizontal. É exatamente isso o que acontece conforme a placa tectônica se desloca em direção aos Andes e a ombreira eleva a região sudoeste do Brasil.
Além de explicar a origem do Pantanal, os estudos de Ussami comprovam que a deformação da placa tectônica tem íntima relação com a hidrografia – conforme o terreno é atingido pela ombreira, o sentido e os cursos dos rios são alterados. Usando aparelhos capazes de determinar a constituição de rochas sob a superfície, conhecidos como magneto-telúricos, Shimeles descobriu que sob uma fina camada de sedimentos derivados de quartzo, levados por rios que partem da bacia do Paraná, a Leste do Pantanal, há uma camada muito maior, com grande quantidade de argila e calcário, transportados anteriormente de Oeste para Leste.
Esse calcário transportado da região da bacia do Paraguai em direção ao Pantanal é responsável por uma lenda perpetuada na fala dos moradores da região: “Tudo isso aqui já foi o mar de Xaraiés”, contam os pantaneiros. É verdade que há conchas e formação de lagoas salinas, mas esses eventos estão relacionados a processos continentais, e não à existência de um antigo mar aberto na região.
Futuramente, os levantamentos de Ussami e Shimeles servirão de subsídio para outras pesquisas sobre o processo de assoreamento dos rios pantaneiros, que pode ser provocado mais por ação natural que por interferência humana. (Agência USP)