Por Clovis Vailant, Instituto Gaia
Para pensarmos no fortalecimento dos Comitês de Bacia em Mato Grosso, é essencial tomar como base a Lei Federal 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).
Comecemos pelos fundamentos já apresentados no Art. 1º:
I – A água é um bem de domínio público;
II – A água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III – Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;
IV – A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V – A bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI – A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Considerando o Inciso I, já temos um desafio: a água como bem de domínio público. O desafio é qualificar para a sociedade brasileira o domínio público. É muito comum, na nossa sociedade, a confusão entre bem público e bem estatal. Temos ainda a visão de que o bem público, na verdade, não é de ninguém e, por fim, a atribuição ao Estado pelo cuidado do bem público.
Então, como os agentes de Estado podem ser responsabilizados pelo uso indevido do bem público, são esses agentes que acabam por se “apropriar da gestão e do gerenciamento dos bens públicos”. Logo, temos outros desafios: o papel do Estado, quais grupos sociais dominam a estrutura de Estado e quais interesses passam a ser expressos por essa estrutura.
Já o Inciso II é a base de mais alguns desafios. Destaco que, ao definir a água como recurso, já se tem uma contradição com o Inciso I, que a definiu como bem público. Recursos naturais são, na maioria das vezes, vistos como algo à disposição do mercado e este está sob a égide da lógica capitalista. Assim, essa definição passa, aos interessados em lucro, uma certa prioridade de uso: a prioridade do Capital. Essa situação é reforçada pela definição de valor econômico para esse “recurso”. Com o sequestro da palavra economia pela lógica financeira presente no mercado, um bem ou um recurso dotado desse valor reforça a ideia da primazia dos usos de interesses individuais sobre os usos de interesse coletivo das águas.
O Inciso III destaca o uso prioritário da água para consumo humano e dessedentação de animais, porém, só em caso de escassez. É como uma cláusula de garantia de sobrevivência mínima. Esses usos prioritários devem ser em qualquer situação de disponibilidade hídrica.
Seguindo a questão anterior, o problema do inciso, que trata dos múltiplos usos das águas, é que, sem a priorização do consumo humano e com a prevalência da definição da água como recurso, as águas estarão, majoritariamente, destinadas às atividades econômicas lucrativas que atendam às demandas do mercado. Desse modo, o direito à água fica submetido às lógicas do capital e analisado como demanda de mercado.
Como, para nós, pensar em água é pensar em rios, a proposição de que a unidade territorial da PNRH e gerenciamento de recursos hídricos seja a bacia hidrográfica é perfeita. Porém, o problema é a organização da Federação Brasileira, que tem no município o seu foco. Essa nova unidade política de gerenciamento supra-municipal e subestadual exige uma maior disposição ao diálogo e uma visão sistêmica que suplante os limites político-eleitorais.
Por fim, vale destacar os desafios da representação tripartite. O poder público tem sua representação, em geral, exercida por representantes remunerados, o que, por vezes, exclui a possibilidade de reuniões fora do horário de trabalho. Outro segmento que também tem representantes remunerados é o de usuários, com exceção de agricultores familiares, pescadores e outros segmentos de usuários populares. Já a sociedade civil consegue poucos financiamentos para atuar nessa temática e há muito do que podemos chamar de derivação de atuação, quando a organização atua em defesa da água como um bem comum fundamental para a conservação ambiental.
A partir dessas questões, propomos algumas ações para o fortalecimento dos Comitês das Bacias dos afluentes do Rio Paraguai:
1. Participação Social e Engajamento Comunitário:
– Incentivar a participação ativa das comunidades locais, incluindo agricultores, pescadores, ONGs e outros grupos interessados.
– Realizar campanhas de conscientização sobre a importância da gestão dos recursos hídricos.
2. Capacitação e Educação:
– Oferecer programas de capacitação para membros dos comitês, focando em gestão de recursos hídricos, legislação ambiental e resolução de conflitos.
– Promover a educação ambiental nas escolas e comunidades para aumentar o conhecimento sobre a bacia hidrográfica.
3. Financiamento Sustentável:
– Estabelecer mecanismos de financiamento estáveis e diversificados para garantir recursos financeiros adequados para as atividades dos comitês.
– Buscar parcerias com o setor privado e organizações internacionais para apoio financeiro e técnico.
4. Integração e Cooperação Interinstitucional:
– Fomentar a cooperação entre diferentes níveis de governo (municipal, estadual e federal) e entre comitês de bacia adjacentes.
– Promover a troca de informações e experiências entre os comitês de bacia da região.
5. Planejamento e Gestão Eficiente:
– Desenvolver planos de gestão integrada de recursos hídricos que considerem as especificidades da Bacia do Rio Paraguai.
– Implementar sistemas de monitoramento e avaliação para acompanhar o progresso das ações e projetos.
6. Uso de Tecnologias e Inovação:
– Integrar tecnologias de monitoramento remoto e sistemas de informação geográfica (SIG) para melhorar a gestão e o planejamento.
– Incentivar a pesquisa e inovação em práticas sustentáveis de uso da água.
7. Resolução de Conflitos:
– Estabelecer mecanismos claros e transparentes para a resolução de conflitos relacionados ao uso dos recursos hídricos.
– Promover o diálogo e a mediação como ferramentas para lidar com disputas entre diferentes usuários da bacia.
8. Adaptação às Mudanças Climáticas:
– Integrar estratégias de adaptação às mudanças climáticas nos planos de gestão dos comitês.
– Promover práticas de conservação e uso eficiente da água para mitigar os impactos climáticos.
Esses fatores podem ajudar a fortalecer os Comitês de Bacia na região hídrica do Rio Paraguai, promovendo uma gestão mais eficaz e sustentável dos recursos hídricos.