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Investimentos em energia hidroelétrica do BNDES nos últimos 20 anos na Bacia do rio Paraguai, onde está o Pantanal

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Introdução

A Ecoa monitora as ações de grandes bancos e financiadores de projetos de infraestrutura e energia de toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP) e do Pantanal. O propósito é entender onde estão as fontes de recursos, trabalhando para que investimentos não fomentem obras  de impacto socioambiental e econômico negativos e sim promovam um verdadeiro desenvolvimento sustentável para a região. Um destes financiadores de projetos é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresa pública brasileira que faz financiamento de longo prazo a projetos de caráter social, cultural e tecnológico. O foco do presente levantamento são os investimentos em empreendimentos hidrelétricos feitos pelo BNDES na parte alta da BAP. 

 

Represas

As represas em construção, construídas e planejadas para a BAP são hoje 180. As  represas já construídas trazem grandes danos ao Pantanal, como por exemplo, redução no fluxo das águas dos rios pantaneiros, um fator especialmente grave, principalmente em períodos de crise hídrica como o atual. Caso sejam construídas todas as represas previstas haverá uma redução drástica na quantidade de peixes nos rios, impactando não só a biodiversidade, como também afetando negativamente a pesca e todos aqueles que dependem dela para sobreviver. Vale lembrar que a pesca, em todas suas modalidades, é a atividade que mais gera trabalho e renda no Pantanal.  

Por ser uma planície alagável, as espécies vegetais também dependem dos pulsos naturais de inundação que ocorrem no pantanal e de muitas dessas espécies nativas dependem também da fauna local e atividades sustentáveis de desenvolvimento econômico das populações tradicionais. Neste contexto atual de crise hídrica, agravada pelas represas existentes, e os incêndios, já identificamos situações críticas para a manutenção das espécies nativas e para cadeias produtivas vinculadas à sociobiodiversidade pantaneira. 

Para cumprir com nosso monitoramento, compilamos dados de todos os investimentos em geração de energia hídrica do BNDES na BAP de 2001 até 2021 e constatamos que foram investidos pelo BNDES mais de dois bilhões de reais, com valores corrigidos. Esses financiamentos são feitos a juros baixos, que variam de 3,5% a 5% ao ano acima da taxa de juros divulgada pelo Banco Central e têm benefícios como pagamento a longo prazo ( em mais de 90 meses – sim, mais de 7 anos): facilidades para investir em atividades que causam danos irreversíveis ao Pantanal.

No período 2001/2021 foram feitos 14 financiamentos, em 9 unidades geradoras de energia, sendo 3 UHEs (Usinas Hidrelétricas) e 6 PCHs (Pequenas Centrais Hidroelétricas), quase todos no Mato Grosso (Itiquira, Jauru, Tangará da Serra e Alto Taquari) e uma no Mato Grosso do Sul (Coxim).

Um registro interessante é que os financiamentos do BNDES para as a construção de represas estão concentrados em uma mesma empresa ou em empresas que têm os mesmos representantes legais ou fazem  parte do mesmo grupo (Fig. 1). 

Nesses 20 anos, apenas 6 grupos de empresas receberam financiamentos do BNDES para represas na BAP. A empresa Itiquira Energética e Energética Ponte Alta S.A, tem em comum três sócios, sendo eles: Gustavo Fischer Sbrissia,  Nilton Leonardo Fernandes de Oliveira,  Carlos Gustavo Nogari Andrioli. Arapucel Ombeira S.A e Santa Gabriela Energética S.A possuem em comum a empresa Brennand energia, administrada pela família Brennand, que hoje também é gestora da PCH Terra Santa e Pampeana. Essas duas últimas foram construídas por empresas diferentes, mas que também possuem sócios comuns, como Mozart de Siqueira Campos Araújo, Paulo de Tarso da Costa, Pedro Pontual Marletti, Ricardo Jerônimo Pereira Rego Junior. Atualmente de 9 unidades geradoras, 4 são geridas pela Brennand Energia Gerem uma hidrelétrica cada as seguintes empresas:  Engie, Ibitu Energia, Polimix Energia , Itiquira Energética S/A e a  Brookfield.

Contratos financiados pelo BNDES em empreendimentos hidrelétricos nos últimos 20 anos na Bacia do Alto Paraguai. Na imagem os números mostram a quantidade de contratos e as setas as ligações entre as empresas.

 

A Agência Nacional de Águas (ANA) suspendeu o licenciamento de empreendimentos hidrelétricos na BAP a partir de 2017, até que os “Estudos de avaliação dos efeitos da implantação de empreendimentos hidrelétricos”, patrocinados pela da Agência fossem concluídos, o que aconteceu em 2020. Como estavam suspensos os licenciamentos, o último financiamento do BNDES para represas na BAP ocorreu naquele ano. Terminados os estudos, a partir de 2020, a implantação destas represas voltou a ser permitida, o que trás um alerta para possíveis novos investimentos destrutivos para o Pantanal.

A implantação de todos estes empreendimentos hidrelétricos tem se mostrado, a cada dia, menos efetiva. A crise energética que enfrentamos  escancara isso. A atual crise é causada não apenas pelos fatores climáticos, mas também por um possível erro de estratégia de investimento do governo brasileiro ao longo dos anos, ocasionando alta dependência do Brasil na energia hidroelétrica e concentração na bacia do rio Paraná. Devido à pouca água disponível, para manter a produção de energia, essas barragens acabam represando a água dos rios, diminuindo a quantidade de água para as regiões “abaixo” das represas. 

Para a região do Pantanal os danos são ainda maiores, pois provocam secas mais acentuadas e diminuição da área inundada, aumentando problemas como as áreas suscetíveis de incêndios. Portanto, entender a origem do recurso que financia estes empreendimentos é primordial para traçar estratégias para tomada de decisões e incidir, pois cada vez mais vem se mostrando um tipo de investimento inviável e danoso para o ambiente. Salientamos ainda, a importância do BNDES em financiar projetos que não agridam ou prejudiquem populações tradicionais, principalmente considerando o caráter do Banco, que tem o compromisso de respeitar os direitos sociais e ambientais, tendo em seu propósito e missão, o desenvolvimento sustentável do País.

 

Os Casos Jauru e Correntes

O rio Jauru, afluente do rio Paraguai, por exemplo, possui 06 empreendimentos hidroelétricos em seu leito, tem sofrido com alterações significativas na qualidade da água. Além disso, estão ocorrendo bruscas alterações na vazão do rio, provocando as chamadas “ondas de seca”, que reduzem as populações de peixes da região. O mesmo ocorre no rio Correntes, cuja nascente encontra-se entre a serra da Saudade e de Maracaju e foz na confluência com o rio Piquiri, que além dessa redução dos peixes, também tem sofrido com  assoreamento e com a redução da amplitude de sua inundação. No rio Correntes ficam as represas Ponte de Pedra, da Engie, Santa Gabriela (Brennand Energia) e Aquárius I (Aquarius Energética S.A.). A represa Ponte de Pedra comumente fecha seu reservatório e o nível do rio se altera em questão de horas, passando de metros para centímetros, causando a morte de milhares de peixes a jusante da barragem e ocasionando impossibilidade de navegação. Conforme relatam moradores, o rio praticamente deixou de ser navegável, devido ao baixo nível da água, resultado do fechamento além do mínimo da vazão de água do reservatório da represa. Segundo os moradores, o medo é que a situação se agrave até novembro.

O rio Cuiabá que hoje já sofre o impacto de uma grande hidrelétrica em um de seus rios formadores, o de Manso, está ameaçado por um conjunto de 6 barragens em seu leito, as quais estão em processo de licenciamento no estado do Mato Grosso. Caso esses empreendimentos sejam licenciados, grandes danos ocorrerão em todo o Pantanal.  

É imprescindível que equívocos do passado sirvam de aprendizado e que não se repitam no futuro. E para isso é necessário investimentos em diversificação da matriz energética No Pantanal a fonte comprovadamente viável é a energia fotovoltaica, como demonstrado pela Ecoa com a instalação de 3 pequenas usinas, duas delas atendendo escolas públicas.

 

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