Via Valor
Por Bettina Barros
A mudança climática em curso atingirá também populações inteiras de abelhas e, com elas, a possibilidade de polinização natural de diversas culturas agrícolas cuja existência depende inteiramente desses insetos. O cenário soa catastrófico, mas é exatamente assim que um estudo realizado por um grupo multidisciplinar de pesquisadores da Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo (USP), aponta para o futuro brasileiro.
Encabeçado pela bióloga e pós-doc Tereza Cristina Giannini, o artigo “Projected climate change threatens pollinators and crop production in Brazil”, publicado hoje na revista PLOS ONE, conclui que quase 90% dos 4.975 municípios brasileiros analisados no estudo enfrentarão perda de espécies polinizadoras nos próximos 30 anos. No Brasil – onde 60% das culturas agrícolas dependem de polinizadores, em maior ou menor grau -, a probabilidade de ocorrência de polinizadores poderá ter uma queda de 13% até 2050.
“Sul e Sudeste deverão ser os mais afetados pela queda no número de polinizadores, justamente as regiões onde estão importantes culturas agrícolas”, afirma Tereza Cristina, que dedicou três anos à pesquisa. Durante esse período, a bióloga estudou 13 culturas agrícolas e seus 95 polinizadores.
O estudo mapeou desde culturas que dependem integralmente dos insetos para produzir frutos (como maracujá, acerola e urucum) aos de alta (abacate, goiaba, girassol e tomate), média (coco, café e algodão) e baixa dependência da polinização (caso do feijão, tangerina e caqui). A dependência se deve à morfologia da flor: há flores que não precisam de polinizador animal (o vento, por exemplo, já resolve). Outras precisam que o inseto carregue o grão de pólen de uma flor para outra, assegurando, dessa forma, a polinização.
Segundo o artigo, as perdas maiores devem afetar municípios com baixo PIB, o que pode impactar ainda mais os níveis de pobreza dessas regiões, e também um grupo de municípios de PIB mais alto, cuja riqueza pode ser reduzida pelas perdas de polinizadores.
O grupo usou a Modelagem de Distribuição de Espécies (MDE), técnica que determina áreas potenciais de ocorrência de espécies e projeta sua distribuição futura.Para estimar a ocorrência e localização de cada espécie polinizadora, foram usados os bancos de dados do Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA) e do Global Biodiversity Information Facility (GBIF).
Os números são preocupantes, ainda que se tratem de probabilidades estatísticas, diz a pesquisadora. Tomando como base as projeções do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) de elevação de temperatura em 2050 em 2º C na Mata Atlântica, 95,5% dos 1.708 municípios que hoje cultivam café perderiam seus polinizadores naturais.
Por sorte, não seria a erradicação dos cafezais porque a cultura depende moderadamente dos insetos para frutificar – apenas sete espécies de abelha prestam o serviço ambiental.Outros 99,1% do total de municípios brasileiros que cultivam algodão (321) também notariam o sumiço de polinizadores naturais em 2050, mantida a tendência de alta da temperatura. Por sorte também, o algodão depende menos da polinização por insetos. O mesmo não ocorreria com maracujá, acerola e urucum – 100% dos pomares dependem de insetos para que o fruto vingue.
“Os produtores terão de buscar cultivares que dependam menos da polinização ou mudar a cultura de lugar”, diz Tereza Cristina.
As estimativas do PBMC preveem alta de 4º C na Amazônia brasileira até 2050, e queda de 30% nas precipitações de chuvas. Na Mata Atlântica, a alta seria de 2ºC na temperatura e de 15% nas chuvas. Calor e excesso ou falta de chuvas afetam igualmente o desenvolvimento das colmeias.
“De modo geral, achamos que a adaptação provavelmente vai acontecer com espécies que toleram amplas faixas de temperatura e precipitação. Mas isso é muito difícil de medir. Podemos mensurar a tolerância de um polinizador à mudança de calor, por exemplo. Mas como medir essa mesma tolerância se a mudança demorar dez anos para acontecer?”