Por Claudio Angelo/ Observatório do Clima
Nove graus Celsius e meio. É isso o que a Terra poderá esquentar nos próximos 250 a 300 anos caso a humanidade resolva torrar todas as reservas de combustíveis fósseis existentes. Claro, esta seria a média: o Ártico, mais sensível, esquentaria até 19,5ºC. E o centro-sul do Brasil, que já aqueceu mais do que o resto do mundo, poderia chegar quase lá.
Os números vêm de um estudo canadense que acaba de ser publicado no site do periódico Nature Climate Change. É até difícil imaginar o que seria viver num planeta sob essa temperatura – assumindo, claro, que a manutenção da vida humana fosse possível. Mas pense por um momento no que tem sido seu dia-a-dia no último ano e meio, com um globo “apenas” 1ºC mais quente. Você não vai querer chegar a 2ºC, o limite máximo de aquecimento prometido pelos governos no Acordo de Paris, além do qual os impactos da mudança do clima poderão sair do controle. E de jeito nenhum flertaria com a ideia de 9,5ºC.
Trata-se de um limite teórico. Uma situação extrema, do tipo “deu a louca no gerente”, “Donald Trump presidente do mundo”, ou algo assim. Um cenário muito improvável, no qual todos os países do mundo resolvessem manter a matriz energética global do jeitinho que ela é – ou melhor, era até poucos anos atrás –, partindo para a exploração das reservas comprovadas de carvão, petróleo e gás até o último metro cúbico.
No entanto, é preciso levar tal cenário em conta para balizar os esforços globais de mitigação, afirmam os autores do novo estudo, liderado por Katarzyna Tokarska, da Universidade de Victoria, no Canadá. O que eles mostraram foi que o limite teórico de aquecimento da Terra é maior do que se imaginava até agora, uma afirmação cujo único corolário possível é que a maior parte das reservas de combustíveis fósseis terão de ficar no subsolo – e isso inclui o pré-sal do Brasil.
Tokarska e colegas resolveram forçar os modelos computacionais que simulam o clima da Terra ao máximo, para testar uma ideia que lhes parecia estranha: o planeta teria uma espécie de termostato no qual a temperatura varia em sincronia com o aumento dos gases-estufa no ar até um certo ponto: 2 trilhões de toneladas de carbono, ou 7,2 trilhões de toneladas de CO2 no ar. Depois desse ponto, o tal termostato não funcionaria mais com a mesma precisão e o aumento de temperatura desaceleraria, mesmo com o aumento contínuo das emissões. Mecanismos de autorregulação do planeta entrariam em ação, impedindo a subida linear do termômetro.
O grupo canadense descobriu que esse não é o caso. Para isso, os cientistas usaram quatro modelos globais do clima de último tipo, os mesmos usados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) em seu último relatório, de 2013.
Eles fizeram rodar os modelos em computador até o ano 2300 no cenário de emissões mais pessimista. E concluíram que o termostato global se mantém firme e forte mesmo a altíssimas concentrações de carbono: a relação CO2-temperatura é linear até mesmo no cenário extremo de 5 trilhões de toneladas de carbono, ou 18 trilhões de toneladas de CO2 emitidas. É mais ou menos o que contêm as reservas comprovadas de combustíveis fósseis.
Um mundo de 9,5ºC não teria gelo em lugar nenhum. A Antártida e a Groenlândia inteiras derreteriam, elevando o nível global dos mares em pelo menos 60 metros. Temperaturas extremas e mudanças nos oceanos causariam extinções em massa. Já com 4ºC de média alguns estudos têm sugerido que vários milhões de pessoas poderiam morrer em regiões como o centro-sul do Brasil, que neste século pode ficar 8ºC mais quente.
Felizmente, por um lado, a economia política global parece estar nos desviando dessa trajetória. O consumo de carvão mineral parece ter chegado ao pico em países como EUA e China ao mesmo tempo em que fontes renováveis estão cada vez mais baratas e são adotadas em escala cada vez maior. As promessas feitas pelos países no Acordo de Paris, as INDCs, propõem algum grau de redução de emissões: mesmo que insuficiente para garantir a estabilização da temperatura em menos de 2ºC, elas permitem afastar cenários de 4ºC ou mais.
Infelizmente, porém, não há nada no sistema internacional ou na estrutura do Acordo de Paris que garanta o cumprimento das INDCs, ou mesmo a adoção de novas e mais ambiciosas metas pelos países. Afinal, todas as contribuições são voluntárias, e todas as decisões de mitigação pertencem, por assim dizer, ao foro íntimo de cada país. E há países que chegaram recentemente à farra fóssil e não planejam sair dela tão cedo – como o Brasil. Mesmo que o limite de temperatura do novo estudo seja um pesadelo distante, há muito mais estrago entre 1ºC e 9,5ºC do que sonha a nossa climatologia.