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NASA: Água doce global teve redução abrupta e fenômeno começou no Brasil

11 minutos de leitura
Mapa do “Observatório da Terra da NASA/Wanmei Liang com dados de Mary Michael O’Neill” mostra os anos em que a terra estava mais seca em cada local, com base em dados dos satélites GRACE e GRACE/FO.

Por Fernanda Cano e Alcides Faria

– Treze das trinta secas mais intensas do mundo ocorreram a partir de janeiro de 2015.

– Pesquisadores suspeitam que o aquecimento global contribua para o esgotamento duradouro da água doce.

– No Brasil o impacto mais visível foi na bacia do rio Paraná, onde 3 secas foram registradas em 10 anos.

– A agricultura intensiva compacta o solo, o que diminui a quantidade de água que ele pode absorver quando chove.

– Precipitações intensas faz com a água escorra rapidamente, não infiltrando do solo e mesmo ajudando a compactá-lo.

A queda abrupta da quantidade de água doce global começou com uma seca massiva no Norte e Centro do Brasil, logo seguida por uma série de grandes secas na Australásia, América do Sul, América do Norte, Europa e África, informa texto da NASA de novembro de 2024 com base na publicação “An Abrupt Decline in Global Terrestrial Water Storage and Its Relationship with Sea Level Change”.

Mapa do “Observatório da Terra da NASA/Wanmei Liang com dados de Mary Michael O’Neill” mostra os anos em que a terra estava mais seca em cada local, com base em dados dos satélites GRACE e GRACE/FO.

Temperaturas maiores no Pacífico tropical a partir do final de 2014 até 2016, levaram a um dos eventos El Niño mais fortes desde 1950, com mudanças nas correntes de jato atmosféricas, as quais alteraram os padrões climáticos e de precipitação em todo o mundo.

O que precedeu o El Niño forte de 2014 a 2016

O que temos observado ao longo dos anos de monitoramento climático e hidrológico principalmente na alta bacia do rio Paraguai (BAP) é que existem conexões entre o que acontece no Pacífico equatorial e eventos extremos na região. Analisando dados da NASA, cotejando-os com outras fontes como a pluviosidade de mais de cem anos da fazenda Bodoquena (Miranda, MS) e as medições na régua que indica os níveis do rio Paraguai em Ladário (MS) em mais de um século, encontramos indicações de que períodos prolongados caracterizados como Fase Neutra entre o El Niño e La Niña tendem a provocar secas mais fortes na BAP e chuvas sendo mais associadas ao La Niña.

Claro que são processos climáticos complexos e não automática, porém, diretamente conectados que necessitam serem desvendados por estudos cuidadosos e trazidos para o atual universo de mudanças climáticas globais.

Uma mostra da complexidade dos processos climáticos atuais é o que se passa agora – final de janeiro de 2025 na BAP, quando prevalece La Niña: enquanto nas sub-bacias da parte Norte a precipitação alta levou vários municípios a decretaram emergência, nas sub-bacias da parte Sul as chuvas têm sido pouco intensas, o que pode ser comprovado pelo baixo nível de rios como o Miranda, atualmente com 1,09 metros, nível sete vezes menor que em 2018 – ultima cheia significativa do Pantanal – quando marcou 7,12 metros no mesmo período e o rio Apa, na região de Porto Murtinho (MS), em plena temporada das águas.

Entre junho de 2010 e abril de 2012 ocorreu o La Niña, com apenas um mês (junho de 2011) caracterizado como ‘Fase Neutra’ pelo Climate Prediction Center (CPC) do National Oceanografic Atmospheric Administration (NOAA) dos Estados Unidos, dentre os 23 meses do período.

Nestes quase dois anos do La Niña (2010-2012) a bacia do rio Paraguai, onde está o Pantanal, teve chuvas intensas, com cheias arrasadoras em diferentes regiões, surpreendendo comunidades ribeirinhas e pecuaristas. Os prejuízos ultrapassaram, em valores corrigidos, os R$500 milhões, segundo cálculo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).

São vários os indícios de relação entre os fenômenos El Niño e La Niña e a ocorrência desses eventos extremos, como secas prolongadas, ondas de calor e, consequentemente, incêndios florestais no Pantanal.

Leia também: Secas no Pantanal: indicações de relação com a Fase Neutra, entre o El Niño e La Niña

A partir de maio de 2012 se instala por 29 meses seguidos a Fase Neutra entre El Niño e La Niña. O El Niño surge em outubro de 2014, caracterizado pelo CPC como “o mais forte desde 1950”. O fenômeno se prolongou até abril de 2016.

Como vimos, o texto da NASA indica que no período El Niño ocorreu o declínio global das águas iniciado com grande seca no Norte e Centro-Oeste do Brasil, avançando por outras regiões do Planeta.

Para o País, as consequências mais visíveis ocorreram na bacia do rio Paraná (inclui a bacia do Paraguai e o Pantanal), por seu papel na economia e grande população. No território da bacia está cerca de 50% da economia do País e mais de 60% da produção de energia elétrica dependente das águas.

São mais de mil represas, distribuídas pelos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Goiás, Mato Grosso e todo o Mato Grosso do Sul.
Veja: O centro da crise: a bacia do rio Paraná
Veja também: Terceira crise hídrica na bacia do Paraná em menos de 10 anos

Com chuvas baixas as hidrelétricas não conseguiram atender a demanda de energia do país, forçando a entrada em operação das usinas térmicas, as quais têm custo de geração mais elevado. A energia elétrica mais cara e outros fatores como a impossibilidade de funcionamento da hidrovia Tietê-Paraná por 2 anos e queda na produção agrícola como foi o caso da cana podem ter resultado na redução no Produto Interno Bruto (PIB).

No período, o país não debateu cuidadosamente o que se passava, pois estava voltado para o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

A água global após o forte El Niño de 2014

Segundo a publicação da NASA, mesmo após o recuo do El Niño, a água doce global não se recuperou. Matthew Rodell, hidrólogo no Goddard Space Flight Center da NASA em Greenbelt, Maryland, um dos autores do estudo no qual se baseou o texto da NASA, e a equipe relataram que 13 das 30 secas mais intensas do mundo ocorreram a partir de janeiro de 2015. A conclusão veio a partir de dados oferecidos pelo satélite Gravity Recovery and Climate Experiment (GRACE)*.

Os autores do estudo suspeitam que o aquecimento global contribua para o esgotamento duradouro da água doce, mesmo com a ocorrência de chuvas extremas.

O meteorologista Michael Bosilovich, da NASA, indica um processo para a qual o Brasil deveria ter muita atenção: o aquecimento global faz com que a atmosfera retenha mais vapor de água, resultando em precipitação mais extrema. Embora os níveis totais anuais de chuva e queda de neve possam não mudar drasticamente, períodos prolongados entre eventos de precipitação extrema fazem com que o solo seque, tornando-se mais compacto, o que reduz a absorção de água, diminuindo sua presença no solo. “O problema quando você tem precipitação extrema é que a água acaba escorrendo, ao invés de ser absorvida, não repondo os estoques subterrâneos”, afirma Bosilovich.


*Os satélites GRACE medem flutuações na gravidade da Terra em escalas mensais que revelam mudanças na massa de água sobre e sob o solo. Os originais operaram a partir de março de 2002 até outubro de 2017. Os satélites sucessores GRACE–Follow On (GRACE–FO) foram lançados em maio de 2018, operados pelo Centro Aeroespacial Alemão e o Centro Alemão de Pesquisa em Geociências e a NASA.

 

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