Fermín Koop, Diálogo Chino
Mais de 50 entidades latino-americanas chamaram a atenção para as violações socioambientais em projetos com investimento chinês na região.
Um relatório apresentado em fevereiro ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (Cescr, na sigla em inglês) analisou 14 projetos liderados por empresas chinesas ou com financiamento de bancos chineses. As atividades ocorreram em nove países da América Latina nos setores de infraestrutura, energia e extrativismo (como exploração petrolífera e mineração). Os autores ressaltam a falta de esforços dos investidores chineses para evitar impactos socioambientais na região.
Embora reconheçam os avanços das políticas da China em atividades no exterior, as organizações pediram mais comprometimento com os padrões socioambientais em projetos desenvolvidos na América Latina.
“O que buscamos na ONU é levar a China a lidar com os impactos negativos de seus investimentos e a entender que essa é uma preocupação legítima das organizações sociais na região”, diz Marco Gandarillas, da Latinoamérica Sustentable, uma das entidades responsáveis pela publicação.
O relatório faz parte de um processo de avaliação que a ONU realiza sobre acusações de violações a direitos socioambientais em atividades chinesas no exterior. O Cescr, responsável pelo trabalho, já encaminhou orientações ao governo chinês, que respondeu às solicitações.
As obrigações socioambientais da China no exterior têm sido objeto de avaliações da ONU desde 2016. Entre elas, há a Revisão Periódica Universal, processo do Conselho de Direitos Humanos no qual a China já reconheceu reivindicações de organizações latino-americanas em 2019.
Recentemente, o Cescr convidou organizações sociais a apresentarem suas considerações sobre a atuação de empresas chinesas na América Latina. O órgão, por sua vez, consolidou esses comentários em um documento que foi publicado no dia 3 março — ao qual o governo chinês já respondeu de maneira preliminar.
Projetos chineses na América Latina
O relatório das entidades latino-americanas se concentra em projetos de mineração, petróleo, hidrelétricas e ferrovias desenvolvidos por 11 empresas chinesas ou apoiados por bancos chineses em Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela. As organizações responsáveis pela análise dizem que todas essas operações provocaram danos ambientais expressivos em ecossistemas sensíveis.
A mina de cobre Mirador, na Amazônia equatoriana, está entre os projetos incluídos na lista. Operada pela Ecuacorriente, subsidiária das estatais chinesas Tongling e China Railway Construction Corporation (CRCC), a mina afetou 16 ecossistemas, conforme as denúncias. A análise destaca ainda que quatro projetos localizados em México, Bolívia, Venezuela e Equador operam ou têm planos de operar em áreas protegidas.
“As empresas escolhem projetos em zonas de conflito e depois os problemas se arrastam durante todo o processo, como no caso da barragem de Rucalhue no Chile”, diz Gandarillas.
O plano de construção da usina hidrelétrica de Rucalhue espera produzir cerca de 90 megawatts no rio Bío-Bío, região central do Chile. O projeto foi assumido pela China International Water & Electric Corporation em 2018. Seria a quarta barragem instalada no rio, que já têm as usinas de Pangue e Ralco, da empresa hispano-chilena Endesa, ambas muito criticadas por seus impactos em um país que sofre com a escassez hídrica.
“As comunidades já disseram várias vezes que não querem mais barragens na região”, ressalta Gandarillas.
Problemas relacionados à poluição do ar e da água também são recorrentes na maioria dos projetos analisados. É o que ocorre no projeto de exploração de ouro da mineradora chinesa Zijin, em Buriticá, na Colômbia, e na mina de cobre Mirador, no Equador.
O relatório afirma que, em aos menos dez casos analisados, os projetos têm lacunas em suas licenças ambientais e provocaram conflitos com as comunidades locais. As organizações destacam como exemplo a mina de cobre Las Bambas, no Peru, operada pela chinesa MMG.
“As comunidades já disseram várias vezes que não querem mais barragens na região”
O secretário-executivo da Rede Muqui, Jaime Borda, que representa mais de 30 organizações socioambientais no Peru, afirma que as comunidades que ocupavam a área da mina Las Bambas sofreram um reassentamento forçado. “A empresa modificou o estudo de impacto ambiental e não fez uma consulta antes de iniciar o projeto”, acrescenta.
O relatório destaca que alguns dos projetos analisados também resultaram em violações aos direitos dos povos indígenas. As empresas teriam realizado projetos em territórios de comunidades que há muito tempo lutam contra os impactos ambientais das atividades extrativistas.
O relatório destaca o caso da mina de cobre San Carlos-Panantza, no Equador. O projeto é operado pela ExplorCobres, subsidiária do consórcio CRCC-Tongling, que também comanda o projeto Mirador. A mina no sul do Equador, diz o documento, impactou 70% do território do povo indígena Shuar. Após anos de denúncias, as operações na mina foram interrompidas em 2020. Em 2022, a Corte Constitucional do Equador entendeu que o “direito à consulta prévia, livre e informada” dos povos originários foi violado e exigiu medidas de reparação junto ao Ministério Público do país.
Os projetos foram liderados por investidores chineses, mas governos e empresas locais também ajudaram a viabilizá-los por meio de licenças ambientais e regras frouxas, de acordo com organizações ambientais consultadas pelo Diálogo Chino.
Recomendações para investidores chineses
O documento do Cescr pede ao país asiático que seus bancos e empresas com atividades no exterior sejam “responsabilizados por violações de direitos econômicos, sociais e culturais”, principalmente se tiverem impactos em comunidades indígenas.
O Cescr também solicitou ao governo chinês que garanta às vítimas de abusos o acesso a mecanismos eficazes de denúncia e a reparação adequada. Além disso, cobrou o governo a tomar medidas para “assegurar a responsabilidade legal das empresas e suas subsidiárias” por violações de direitos em atividades no exterior”.
No mesmo dia em que o comitê da ONU divulgou seu relatório, o governo chinês respondeu dizendo que criaria um grupo de trabalho para revisar as solicitações. “O governo chinês atribui grande importância ao cumprimento de suas obrigações em relação aos instrumentos internacionais de direitos humanos”, segundo a representação chinesa. “A China continuará engajada no diálogo construtivo e na cooperação com todas as partes”.
Nos últimos anos, a China tem publicado novas diretrizes para suas empresas e investidores que operam no exterior. Sua abordagem anterior era baseada no simples cumprimento das legislações nacionais. Agora, os compromissos são com as melhores práticas e padrões internacionais, conforme reconhecem organizações latino-americanas.
As “Diretrizes de Desenvolvimento Sustentável para Investimento Estrangeiro e Cooperação”, publicadas conjuntamente pelos ministérios do Meio Ambiente e do Comércio da China, encorajam investidores a ir além das “regras do país-sede”: o documento pede que bancos e empresas chinesas adotem os padrões chineses ou as melhores práticas internacionais, sobretudo se houver lacunas nas legislações locais.
Atualmente, a Câmara de Comércio dos Importadores e Exportadores de Minerais, Metais e Produtos Químicos da China está desenvolvendo um mecanismo para fiscalizar projetos chineses de mineração no exterior.
Apesar do avanço nesses planos, as organizações latino-americanas responsáveis pelo relatório observam que o principal desafio ainda é a implementação dessas regras pelas instituições financeiras e outras empresas, bem como a fiscalização governamental. Para isso, pedem mais diálogo com os chineses.
“As embaixadas chinesas poderiam servir como canais de comunicação aos quais as comunidades e as organizações sociais pudessem recorrer para alertar sobre problemas socioambientais”, sugere Marco Gandarillas, da Latinoamérica Sustentable.
“Há setores na China que se movem na direção correta, e a ONU é um espaço onde a China tem que prestar contas e assumir compromissos para promover mudanças graduais e viáveis que possam ser implementadas na América Latina”, conclui Gadarillas.