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Pantanal em 2021 queimou menos que em 2020. Ações preventivas tiveram efeito?

12 minutos de leitura
Incêndios afetaram região da Estrada Parque (Pantanal). Foto: Alíria Aristides.

Por Alcides Faria*, André Luiz Siqueira** e Thiago Miguel Oliveira Seiefert***.

Publicado originalmente em 17 de nov de 2021

 

–  Considerando Bolívia, Paraguai e Brasil, o território devastado em 2021 foi quase 3 milhões de hectares.

– As ações em Área de Proteção Ambiental mostram que é possível o Fogo Zero.

– Prevfogo e Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso preparados com antecedência.

– Formação de Brigadas Voluntárias em várias regiões foi estratégico; muitas contiveram fogo no início, antes que se transformassem em incêndios.

– Ministérios Públicos estudadamente atuaram com Corpo de Bombeiros para identificar e agir em regiões mais propensas a incêndios.

 

No Pantanal os incêndios consumiram em 2021, até o final de outubro, aproximadamente 2.820.878 hectares, considerando Bolívia, Paraguai e Brasil. No Brasil, o território destruído pelo fogo foi quase a metade desse valor – cerca de 1.305.000 ou uma devastação de aproximadamente 31% do observado em 2020 (4,2 milhões de hectares). Esses valores não devem ser alterados significativamente até o restante de 2021, pois as chuvas do final de outubro/início de novembro reduziram significativamente os focos de fogo.

Imagem preparada por Thiago Miguel, da Ecoa, biólogo e mestrando encarregado do levantamento de dados sobre as queimadas no Pantanal.

Como ponto de partida deve-se ter em conta que 1,5 milhões de hectares para o Brasil é um valor muito alto sob qualquer análise, ao contrário do que afirmam alguns “técnicos”. A devastação foi visível em extensas regiões. No entorno, da Estrada Parque Pantanal (MS), por exemplo, a vegetação foi tragada pelo fogo, juntamente com algumas pontes e casas de ribeirinhos. A terra indígena Kadiwéu (MS) em grande parte arrendada para pecuaristas, ardeu durante muitos meses.

Por que queimou menos?

As condições ambientais/climáticas de 2021 foram tão rigorosas ou até piores que em 2020 e as águas do verão 20/21 não encheram o Pantanal (ver análise de gráficos de alturas do rio Paraguai abaixo), as ações preventivas e a maior capacidade de intervenção tiveram efeito para a redução dos incêndios?

A resposta que temos de imediato é que sim, surtiram efeito e contribuíram para a redução das áreas incendiadas.

Antes da chegada do período mais seco, aconteceu um amplo trabalho de preparação, muito bem divulgado em todo o Pantanal, o que certamente conteve até certo ponto a agressividade pública dos fazendeiros incendiários e seus defensores ideológicos, situação criticamente observada em 2020.

Quanto à preparação, é um fato que por parte do ministério do Meio Ambiente não se observou na ‘partida’ a “normalização” dos incêndios, como ocorreu em 2020, através das falas insufladoras do ex-ministro Salles, dentre elas uma com a antiga e famosa falsa tese do “boi bombeiro”. A tese completa reza que no Pantanal faltariam bois para ocupar o lugar da massa vegetal que queima e o remédio, então, seria desmatar mais, plantar grama exótica e, com isso, possibilitar o aumento do número de bois. Outro fato relacionado ao Ministério é que em 2021 ocorreu repasse de recursos aos estados de MS e MT e não atrasou a chegada de recursos para o Prevfogo, como ocorreu em 2020. Vieram recursos inclusive para barcos de deslocamento rápido transportando brigadistas.

 

Articulação estratégica entre organizações não governamentais, comunidades, instituições públicas e proprietários estabeleceram barreiras

Talvez o melhor exemplo sobre a atuação geral frente aos incêndios em 2021 seja o da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía Negra, no município de Ladário (MS). A APA tem uma área de 6 mil hectares, dos quais 3 mil queimaram em 2020. Os incêndios foram devastadores e resultaram em muitas perdas para as famílias locais, com destruição de espécies vegetais utilizadas para o extrativismo e vários bens como foi o caso da chalana – barco pantaneiro – de um pescador e o meio de trabalho de alguns moradores.

 

2021 – Outro cenário: Fogo Zero em toda a APA.

Em 2021 ações foram planejadas tendo como norte geral a prevenção, e para tanto estabelecidas prioridades: a formação e preparação das brigadas voluntárias pelo Prevfogo/Ibama; a aquisição de novos equipamentos de combate ao fogo; do trabalho de educação ambiental com fazendeiros e assentados do entorno e na fiscalização permanente de lideranças como Maria de Lourdes de Arruda. Tal estratégia – investimento em preparação e na prevenção – resultou na proteção completa da APA, não queimando sequer 1 hectare em 2021.

Brigada Comunitária da APA Baía Negra com Maria de Lourdes de Arruda à frente. Foto: Frico Guimarães.

Entendemos que o quadro de Fogo Zero, mesmo com condições climáticas adversas e com o histórico de queima anual, alcançando o pico de 3 mil hectares em 2020, deve servir como caminho indicativo para a proteção do Pantanal como um todo. Um registro fundamental é que para o resultado ser alcançado ocorreu a soma de esforços entre instituições governamentais como Prevfogo/Ibama, a Prefeitura Municipal de Ladário e organizações não governamentais como a Ecoa, o WWF Brasil e a SOS Pantanal, sob a liderança do democrático Conselho Gestor da APA.

 

Brigadas – a linha de frente

Entre as medidas preventivas estratégicas fundamentais esteve a viabilização de novas Brigadas Voluntárias e a reciclagem de conhecimentos das mais antigas, trabalho realizado por organizações não governamentais, com formação técnica garantida pelo Prevfogo/Ibama. Essas brigadas, com papel duplo educativo/preventivo, atuaram na linha de frente em várias regiões, evitando muitas vezes que pequenos focos de fogo se transformassem em grandes incêndios. Um elemento novo em 2021 foi a formação de brigadas em fazendas, o que não ocorria ou era exceção até aqui. Esse trabalho é importante por ser mais uma barreira de proteção para aqueles fazendeiros que não querem suas terras queimadas por incêndios de fazendas vizinhas. A própria mobilização em cada região para a formação de combatentes do fogo é um alerta para os incendiários.

Treinamento de duas brigadas comunitárias no Pantanal: Aldeia Morrinho e APAIM. Foto: Victor Hugo Sanches.

 

Treinamento de brigada feminina feito no Paraguai-Mirim. Foto: Victor Hugo Sanches.

 

Governos e os Ministérios Públicos

Os governos estaduais de Mato e Mato Grosso do Sul destinaram recursos para o trabalho combate direto e o preventivo, incluindo a compra de equipamentos e a preparação das forças dos Corpos de Bombeiros dos dois estados. Os bombeiros estiveram presentes em várias situações de combate aos focos e atenderam chamados da população para salvamento de famílias ameaçadas pelo fogo.

Os Ministérios Públicos de MS e MT e o Ministério Público Federal  (MPF) desenvolveram e publicaram estudo estratégico mapeando os pontos de ignição dos incêndios ocorridos no Pantanal em 2020, o qual se tornou uma ferramenta fundamental para o trabalho preventivo dessas instituições em 2021.

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul criou o programa Pantanal em Alerta como instrumento de prevenção de focos de incêndio no Pantanal. Juntamente com o Corpo de Bombeiros do Estado, indicou as áreas com maior risco de incêndio e alertou os respectivos Ministérios Públicos de cada região, os quais, por sua vez, alertaram e orientaram os fazendeiros que poderiam ser atingidos pelo fogo. Outra medida do Programa foi a notificação de proprietários em cujas propriedades foram identificados focos de incêndio. A Ecoa publicou informações sobre o trabalho. Acessar aqui.

Lançamento do sistema Pantanal em Alerta, uma iniciativa do Corpo de Bombeiro com o MP-MS.

 

* Alcides Faria é o diretor executivo da Ecoa.

** André Luiz Siqueira é o presidente da Ecoa.

*** Thiago Miguel é biólogo da Ecoa.

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