A Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal (Cerrapan) e a Ecoa escreveram uma carta para o presidente Lula propondo a criação de um Plano Especial de Proteção para as populações pantaneiras diante da seca extrema.
O presidente visita hoje Corumbá (MS) para sobrevoar as áreas atingidas por incêndios no Pantanal e sancionar a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
A agenda inclui uma visita à base local do Prevfogo/Ibama. A diretora-presidenta da Ecoa, Nathalia Ziolkowski, estará presente e entregará a carta ao presidente.
Os grandes incêndios ocorridos no bioma em 2020 mostraram que quando o fogo destrói os ecossistemas dos quais as comunidades dependem, a recuperação é lenta e às vezes nem ocorre. Então, a ação protetiva é urgente.
Confira abaixo a íntegra da carta, que também pode ser acessada clicando aqui:
Senhor Luiz Inácio Lula da Silva.
MD. Presidente da República Federativa do Brasil.
Pantanal 31/7/2024
Assunto: Pantanal e apoio a suas populações.
Senhor Presidente,
É com satisfação que o recebemos no Pantanal, onde trabalhamos diuturnamente há mais de 35 anos como instituição na defesa de seus povos e da conservação ambiental, articulando em redes, agregando comunidades, pesquisadores, organizações governamentais e não governamentais na perspectiva da conservação ambiental como aliada do desenvolvimento local.
Nessa oportunidade saudamos as ações estratégicas de vosso governo e sua dedicação pessoal, juntamente com a Ministra Marina Silva, na prevenção e combate aos incêndios no Pantanal. Fazemos isso porque conhecemos o que ocorreu em administrações anteriores, onde a falta de preparação e mobilização governamental resultou em tragédias como a de 2020, quando mais de 4 milhões de hectares foram devastados, e mais de 17 milhões de animais morreram.
Neste momento, dirigimo-nos ao senhor para informar sobre a grave situação enfrentada por muitas comunidades no Pantanal devido à seca extrema. Esse clima adverso coloca em risco a sobrevivência das famílias ribeirinhas, das populações indígenas e das comunidades de pequenos agricultores. É necessário um Plano Especial de Proteção para as Comunidades e Terras Indígenas que estão sob maior risco. O que ocorreu em 2020 demonstrou que, quando o fogo destrói os ecossistemas essenciais para essas comunidades, a recuperação é lenta e, em alguns casos, nem ocorre.
Apoiar as Brigadas Voluntárias Comunitárias com equipamentos, combustível, e tecnologia, fazendo nova formação e as preparando para eventuais intervenções é considerado por nós e pelas comunidades supracitadas como uma emergência. As Brigadas Voluntárias Comunitárias são 23 e outras tantas privadas, em fazendas. Essas brigadas podem ser um ponto de apoio estratégico para ações preventivas, tendo em conta que ações anteriores delas, inclusive esse ano, evitaram vários incêndios.
Desta forma, apresentamos nossas principais necessidades como propostas que diminuam as desigualdades sociais, econômicas, ambientais e de gênero neste país.
– Nós mulheres do Pantanal precisamos de acesso as políticas públicas básicas para nossas comunidades. Na área da saúde, o barco ambulância, o posto de saúde flutuante e agentes de saúde em nossas comunidades são imprescindíveis.
– Na educação, precisamos de condições adequadas e escolas em nossas comunidades. Atualmente, somos forçados a enviar nossos filhos para estudar na cidade, o que faz com que muitos parem os estudos cedo devido à falta de escolas locais. Quando os jovens vão para a cidade, perdem o contato com a terra e a comunidade perde a chance de contar com suas habilidades e qualificações para atuar em nosso território.
– As políticas de enfrentamento a violência contra mulheres e meninas não alcança nossa realidade e nós não as compreendemos plenamente, e nem conhecemos os serviços hoje disponíveis.
– Apesar de nossa importante participação política dentro e fora das comunidades, em espaços de debate e tomada de decisão, muitas de nós não votamos na última eleição, pois as urnas não chegam em nossas comunidades e o custo de deslocamento para as cidades é alto.
– Somos importantes produtoras de alimento, promovemos a segurança alimentar de nossas famílias e desejamos promover a soberania alimentar ao país, mas nossas condições de infraestrutura, escoamento de produção, acesso aos mercados, ainda são nossos principais obstáculos. Além disso, a política de assistência técnica para a agricultura familiar que desenvolve a atividade do extrativismo sustentável tem tido pouca capilaridade no Pantanal.
– Precisamos de liberdade de comercialização, promoção de espaços urbanos que contribuam para uma cultura de compra e venda de produtos da sociobiodiversidade em locais fixos, para criar o laço direto entre consumidor e produtoras e estabelecer a confiança e incentivo a aquisição de alimento limpo, livre de agrotóxicos, através de um modelo de consumo que apoia a conservação ambiental, como também a autonomia econômica de mulheres e seus núcleos familiares nas comunidades tradicionais e assentamentos.
– Pedimos ao novo governo que olhe para as ações de conservação e uso sustentável dos recursos como um modelo de diversificação produtiva dentro das comunidades. Impulsionar esse modelo como agregador de renda dessas famílias, olhar para a recomposição e restauração de paisagens e matas nativas é um favorecimento a todas as pessoas e biomas. As comunidades prestam um serviço ambiental no Brasil e isso não é visto e nem valorizado até hoje.
– Para que essas comunidades consigam se adaptar às mudanças climáticas, é essencial realizar ações e iniciativas que atendam às suas necessidades específicas, como a criação e implementação de Planos de Adaptação voltados para essas comunidades, por meio de investimento em Infraestrutura Resilientes, e o fortalecimento dos Sistemas de Alerta e Resposta.
Atenciosamente,
Nathalia Eberhardt Ziolkowski
Secretária executiva da Rede de Mulheres do Cerrado e Pantanal
Diretora Presidenta ECOA – Ecologia e Ação
Matéria atualizada no dia 01/08/24 para adição de informações.