Texto originalmente publicado em 1 de novembro de 2023,
Por Alcides Faria, Diretor da Ecoa.
– O registrado este ano na América do Sul é um indicativo muito forte de que as políticas climáticas devem mudar, ampliando o alcance da ciência em cada território específico.
Desde o ano passado, climatologistas de diferentes instituições alertavam para alterações na temperatura das águas do oceano Pacífico, o que apontava a configuração do fenômeno El Niño, com riscos de eventos extremos em grande parte da América do Sul e, logicamente, no Brasil. Os alertas vieram agregados, algumas vezes, com o adjetivo “super”, indicando que a magnitude das alterações climáticas e suas percepções deveriam estar na ordem do dia para a construção de políticas preventivas, incluindo o básico: alertas para as populações, principalmente tendo em conta as bacias hidrográficas, mas tratando de fortalecer a capacidade de prefeituras e estados para ações mitigatórias.
Mas, ao que parece, a surdez quanto às mudanças climáticas e seus efeitos também pode ser agregado ao adjetivo “super” – “super surdez”. Vejamos o caso do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, após as intensas chuvas que causaram dezenas de mortes e prejuízos econômicos incalculáveis ele afirmou que “os modelos matemáticos de previsão do tempo de institutos meteorológicos não indicavam o volume de chuva que atingiu o estado”. A fala veio depois de Leite ter sido questionado se algo não poderia ter sido feito como forma de prevenção a desastres naturais, eventos extremos que acontecem de forma recorrente.
O Rio Grande do Sul saiu de uma seca de vários anos, com prejuízos para a agricultura e a redução de geração de energia pelas hidrelétricas, para essa nova situação extrema de cheias, as quais, somadas aos danos de um ciclone extratropical, causaram a morte de 52 pessoas, prejuízos acima de R$1,3 bilhão, segundo a Confederação Nacional de Municípios.
Já no outro extremo, na bacia do rio Amazonas, o quadro é de seca inédita, com a baixa dos rios trazendo impactos sociais, ambientais e econômicos jamais vistos na região. Vale registrar que na Bolívia, país que compartilha o território da bacia, os problemas de seca nas regiões de nascentes de rios formadores do sistema amazônico, são registrados há meses. Um elemento a considerar, além da falta de chuvas, é a menor queda de neve durante o inverno, o que levou à redução na produção de água com o degelo em algumas regiões.
O registrado este ano na América do Sul é um indicativo muito forte de que as políticas climáticas devem mudar, ampliando o alcance da ciência em cada território específico, ultrapassando fronteiras e garantindo informações que permitam a construção de estratégias de prevenção e mitigação de danos causados por eventos climáticos extremos. Acompanhar, por exemplo, o desenvolvimento do El Niño e La Niña, fenômenos climáticos de aquecimento ou resfriamento das águas do Pacífico na zona equatorial, ao longo do tempo se mostra uma tarefa essencial neste momento e para o futuro.
Tem-se expertise? A resposta é sim, mas são necessárias conexões e usos dela muito além do que se faz até aqui.