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A Agricultura Industrial

O caso alta bacia do rio Ivinhema no Mato Grosso do Sul, uma das principais produtoras de grãos no País

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agricultura industrial
Foto: Alexis Prappas/Exame

Por Alcides Faria, Diretor Institucional da Ecoa

Terminado o texto que segue enviei para a Alíria, excelente jornalista com a qual trabalho, para a revisão final e publicação. Lhe pareceu bem o texto, mas perguntou-me se tinha medida das críticas que receberia, pois o artigo poderia ser visto por alguns mais religiosos como um elogio ao atual modelo agrícola imperante no Brasil – e outras partes do mundo, diga-se. Respondi com outra pergunta: o texto é realista na sua opinião? Respondeu que sim. E segue uma contribuição para entender a dinâmica desse pedaço do agro que arrasta politicamente parte do País para posições antidemocráticas.

 

Na última semana de maio de 2023 percorri cerca 660 quilômetros por estradas cercadas por plantações homogêneas de milho, cultura agrícola desenvolvida após a colheita da soja.

A região em questão é a parte alta da bacia do rio Ivinhema, a qual tem sua área totalmente localizada no Mato Grosso do Sul, englobando os territórios de municípios conhecidos por sua produção de grãos. Dentre eles estão Sidrolândia, Maracaju, Ponta Porã, Dourados, Rio Brilhante e Nova Alvorada do Sul, famosos pela qualidade de seus solos, além do clima com estações marcadas e topografia adequados para a produção industrial de grãos.

Normalmente se consegue duas safras anuais, sendo a soja a grande estrela que gera lucros significativos para os produtores.

Imagem: Arquivo Ecoa

Na região da alta bacia do rio Ivinhema se tem um tipo de organização da produção moderna, levando a eficiência produtiva a cada hectare aos seus máximos possíveis, passando ao largo de análises ligeiras sobre o agro brasileiro como mostra do atraso no meio rural.

É o que defino como agricultura industrial de ponta, com uso máximo de recursos permitidos pelos avanços tecnológicos para o setor – da preparação do solo à colheita, passando pelo uso intensivo de químicos, com destaque para os agrotóxicos. Os exemplos são vários.

A recém entrou em análise por um grupo empresarial incorporar aos seus equipamentos agrícolas uma nova plantadora de soja da transnacional John Deere, de última geração, que dobrará a velocidade de plantio, passando dos 7 km/h do equipamento atual para 14 km/h. Já há tempos os drones substituem o monitoramento presencial das culturas, identificando automaticamente problemas como o ataque de pragas, o que possibilita ações para solução imediata, evitando propagação de danos.

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Em avaliação com engenheiros do setor, particularmente na área de engenharia de produção, com proximidades quanto a resultados financeiros e no tipo de equipamentos utilizados, somados a análises sobre os resultados totais quanto agricultura de alguns municípios da referida alta bacia do rio Ivinhema, se tem uma dimensão da estruturação do setor. Em um conjunto de fazendas de um mesmo grupo, somando cerca de aproximadamente 25 mil hectares, estima-se que o lucro líquido desse grupo com a soja na safra 2022/23, tenha alcançado algo em torno de 80 milhões de reais.

Quanto ao volume de recursos gerados pelo modelo agrícola o caso do município de Sidrolândia é emblemático. Município com apenas 59 mil habitantes e área de 526.600 hectares, plantou 256.000 deles de soja na safra 2022/23, produzindo cerca de 1,06 milhão de toneladas do grão. A preços do dia 17/07/23 gerou em torno de 2 bilhões reais. Vale lembrar que esses são dados apenas da soja. Para o milho safrinha foram destinados mais de 200 mil hectares (Canal Rural) a serem colhidos até setembro.

O modelo industrial arrasta consigo muitos assentamentos de reforma agrária, alguns deles mostrados como estrelas do processo divisório de terras adquiridas pelo Governo Federal em gestões passadas. O caso mais evidente é o chamado Assentamento Itamarati (65 mil hectares e 2.818 lotes), no município de Ponta Porã, fronteira com o Paraguai, com a produção agrícola quase que totalmente voltada para a produção industrial de soja e milho.

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Imagem: Google Earth

O modelo de produção agrícola na região, com geração de postos de trabalho mais qualificados, demandando engenheiros de produção, engenheiros agrônomos, mecânicos com conhecimentos tecnológicos básicos, operadores de máquinas agrícolas de alta tecnologia, contabilistas, gerentes e outros, o que provoca, por seu turno, demandas nas cidades por escolas particulares, clínicas de saúde, restaurantes e distintos setores do comércio em geral, conformados para atender as exigências comuns da classe média.

Mas o “virtuosismo” da soja para formação de classe média deve ser analisado com cuidado. Segundo o pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), Felippe Serigati, em 2021 os postos de trabalho na produção do grão foram 492 mil, para uma área plantada de 40.921,9 milhões de hectares (Conab), mostrando que a soja gera aproximadamente um emprego a cada 83 hectares.

Nos municípios da alta bacia do rio Ivinhema a predominância econômica da produção de grãos vem acompanhada da presença das usinas de açúcar e álcool, pois o solo e as condições climáticas, com um período chuvoso e outro seco, favorece a cultura da cana. A pecuária extensiva é o outro pilar das economias dos municípios, valendo o registro de que a atividade é caracterizada por baixa geração de postos de trabalho.

Quadro político

Nos últimos anos os municípios da bacia do rio Ivinhema foi um território politicamente controlado pela extrema direita. Noticiou-se que muitos proprietários rurais da região deram suporte financeiro para as manifestações antidemocráticas, pregando um golpe militar, em frente aos quarteis da região e até mesmo enviando funcionários para engordarem aos atos de Brasília.

Conclusão

Este artigo tem o propósito de contribuir para o entendimento sobre o modelo da agricultura industrial no Brasil a partir da alta bacia do rio Ivinhema, no MS, região que conheço em toda sua extensão.

A grande capacidade econômica em conexão com a economia global, absorvendo alta tecnologia, tornando-se formadora de classe média nas cidades, traz um quadro distinto daquele propagado por parte da esquerda, o de que o agro são a “vanguarda do atraso”, aforismo que creio valer para a pecuária, mas não para a produção de grãos. Propositalmente não abordei, por serem muito conhecidos os danos ambientais da atividade, particularmente o desmatamento, o uso intensivo de agrotóxicos, causando danos enormes de várias naturezas, incluindo a saúde pública.

 

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